24 de fevereiro de 2015

Desabafo de um amor desabrochado



Desabafo de um amor desabrochado
(André Anlub - 14/4/10)

É inacreditável como sou feliz ao seu lado,
Mix de emoções boas a todo o momento;
Sem você eu preferia viver isolado
Em uma ilha só com coqueiros.

Sentimento puro e extremo,
Amor anos luz de verdadeiro;
A verdade mais alta pronunciada,
Cura para todo o câncer do planeta.

É bálsamo do bem derramado
Afogando todas as mazelas,
Meus pratos preferidos nas panelas,
Cheiro do perfume do bem amado.

A pólvora exposta à chama da paixão;
Implosão do calor da excitação extrema;
Na ponta da língua o sim e o não
E o coração inverso de pequeno.

É inacreditável como chego a chorar,
De saudade, amor ou em um pesadelo:
Sonhar em contigo não acordar,
Não poder tocar em seu cabelo. 

Faltam-me palavras - sobram-me desejos
Almejo mais e sempre tudo mais.
Minha vida é sua, pode me beijar,
Nenhuma alma de morte poderá nos levar.

Dueto da tarde (LXXV)



Dueto da tarde (LXXV)

As ondas do meu mar oscilam como cabelos ao vento, como os conceitos em temperos que saciam o apetite.
Navego como quem se entregou e não quer saber de seu destino, como navegador menino, sem horizonte e ilha, sem ouro e tesouro, sem norte e bússola, sem regra e família.
Talvez me afogue em minha pretensão desabrida, mas talvez também cure a ferida do medo que espreita nos vãos da solidão.
Pouco sei até do que pouco sei. As ondas do meu mar não toleram me ver sabendo, afogam rapidamente qualquer entendimento; sim, sei, às vezes são ondas egoístas mas que hoje amanheceram senhoras esposas, mais calmas – mais mansas, mas também propensas a tubarões e outros predadores.
Oscilam como cabelos ao vento. Não, como cabelos na água. Na água do meu mar inconstante, na maré variante que me lava – me leva – me eleva, com ou sem solidão, ao sonho incessante, delirante e salutar de viajar nesse mar e não chegar jamais às terras dos homens. 

Rogério Camargo e André Anlub
(24/2/15)

23 de fevereiro de 2015

Antologia da AVEC

1ª Antologia da AVEC no Clube de Autores - https://www.clubedeautores.com.br/book/181080--1_Antologia_da_AVEC#.VOt1kvRDuSp

Dueto da tarde (LXXIV)



Dueto da tarde (LXXIV)

O mal acordou criativo: fofocou, intrigou, polemizou, foi racista, preconceituoso e depois pediu desculpas. Pouco se pôde fazer com tudo que ele estava fazendo, contudo.
Nada mais é absurdo – basta pedir perdão; o bem ficou chateado e assume que perdoar é um dom, mas só quando provém do coração.
O coração provê, o coração vê pró: pró-libertação, pró-alívio, progresso.
Ao respeito o mal entrega o despeito, ao altruísmo a cobiça; não há preguiça no arremate de seus afazeres.
O mal trabalha, o coração também. O coração trabalha mal se desconsidera o mal que o faz trabalhar tanto.
Há ressalvas salvas: um sempre é vivo, o outro necessita cultivo; um faz o amado, o outro aversão; um põe fogo no circo, o outro provoca ovação; um vive sem o outro, já o outro não.
E enquanto viverem sem viver a completude absoluta, onde ninguém é nenhum e todos são tudo, discutirão espaços que não lhes pertencem.
Complacente e nem sempre sensato, sucinto, preciso, compreendido e domado é o coração: se der asas – alado; se der cárcere – convulsão.
O mal tenta o que os males tentam. O coração faz o que os corações fazem. E a vida, soberana, espera de um o que não espera de outro.

Rogério Camargo e André Anlub
(23/2/15)

Armageddon II



Armageddon II
(André Anlub - 7/4/13)

Caçadores de cobiças e amores perdidos,
Senhores dos seus projetos de ações duvidosas,
Jardineiro na ufania das flores de cera de ouvido,
Decifram a nostalgia de ocorrências rigorosas.

Lenhadores brutamontes, bruta montes
Com os seus machados cegos,
Filhos de escravas negras com índios...

São negros ou brancos, francos
Com seus olhos claros de guerra,
Sem ego, mas com a ganância de buscar o infinito.

Se a chuva de meteoros chegar em má hora
E quatro cavaleiros lhe derem guarida,
Com parcimônia de quem cultiva passiflora,
Empunha a espada, dá meia volta e procura saída.

Vivendo em um singelo passado do agora:
- é o azul que faz fronteira com um feio absurdo.

Os vieses que ecoam aos ouvidos de muitos,
Aquecem como o nome de Nossa Senhora.

22 de fevereiro de 2015

Dueto da tarde (LXXIII)

Ex-baixista do Legião Urbana é encontrado morto no Guarujá.

Renato Rocha tinha 53 anos e teria sofrido uma parada cardíaca.

http://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,ex-baixista-da-legiao-urbana-e-encontrado-morto-no-guaruja,1637910



É fácil deduzir o porquê de muitos movimentos com pensamentos retrógrados e preconceituosos conseguirem simpatia, apoio e adesão: 
Porque é muita asneira para uma cabeça só.   - André Anlub

Dueto da tarde (LXXIII)

O corpo passou como uma sombra densa, adensando cada vez mais na imaginação; 
O corpo antes de carne e osso, agora é alma e esboço, meio acabamento, arte final de cores, letras, músicas e variações.
Quanto mais perde a forma na distância, mais toma forma na memória e no desejo de que não saia da memória.
As solas de seus pés deixam pegadas coloridas e notas musicais nas areias, nas estradas, nas montanhas onde passam; no voo formam um arco-íris que serve de partitura aos pássaros.
Dissolve-se o concreto e concretiza-se o abstrato no trato da música, na música do contrato entre a alma e seu retrato.
É meramente puro e imediato, é a interação da atuação da arte com a ação da alma – casamento perfeito, fato consumido e congeminado.
O corpo que passa não é o corpo que fica. O corpo que fica nem conhece o corpo que passa. Por isso não passa.
Estacionado no momento, mas na combustão borbulha desvairadamente em inspirações que as transpirações transformarão em matéria, talvez, ou talvez mais material em sobra passando.

Rogério Camargo e André Anlub 
(22/2/15)

Dos desvelos



Dos desvelos

Abrasador ao íntimo, sem dor, toca e preenche e compreende ao completo.
Na mais alta altitude que o anseio ressoa, e é tênue e desconcertante.

Toda uma terra estremece em todo o corpo que balança
E merece o céu no sol e a luz da lua na luz do tato e do tudo.
Namoro e sinto e choro e aprovo e comprovo o sopro e aguardo e você.
Mas é mais mar que observo e sou servo ao todo... e amo.

Vem, vem como variante, pé e pé, paz e paixão, marcando no solo – selo;
Como ao chão e ao sentimento é um sucinto sinal sagrado, afetuoso,
Pois não censura, nem corta nem cura, o soco solitário do colosso:
O banho ao calor em chamas, supina alma à sua presença... e amo.

Solos secos castigados, que fenderam em frangalhos de raios antigos...
Ficam no aguardo das águas em rios em milagres em lágrimas em circo em cio...
E vieram e vigeram e ficaram e fincaram... e amo.

André Anlub
(21/2/15)

21 de fevereiro de 2015

ALGUNS MINICONTOS

Era um filme de amador. Mas com certeza foi o melhor trabalho que Elibeu encontrou sobre o assunto. Elibeu era um produtos poderoso. Mandou fazer uma pesquisa para descobrir quem era aquele amador e contratá-lo. Não conseguiu.


Orminha, tida por vagabunda, por imprestável e por marginal estava se divertindo muito. As pessoas que vigiavam Orminha, que não aprovavam sua vida, que a chamavam de vagabunda, imprestável e marginal estavam se divertindo muito pouco.


Quando Norvinha foi a Marte, voltou trazendo um alicate de unhas e um espanador. Quando Norvinha foi a Vênus, voltou trazendo um urinol e uma caixa de clips. Quando Norvinha foi a Júpiter, voltou trazendo uma colher de pedreiro e uma cinta-liga. Norvinha só pensa em coisas práticas.


- Pai, quando é que nós vamos à Disneylândia?
- Se depender de mim, nunca.
- É por isso que te adoro!


Osbaldo era um homem sério. Mas gostava de rir. Então Osbaldo se organizou para rir nas horas certas, porque rir fora das horas certas não é coisa de um homem sério. Ele só sente pena de as horas certas serem tão poucas.


- Acho que é uma questão de pele, sei lá – dizia Tomínia, tentando explicar à amiga porque seu romance com Tonalvo não ia bem. - A dele solta escamas e fica toda iridescente. A minha é tão oleosa que eu nunca precisei comprar azeite. Quando as escamas dele grudam no meu óleo é qualquer coisa de intolerável. Mas nós estamos tentando, juro.


- Vô, o que é talabarda?
- É quando uma poeta fica encrencada no meio de um poema, não consegue ir adiante: ela fica numa tala barda.
- Ah, vô, francamente!
- Ué, que culpa tenho eu se este negócio de poesia é complicado?


O Muito Depois queria conversar com o Muito Antes. O Muito Antes até concordou, mas ambos concordaram que até concordarem com um horário adequado o assunto teria morrido, reencarnado e morrido outra vez.


Ninguém é dono de ninguém. Mas se para te sentires dono de alguém concedes para quem se sente dono de ti, não podes te queixar da falta de liberdade.


- Onde foi que você botou a minha paz?
- Hein?
- A minha paz. Você tirou a minha paz, onde foi que botou?
- Se eu consegui tirar a tua paz, ela nunca foi tua. Eu te tirei o que nunca tiveste.


Crismina não queria ir embora. Mas não havia mais ninguém ali. Se ficasse, ficaria sozinha. Crismina não queria ir embora, mas também não queria ficar sozinha. E não havia mais ninguém ali.


- Desde quando você não atualiza o Windows?
- Desde 1917.
- Ah, para aí, naquele tempo não havia computador!
- Pra você ver como o meu Windows está desatualizado.



Clópis Ventto pensou que pudesse. Pensando que pudesse, Clópis Ventto tentou. Tentando, Clópis Ventto viu que não podia. E ficou um tempo sem tentar, pensando no que poderia.

ROGÉRIO CAMARGO 

Dueto da tarde (LXXII)



Dueto da tarde (LXXII)

Sinto-me um nostálgico doente, no estágio de euforia; quero alforria desse sádico e mágico passado insistente.
De alegria também se morre, se ela é um porre que não passa, escassa chance de entender seu destino.
De tristeza também se vive, se ela é inebriante e desce redonda, fica difícil se livrar/esquivar desse acre vício.
Sinto-me um doente nostálgico, dos que não admitem a doença mas não existem, não resistem sem o remédio.
Alguns dizem se tratar de tédio, de caçar chifre em cabeça de cavalo e fugir da briga; acusam-me de ter perdido o faro para as coisas novas e de emoldurar de forma desastrosa as antigas.
Não sei. Tudo pode, nada deve. Não concordo nem discordo. Não descarto nem assumo. Deveria? Não sei.
Analiso-me e me sinto bem; olho para trás quando quero e para frente sempre, não dou bobeira e não tropeço nas possíveis pedras e nas terríveis pernas que são peritas em rasteiras.
A nostalgia não impede a vida. A vida não impede a nostalgia. Nada impede nada. Por isso vou em frente, enfrentando a mim e ao mais. 
O presente sempre é um presente com o laço a se tirar; a escultura do futuro é a forma que se apraz, se espelhando no erro que passou; o acaso um caso sério a se estudar.
Estudo, eis tudo. Depois o ex-tudo me deixa com o que posso ficar. E com o que posso ficar fico, mais nada.

Rogério Camargo e André Anlub
(21/2/15)

20 de fevereiro de 2015

Das lágrimas e o Grande Joaquim Nabuco



Das lágrimas
(André Anlub - 24/5/14)

Preciso de versos certos
De encaixes precisos,
Que construam uma obra prima
Da mais bela e enigmática.

Preciso da ideia no foco,
Estar sedento e famélico,
Lutando contra o branco do vazio
Sem armas ou mapas,
Sem asas endurecidas
Ou velas furadas.

Quero ouvir a verve gritando
Ao mundo, ao pouco,
Como louca rara
Que absorve a vida aos poucos.

Preciso da sua leitura
De corpo nu em noite tão escura
Que nem as estrelas deram as caras.

Preciso do deleitar dos olhos vexados,
Umedecendo e emudecendo,
Abertos, fechados,
Deixando cair suas lágrimas.



Edição Especial "Mulheres pela Paz" no Portal Fénix

Venham ler os escritores/poetas no Portal Fénix: http://www.carmovasconcelos-fenix.org/LOGOS/PAZ/ED-ESPECIAL.htm

Dueto da tarde (LXXI)



Dueto da tarde (LXXI)

As cores todas da cor nenhuma vêm ao sol, e no arrebol se fazem de rainha, pois ganham lampejos, ganham atenção e marcham pelos olhos e desejos alheios.
Por todos os meios seus receios são afastados para os lados da noite que também se foi.
Chegam a ser uma esplêndida e pitoresca alquimia visual que alguns atribuem aos 
Deuses, outros aos Duendes, alguns criticam apontando seus dedos, outros nem entendem...
Mergulham então na ansiedade indisfarçada: são cores do Não refestelando-se na possibilidade do Sim.
No abissal sempre haverá a esperança, pois se voa – se pousa; no breu total, além do medo, ninguém sabe ao certo o que pode encontrar. Só quem ousa.
Na ousadia ousa o dia pintar de muito o que nasceu há pouco. As cores do nada apostam e se postam numa frenética chuva, horizontal e vertical, de pingos coloridos ainda invisíveis até chegarem aos objetivos, vivos e práticos. 
Praticamente não praticam nada mais, não deixam para depois o que já coloriram antes, fundamente fundamentais e ninguém percebe, como o oxigênio.

Rogério Camargo e André Anlub
(20/2/15)

19 de fevereiro de 2015

Para pensar:

‘Não tenho tempo pro não essencial’, diz neurologista com câncer terminal
Na categoria Geração E por QSocial em 19/02/2015

O neurologista britânico Oliver Sacks, 81 anos, anunciou hoje que está com câncer em estágio terminal, em um texto publicado no “New York Times” e logo replicado em todo o mundo.


O escritor e professor da Escola de Medicina da Universidade de Nova York afirma no artigo, intitulado “Minha própria vida”, que se sentia saudável até um mês atrás, quando foi diagnosticada uma metástase no fígado.

O cientista conta que, há nove anos, tratou de um raro melanoma ocular que tinha apenas 2% de chance de sofrer uma metástase _e ele está neste grupo. “Minha sorte acabou.”

No texto, sóbrio e poético, Sacks diz se sentir grato por ter tido “nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico original”. “Mas agora estou de cara com a morte”, afirma.

E segue: “Depende de mim escolher como quero viver os meses que me restam. Tenho que viver da maneira mais rica, profunda e produtiva que puder”.

O autor de livros de não ficção de sucesso como “Tempo de Despertar” e “O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu” diz que se sente “intensamente vivo” e conta o que quer, no tempo que lhe resta: “Aprofundar minhas amizades, dizer adeus aos que amo, escrever mais, viajar”.

Segundo ele, tentará acertar as contas com o mundo e, também, se divertir e fazer algumas bobagens.

Sacks diz que está focado: “Não há tempo para nada não essencial. Tenho de me concentrar em mim mesmo, meu trabalho, meus amigos”. Notícias sobre política ou aquecimento global não terão mais sua atenção. Explica: “Estes não são mais meus problemas; eles pertencem ao futuro”.

Encerra reafirmando que seu sentimento predominante não é o medo, mas de gratidão. “Acima de tudo, tenho sido um ser senciente, um animal pensante, neste lindo planeta, o que tem sido um enorme privilégio e aventura”.

Por QSocial, com informações do “New York Times”

*Este texto faz parte do projeto Geração Experiência, que tem como objetivo mostrar histórias de pessoas com mais de 60 anos que são inspiração para outras de qualquer idade.

Dueto da tarde (LXX)



Dueto da tarde (LXX)

Dois olhos me olham com um olhar brando, mas inquietante, olhar de dúvidas e expectativa.
Na sombra deles eu me preparo para não ser esquecido e lanço um grito para o eco surdo.
Radicalizo meu singelo espaço cósmico doando meus planetas e estrelas aos olhos alheios.
Abro o guarda-chuva da angústia sob o sol da melancolia e visualizo ao vulcão da ineficácia derretendo as pedras do alicerce.
Na hora, através dos olhos, chegará minha máxima e me lançará o convite à sorte do sorriso mais largo, a fala mais forte e alinhará toda minha galáxia.
Na hora. Estou sem hora. Sou senhor das horas mortas que ressuscitam na práxis, faço plástica na cara da morte, afio a foice e o cabelo eu lavo, pinto e faço trança, fazendo-a parecer novamente criança.
Dois olhos me seguem nesta dança. Diretor de cena coçando a pança, quebrando a balança com o peso da sua exigência. Isto cansa.
A observação vai além – se dita à regra: rega-se a ruga e irrigam-se os olhos com o pranto mais sincero.
São dois olhos e têm a sabedoria dos trilhões que já choraram a condição humana. Deles ela verte em água pura.

Rogério Camargo e André Anlub
(19/2/15)

Trem de perfume e fumaça



Trem de perfume e fumaça
(André Anlub - 25/03/13)

Não se sabe se o perfume se espalhou
Pelos bosques coloridos e imagéticos.

Na nossa aldeia, logo, logo, deflagrou:
O colírio, canto lírico e poético.

A proeza dos sãos bardos atracou
Lá no cais latem os cães dos letrados.

Viu-se o verso no reverso - só versar.
Fez-se a música que alindou o ser amado.

Bela a rima morro acima
- No luar.
Brilho forte do sorriso
- A majestade.

O vai e vem ao som do trem deixou saudade.
De joelhos o anel da união,
Juramento que testemunha
A branca garça.

Iluminou o casto amor do sim sem não.
E foi-se o trem - longa estrada...
Fica fumaça...

Carnaval 2015



Voas minha pombinha
é carnaval
nos salões
nas ruas
marchinhas.
hinos e gritos.
Levas nas asas a festa
o belo rito.
És pomba da paz
alegria dos espíritos.
Sabes que a alegria tem fim
passaste todas as horas em transe
sonhaste em puro êxtase
viveste um paraíso interior.

André Anlub

18 de fevereiro de 2015

Pequena história real.

   
"O pai pediu-me que assinasse o livrinho antes da sessão de lançamento porque o menino, o Manuel, tinha que se deitar cedo. Ajoelhei-me junto ao Manuel e coloquei-lhe então uma questão:

- Este livro é sobre o medo do escuro. Será que tu tens medo?

Pela primeira vez ele me olhou nos olhos. Demorou a reagir e respondeu com uma pergunta:

- E tu tens medo do escuro?

Disse-lhe que sim. Ele gostou da sinceridade, deu meia volta e quando já se afastava conduzido pela mão do pai, ele parou e disse-me à distância:

- Não tenhas medo. O escuro apenas é feito das coisas que nele colocamos.

Disse aquilo para me reconfortar. Mas ele apenas recitava uma frase que eu tinha escrito no livro. O facto de um menino ter citado uma frase minha como se fosse algo da sua autoria foi talvez o maior dos prémios literários que tive. Nunca mais esquecerei esse momento" 
- Mia Couto

O íntimo

BANKSY (B. 1974) - Barcode Leopard (spray paint and emulsion on canvas), 2002

O íntimo

Via no tédio o remédio das disparidades de um vil covil,

Colocando fogo no palheiro para assim ver surgir uma agulha.
Com punho e a alcunha de justiceiro: foi-se o cunho e foi-se o pulha...
Talvez no terreiro, um terceiro quarto ou um sexto do quarto copo.

O íntimo quer mostrar a cara: fica para a próxima.


Atiro-me ao escopo: atiram-me, apunhalam-me, sequestram-me;

Eis os que orquestram como feras rugindo, como tréguas surgindo,
Como falta de filtro nas palavras que lavram num (in) coeso destino...
Ferem amigos, ferem coelhos brancos na noite – alvos fáceis;
Desumanos, desalmados.

Os motores de arranque estão quentes; há febre adolescente na mente.

Pudores caem, chuvas de verão; jamais nos verão tão impetuosamente.
Gruda chiclete no dente, queima a carne no espeto, o medo adota a senhora.

O íntimo que foi ínfimo é posto à prova: uma ova que para tudo tem hora.


Atiro-me à festa nesse exato momento: falta a farta cominação de acatamento.

Reviro-me e me viro para voltar ao começo;
Esqueço o preço que é estar do avesso: ver vultos dos fantasmas,
estafas formando estufas que vão aquecendo as cabeças; 
ouvir melodia melancólica, pudica e melosa, 
da noite ao dia – de trás pra frente – o ano inteiro.

O íntimo já está exposto e posto ao privo: um ovo que se quebra à fome.


André Anlub

(18/2/15)
ALGUNS MINICONTOS

A carta que Perôndio escreveu avisando Parquínia do que poderia acontecer chegou dois anos atrasada. Parquínia foi obrigada a reconhecer duas coisas, porém. Uma, surpreendente: ele acertou quase tudo. Outra, deprimente: ela não teria seguido nenhum dos conselhos mesmo que a carta chegasse em tempo. Isso a deixou pensativa, pelo menos.


Ninguém chamava Júlio João de bonito. Júlio João era bonito. Mas não se lembrava de terem-no chamado assim uma vez que fosse. Um dia perguntou a sua amiga Irausa o que ela achava disso. Irausa primeiro pensou que ele estivesse brincando. Não estava. Depois pensou que talvez fosse uma armadilha. Não era. Era mesmo uma angústia. Que aumentou quando Irausa foi embora sem ter dito nada.


Há tanta coisa nas muitas coisas que as inexistências ficam muito receosas de começarem a existir.

- Mãe, tem uma estrela que quer falar comigo.
- É mesmo, meu bem? Sobre o que?
- Ela não disse ainda. Mas acho que está nervosa, coitadinha, a luz dela não para de tremer...


Tudo que podia ser feito por Genofelsa já tinha sido. Agora restava esperar que Genofelsa entendesse que só dependia dela transformar tudo o que fora feito em uma situação onde ela não precisasse de mais nada.


- Vô, por que é que a mãe disse pro pai “deixa estar, jacaré, tua lagoa há de secar”?
- Tá chovendo, seu pai deve ter entrado em casa com os pés molhados.
- Ah, vô, não brinca, eu quero mesmo saber!
- Tá. É uma expressão antiga. Funciona como um aviso de que a pessoa pode vir a perder algumas vantagens ou privilégios.
- Hum. Será que o pai vai ter que dormir no sofá?
- Se estiver com os pés molhados, talvez.


O muro era muito alto. Trolluppa cresceu imaginando que um dia teria condições de saltá-lo. Empenhou-se para conseguir isso. Conseguiu. Seu problema passou a ser o retorno, depois de conseguir. Porque do outro lado o muro era ainda mais alto.


O comodismo:
- Deixa como está!
A revolta:
- Muda tudo!
A sensatez:
- Como mudar tudo?


Queria viver uma experiência fora do tempo. E não parava de olhar o relógio, para ver se já estava na hora.


- Se pudesses escolher um lugar para morar, onde seria?
- Perto de mim. Detesto morar longe de mim.


Clápilo queria levar Clatina a viver um sonho. Clatina não queria viver um sonho. Mas todos querem viver um sonho, argumentava Clápilo. Então você pode pegar qualquer um destes todos, eu não vou lhe fazer falta, encerrava Clatina.



Era uma coisa boa e era também uma coisa ruim. Mas enquanto era uma coisa ruim a coisa boa não podia ser totalmente boa, porque ficava com pena.

ROGÉRIO CAMARGO 

Dueto da tarde (LXIX)



Dueto da tarde (LXIX)

Acordei hoje com dor de cabeça. Não sei onde minha cabeça andou durante o sono;
Talvez tenha voado, voltado novamente no tempo, passeado pela Gaia de mãos dadas com Alice.
Não acordei por saudades do lar. Acordei porque a cabeça não deixou mais dormir.
Quase caí da cama, seria fatal já que durmo no alto de uma Sequoia gigante; e para ser deselegante vou confessar e completar que nunca arrumo minha cama.
Nem desamasso os lençóis. Nem apago a lâmpada de cabeceira. O travesseiro é o mesmo há anos. Minha Sequoia me entende.
Houve um tempo que morei no Mauna Loa, mas me espantei com o calor, senti falta de uma garoa; já vivi no Everest, mas o frio nada breve petrificava meu voo... agora estou muito bem onde estou.
Com a cabeça estourando, mas estou muito bem. Com o sono atrasado, mas estou muito bem. Com a Sequoia balançando e o Everest derretendo, mas estou muito bem.
Só que outro dia surgiu o homem e sua serra, senti um frio na nuca e me deixou em paranoia... acertei-o com uma pedra... de açúcar.
Não era eu o homem? Não era eu um homem sonhando que um homem serrava sua cama. Não era eu o homem acordando com a cabeça doendo porque sonhou com um homem serrando sua cama?
Que loucura: fui homem, fui árvore, fui Alice, vivi em Gaia e em outros lugares, e libertando-me de quaisquer crendices ou pensamentos vulgares... acho que já fui tudo, menos eu.
E ainda quero uma cabeça que não doa...

Rogerio Camargo e André Anlub
(18/2/15)

Biografia quase completa






Escritor, locador, vendedor de livros, protético dentário pela SPDERJ, consultor e marketing na Editora Becalete e entusiasta pelas Artes com uma tela no acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MAC/BA)

Autor de sete livros solo em papel, um em e-book e coautor em mais de 130 Antologias poéticas

Livros:
• Poeteideser de 2009 (edição do autor)
• O e-book Imaginação Poética 2010 (Beco dos Poetas)
• A trilogia poética Fulano da Silva, Sicrano Barbosa e Beltrano dos Santos de 2014
• Puro Osso – duzentos escritos de paixão (março de 2015)
• Gaveta de Cima – versos seletos, patrocinado pela Editora Darda (Setembro de 2017)
• Absolvido pela Loucura; Absorvido pela Arte
(Janeiro de 2019)

• O livro de duetos: A Luz e o Diamante (Junho 2015)
• O livro em trio: ABC Tríade Poética (Novembro de 2015)

Amigos das Letras:
• Membro vitalício da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba (RJ) cadeira N° 95
• Membro vitalício da Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura da Embaixada da Poesia (RJ)
• Membro vitalício e cofundador da Academia Internacional da União Cultural (RJ) cadeira N° 63
• Membro correspondente da ALB seccionais Bahia, São Paulo (Araraquara), da Academia de Letras de Goiás (ALG) e do Núcleo de Letras e Artes de Lisboa (PT)
• Membro da Academia Internacional De Artes, Letras e Ciências – ALPAS 21 - Patrono: Condorcet Aranha

Trupe Poética:
• Academia Virtual de Escritores Clandestinos
• Elo Escritor da Elos Literários
• Movimento Nacional Elos Literários
• Poste Poesia
• Bar do Escritor
• Pé de Poesia
• Rio Capital da Poesia
• Beco dos Poetas
• Poemas à Flor da Pele
• Tribuna Escrita
• Jornal Delfos/CE
• Colaborador no Portal Cronópios 2015
• Projeto Meu Poemas do Beco dos Poetas

Antologias Virtuais Permanentes:
• Portal CEN (Cá Estamos Nós - Brasil/Portugal)
• Logos do Portal Fénix (Brasil/Portugal)
• Revista eisFluências (Brasil/Portugal)
• Jornal Correio da Palavra (ALPAS 21)

Concursos, Projetos e Afins:
• Menção Honrosa do 2° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Brava Gente Brasileira”.
• Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Amor do Tamanho do Brasil”.
• Menção Honrosa do 5° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Quem acredita cresce”.
• Menção Honrosa no I Prêmio Literário Mar de Letras, com poetas de Moçambique, Portugal e Brasil, ficou entre os 46 primeiros e está no livro “Controversos” - E. Sapere
• classificado no Concurso Novos Poetas com poema selecionado para o livro Poetize 2014 (Concurso Nacional Novos Poetas)
• 3° Lugar no Concurso Literário “Confrades do Verso”.
• indicado e outorgado com o título de "Participação Especial" na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas/Salvador (BA).
• indicado e outorgado com o título de "Talento Poético 2015" com duas obras selecionadas para a Antologia As Melhores Poesias em Língua Portuguesa (SP).
• indicado e outorgado com o título de Talento Poético 2016 e 2017 pela Editora Becalete
• indicado e outorgado com o título de "Destaque Especial 2015” na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas VIII
• Revisor, jurado e coautor dos tomos IX e X do projeto Poesias Encantadas
• Teve poemas selecionados e participou da Coletânea de Poesias "Confissões".
• Dois poemas selecionados e participou da Antologia Pablo Neruda e convidados (Lançada em ago./14 no Chile, na 23a Bienal (SP) e em out/14 no Museu do Oriente em Lisboa) - pela Literarte

André Anlub por Ele mesmo: Eu moro em mim, mas costumo fugir de casa; totalmente anárquico nas minhas lucidezes e pragmático nas loucuras, tento quebrar o gelo e gaseificar o fogo; não me vendo ao Sistema, não aceito ser trem e voo; tenho a parcimônia de quem cultiva passiflora e a doce monotonia de quem transpira melatonina; minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; otimista sem utopia, pessimista sem depressão. Me considero um entusiasta pela vida, um quase “poète maudit” e um quase “bon vivant”.

Influências – atual: Neruda, Manoel de Barros, Sylvia Plath, Dostoiévski, China Miéville, Emily Dickinson, Žižek, Ana Cruz Cesar, Drummond
Hobbies: artes plásticas, gastronomia, fotografia, cavalos, escrita, leitura, música e boxe.
Influências – raiz: Secos e Molhados, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Jorge Amado, Neil Gaiman, gibis, Luiz Melodia entre outros.
Tem paixão pelo Rock, MPB e Samba, Blues e Jazz, café e a escrita. Acredita e carrega algumas verdades corriqueiras como amor, caráter, filosofia, poesia, música e fé.