ALGUNS MINICONTOS
Em todos os tempos, desde que houve tempo, a fada brincou de não ser fada mas foi traída pela realidade. A realidade sempre quer a fada brincando de si mesma, e a realidade é dura e cruel quando se impõe. A fada então nunca tem outra alternativa.
A dor solitária quis fundar um clube de dores solitárias, congraçar os sofrimentos, provar umas às outras que havia outras como cada uma. O clube existiu, mas a dor solitária continuou existindo.
- Tudo isso é tudo isso mesmo?
- Não, só em parte.
- Então por que tudo isso?
- Porque, em parte, tudo isso é só o que há.
Por um sinal que tinha na testa, Juslira nunca deixava de ser reconhecida.
- Você é a Jusmara, não é, reconheci pelo sinal na testa.
- Não, eu sou a Juslira.
- Mas não é a Jusmara que tem um sinal na testa?
- Não, a Jusmara tem um sinal na bunda.
- Ah, bom, é por isso que tô confundindo, nunca vi o sinal de Jusmara.
Juslira respirava fundo e partia para outro reconhecimento infalível.
Discurso mais mentiroso não podia haver. O padre estava colocando Carlos Milho nas alturas como pai, filho, marido e amigo. E Carlos Milho fora um patife rematado, quase todos ali tinham ódio ou desprezo por ele. Muitos vieram só para desrecalcar. A maioria aguentara a obrigação com aborrecimento, olhando o relógio de meio em meio minuto. Mas o padre parecia encantado com o som da própria voz. Se estivesse enterrando o demônio em pessoa, seria um demônio tão bom quanto Carlos Milho.
- Vapores que dançam? Do que é que você está falando?
- De um efeito sensacional. Vi num filme. A gente podia aproveitar para a festa da Loló.
- E o que mais você viu neste filme? Não, não me conte...
O Nunca Mais olhou para o Outra Vez e disse:
- Nunca mais!
O Outra Vez devolveu o olhar e retrucou:
- Outra vez?
- E agora?
- José...
- Que José?
- Do poema do Drummond.
- Que Drummond?
- Tá, tem razão: e agora?
Bópilo vinha um tanto distraído e quase tropeçou em um pacote de boçalidade. Meio desamarrado, era um convite para a curiosidade. Mas Bópilo já havia tropeçado em um muito parecido anos atrás. Passou de largo e deixou a coisa lá.
- Em quem você vai votar?
- Não te interessa.
- Como, não me interessa? Se você vai votar errado, me interessa e muito, pois é por causa de gente como você que o país não sai do buraco. É preciso ter consciência cívica e...
- Tá, tudo bem. Só que o teu interesse não me interessa.
(Rogério Camargo)