19 de março de 2015

Vendendo meu peixe...


Focamos a vida em construir. É o que nos norteia e nos faz levantar e lutar a cada dia. Temos uma conotação ruim à palavra “desconstruir”, pois vemos um cenário negativo, desqualificativo e nocivo nela. A questão é que crescemos nos moldando com o tempo, ganhando corpo/conhecimento como um castelo que nunca ficará pronto. Vamos sendo construídos tábua por tábua – pedra por pedra – cimento – areia, e influências externas. Nesse processo de construção, nessa massa, nessa essência, coloca-se também estigmas sociais, preconceitos, teimosias e arrogâncias. É salutar aceitar, reconhecer e aprender a desconstruir tais sentimentos, a fim de sermos mais tolerantes e justos.

Dueto da tarde (XCVIII)



Dueto da tarde (XCVIII)

A grama teimosa cava espaço entre as lajes de concreto, adornando o seu cinza sem graça e quebrando a dureza frígida.
Seus desenhos despretensiosos poderiam inspirar a pretensão mais rígida.
A joaninha escala a grande muralha só para lhe presentear com sua presença.
O grilo noturno sai ao sol e desafia as lógicas que o querem noturno e, de preferência, silencioso.
A grama olha curiosa, e volta a pintar sem gana – sem grana – sem gula. A grama não é indigente, diz que sempre esteve ali, mas não cobiça o terreno.
Apenas luta pelo seu direito. Torto é o que veio depois. Um depois que é agora e sempre. Um sempre que a grama luta para que seja nunca.
Chove uma água de banho e deita e rola em seu espaço. Acalora um sol de outono fingindo ser dono do pedaço.
A grama fica com o que é seu e luta. Alguém lhe pisa em cima, alguém cospe nela, alguém joga-lhe um toco de cigarro. A grama fica com o que é seu e luta.
Aparecem todas as solas dos sapatos, todos os sóis, os fins de tardes endiabrados, luas a sós; vieram tórridos banhos de chuva, de orvalhos e de brumas... até de banhos de suor. A grama é vivida, conhece tudo de cor.
Sua memória ancestral chega até ontem, quando também havia pedras em seu caminho e seu caminho era estreito entre as pedras.
Seu intrépido crescimento a faz pensar em novos ares. Surgem no trapejo do lampejo um fugaz desejo: sonhos com outros lares.
Podia ser uma coisa simples. Não é grama de muitos luxos. É só uma grama que as lajes do concreto não deixam ir longe. Mas que insiste. Existe porque insiste.
De tanta existência e insistência surge certeza de sair dali: um ruminante a passos calmos vindo, perdido – faminto – tranquilo – distinto e mais: apreciador de capim.

Rogério Camargo e André Anlub
(19/3/15)
ALGUNS MINICONTOS

- Tobinha, olha só, o sol da primavera voltou!
- Ótimo. Agora vamos ver o que a primavera diz disso.


Campos Ocampo não dormiu muito naquela noite. Campos Ocampo nem lembrava mais  em que noite havia dormido muito. Se lembrasse, talvez também lhe viesse à memória a dor de cabeça e o mal-estar que sentiu durante o dia por haver dormido demais.


- Ando com poucas ideias para escrever.
- Mas mesmo assim andas, não é? Pior se ficasses parado com poucas ideias para escrever.


Janilara foi deitar pensando em que não precisava ir deitar, que podia ficar bestando no computador – sempre tem alguém a fim de um papo – ou bestando na televisão, com os quatrocentos e cinquenta canais inúteis da NET ou bestando na janela, vendo o trânsito lá fora, uma coisa realmente besta. Eram tantas as opções de bestagem que Janilara foi deitar pensando que tinha uma vida muito rica, obrigado Senhor por tantas dádivas diárias.


O racismo chamou o preto de macaco, mas era só brincadeira. O preconceito chamou o gay de viadinho, mas era só brincadeira. O machismo chamou a mulher de vagabunda, mas era só brincadeira. Eles vivem brincando, têm um senso de humor inesgotável.


A frase enigmática estava tendo uma coisa que mais tarde o EEG identificou como uma convulsão, mas na hora pareceu apenas mais um de seus exercícios. A frase enigmática adorava se exercitar. Depois do ataque vai ter mesmo que fazer isso e muito, para desentortar a boca.


- Vô, se o senhor tivesse um milhão de dólares, o que faria com ele?
- Usava um pouquinho a cada mês para reforçar minha aposentadoria.
- Que coisa mais sem graça, vô. Acho que é por isso que o senhor não tem um milhão de dólares.
- Provavelmente, filho.


Quem te disse que quem te diz está mesmo te dizendo? Quem te diz que quem te diz não está só falando, aproveitando que o escutas?


Os filhos são dois. O pai é um só. Os dois querem um pai só para si. Mas é só um pai para os dois. O que recebem é sempre insuficiente, acham. Talvez continuasse insuficiente se fosse um pai só para cada um. Mas é um pai só para os dois.


A surpresa bateu na porta, a porta abriu para a surpresa e, num instante, surpreenderam-se pela intimidade instantaneamente conquistada.


- Isso tudo está muito chato!
- Mesmo sendo tão redondo?


- Quer casar comigo?
- Mas nós já não estamos casados?

- Não. Nós só assinamos um papel no cartório e suportamos a cerimônia na igreja. Estou perguntando se você quer casar comigo.

ROGÉRIO CAMARGO 

Tempo de ser servido



Tempo de ser servido
(André Anlub - 2/3/12)

Quero me doar ao máximo:
Perder (por livre e espontânea vontade) a liberdade.
Quero a salutar realidade de um amor:
Aos quatro olhos, eterno.

Quero ter filhos, ou não
Quero repartir e debater nossa opinião.
Ser servido e servir,
Ser a ilusão mais verdadeira e óbvia.

Vamos nos fartar em mesas fartas,
Comer salmão ou sardinha,
Beber vinho oneroso ou sangria,
Juntos, tudo será sempre o melhor.

A taça fina, que ao rodar do dedo canta,
Ouço o som mais doce e apaixonado;
Junto ao seu cálice que me acompanha
Fecho os olhos, embarco e me entrego.

18 de março de 2015

Dueto da tarde (XCVII)



Dueto da tarde (XCVII)

Avalia-se como bem quer, e usa de coerência mesclada com a ironia à la mode Samuel Beckett.
Sua equação é simples: não usar equação nenhuma. Seu esquema é fácil: se quiser ir, vá; se quiser ficar, vá também.
Na prece e na pressa acende duas velas, uma ao insone – outra à remela.
Mão e vela: manivela que não gira o destino, desatino que não corrompe a razão.
Rasga o verbo, mas fez cópia antes; rasga o instante e rejeita o eterno.
Entre San Juan e Mendoza, fica em Copacabana, tentando convencer a princesinha do mar de oceanos que ela não vê.
“Não liga para nada e ninguém, acha-se um despótico no harém” – li isso em algum lugar, mas não tem nada a ver.
Não para definir o que tem a ver. E o que tem a ver? Limpar as lentes dos óculos pode ser um começo.
A sua coerência detêm o apreço e no seu endereço lacrou a caixa de correio; em seus devaneios vê vampiros em espelhos, lobisomem sem pelos e Sacis de joelhos.
Não limpar as lentes dos óculos pode ser o fim... Nada, no entanto, é nada no intento de deixar como está para ver como é que não fica.
Segue em frente e de ré para um lugar qualquer; e chegando ao destino ouvirá o sino para destituir sua insígnia.
Avaliação: aval e ação, pensa. Estamos todos no mesmo barco. E afunda na direção do pré-sal.

Rogério Camargo e André Anlub
(18/3/15)

Antologia virtual Logos N° 13 - Mar/15


17 de março de 2015

Da Arte

Elis Regina faria 70 anos hoje, 17 de março. Vai ganhar uma nova biografia e um site oficial, com material inédito, como o vídeo de uma sensacional apresentação dela na TV francesa: 
http://www.50emais.com.br/cultura/video-raro-para-celebrar-os-70-anos-de-elis-regina/


Da arte
(André Anlub - 20/3/12)

Primeiro marquei meu horizonte
Em um traço negro em declínio,
Deixo a inspiração fazer domínio
E depois me embriago na fonte.

Pintores são fantoches e fetiches,
Sobem em nuvens, caem em piches;
Respiram a mercê de sua cria,
Bucólicos profetas à revelia.

Tudo podem e nada é temível,
Nem mesmo perderem o dom,
Sabem o quão infinito é o tom.

Seus corações de loucos palpitam
E no cerne que eles habitam
Saem às cores do anseio invisível.

A arte é muito além do coerente, 
é avesso e infinito, 
é forma ou desforma; 
a arte não se envolve com quaisquer opiniões, 
existirá de qualquer forma.

Falando com nuvens



Falando com nuvens
(André Anlub - 16/1/14)

Noite passada sonhei com poesia,
Aquele sonho arranjado de calores misteriosos.
Ao som de uma orquestra as janelas se abriam
E em mil cantorias - pássaros curiosos.

Longe, no alto, algo reluzia,
Mas não sei o que era, tampouco queria.

Sempre enfoquei seu belo rosto em tudo
- é de um absurdo - é meu mundo de gosto.

No sonho alagado os caminhos imersos,
Feito um delírio aos montes, na mente famélica.

Estrelas pratas formavam de tão doces quimeras
E transbordam à vera, e transcorrem os versos.

Fiz de mim um homem pássaro
(o passo)
No meu eixo um homem peixe
(muito avexo)
No meu mundo, homem comum
(o oriundo)

Longe, as nuvens comunicam:
Surgirá a estigma do amor sem fim.
Tudo se torna arquipélago numa única ilha,
Uma desmesurada esperança que contente habita,
Fazendo-se amiga e parte de mim.

16 de março de 2015

Na casualidade dos caminhos tortos



Na casualidade dos caminhos tortos 
(André Anlub - 13/4/13)

Parece sinóptico tal gesto simples,
Esse teu, que brilha num todo...
Precata, de jeito torto,
Serem delicadas quaisquer escolhas.

Aberto o enorme fosso,
Que aos brados chama aflito.
Equidistante é carne e osso,
Pequena fenda que flerta,
Num zunido.

Vejo estática tua íris,
Por compreenderes tamanha epístola.
Voas feito águia, tão majestosa,
Tal qual a vida.

Há brilho demais no inconformismo,
Sufoca e cega. 
Há equilíbrio e imagem
E na miragem não há cegueira.

E qual atitude seria mais certa,
Senão entregar-te ao próprio destino?
Vai-te logo, fizeste o prólogo,
Sigo-te, em linha reta, feito menino.

Dueto da tarde (XCV)



Dueto da tarde (XCV)

Os ecos de versos abruptos e duros martelavam sua cabeça de forma bárbara e ininterrupta, 
Como o grito de uma paixão equivocada, trepidando na noite da alma e mudando as estrelas de lugar.
Enfastiado e confuso e oprimido sentia-se espremido como num grito um ruído e fosse o planeta sua cabeça.
Em torno de que sol girava? Ou só girava, sem sol em torno? Os ritmos agrestes da poesia não feita calavam e ao mesmo tempo nasciam do eclipse exposto aos olhos antes ofuscados.
A elipse das imagens evitava o colapso da (des)inspiração. Buscava chão no céu e encontrava.
Assim tudo novamente tornava-se eco. Ou nunca deixou de ser, apenas perdeu força? As letras se reagruparam e a poesia se fez em lume presente (visualmente/sonoramente).
Era ele nela, era ela nele e a cabeça procurando ponto de apoio onde os pontos de apoio em nada se/a apoiavam.
Estavam no tal espaço que carece de gravidade e pede encarecidamente liberdade. É o ponto e a hora de ir ao ponto da sagacidade.
Esticar a mão e colher o fruto, mesmo que a árvore não esteja ali. Deixar a inspiração ir a mais – fluir – atingir outras ideias e tanger – tingir outros ideais.
Pode não ser o ideal, mas é o que ele tem. E é com o que ele fica.

Rogério Camargo e André Anlub
(16/3/15)

Condomínio de inocentes



Condomínio de inocentes 
(André Anlub - do livro “Poeteideser”)
(3/11/09)

A coisa mais bela:
- Uma abelha e sua colmeia
A natureza mostrando a cara,
Muito além das nossas ideias.

Muitas vezes me pergunto:
- Quem criou toda essa graça?
Tudo cheio de beleza,
Com tempero de desgraça.

Andamos nos esquivando
Sem tempo, sem templo e igreja...
Com fé e sem muita certeza,
Com sonhos que estão voando.

Buscamos o fim da tristeza
Violência – maldade.

Vida digna - notoriedade
(Tudo na absoluta clareza)

Nossos rebentos com segurança
Arrebentando as correntes
Que os prendem às desesperanças...
Um condomínio de inocentes.

15 de março de 2015

Dueto da tarde (XCIV)



Dueto da tarde (XCIV)

Esperar é inevitável. Não só por causa da esperança.
Há de se viver com ação mais a paciência de Jó e jogar ao vento a projeção da perfeição.
O inevitável nem precisa bater à porta: para ele ela está sempre aberta.
Mas claro que há de tudo; há até clero andando incrédulo, sem crédito sem cédula sem sílaba sem cerne.
Há juiz sem juízo, mestre sem mestrado, cantor que não canta, galo que não gala e portas que não fecham.
Há até poetas insensíveis; dizem que há! mas particularmente não acredito, ou talvez sejam invisíveis.
Poeta insensível não é poeta, mesmo que faça versos. Assim espero. (Esperar é inevitável?) Fecho a porta para esperar melhor.
Sei que alguém dará de cara na porta, pois obstáculos são inevitáveis. Torço para que seja alguma coisa que evito.
Do lado de dentro me centro, adentro meu parlamento particular e digo a mim mesmo o que não posso evitar: amor, contentamento, frustração, inspiração e dor.
Digo isso e muito mais do que pode mais porque chora menos. Em frente, à frente do que me afronta, tonta é a porta, que só sabe abrir ou fechar; tonta é a esperança, que só sabe esperar.
Se o inevitável nasceu inevitável e gosta de ser assim... de nada adianta evita-lo; vou apertado abraça-lo, abrir meu melhor vinho, calçar minhas botas, colocar meu casaco de frio e caminhar para o acaso. 

Rogério Camargo e André Anlub
(15/3/15)

Pensamentos



(1) A beleza é boa para quem quer levantar o ego, ostentar, se divertir, se embriagar, se iludir, passar férias, visitar... mas para fazer moraria tem que haver paz, qualidade de vida, reciprocidade, atenção e amizade... e com o tempo tente tornar sempre sua moradia ainda mais bela.

(2) A gente se habitua a tudo na vida; dá-se o nome de flexibilidade.

Quando habitua-se com assiduidade, dá-se o nome de comodismo. 

(3) O segredo é parar de bater o pé falando que o tempo voa e começar a bater as asas voando mais alto que ele.

(4) O problema não é o sujeito ter avidez exacerbada por dinheiro; o problema é ele pensar que todos seguem esse objetivo.

- André Anlub

14 de março de 2015

Dia da Poesia...

14 de Março - Dia Nacional da Poesia

O Dia Nacional da Poesia é comemorado no dia 14 de março, data de nascimento de um dos maiores poetas brasileiros: Castro Alves.

Fonte: http://www.brasilescola.com/datas-comemorativas/dia-nacional-poesia.htm

Você sabia que a poesia nacional tem um dia no calendário dedicado a ela? Pois bem, não por acaso, no dia 14 de março comemoramos o Dia Nacional da Poesia.

Criada para difundir a poesia e a linguagem literária, a data foi escolhida para homenagear um de nossos maiores poetas, Antônio Frederico de Castro Alves, nascido na cidade de Curralinho (hoje Castro Alves), em 14 de março de 1847. Castro Alves foi considerado um dos mais brilhantes poetas românticos, responsável por uma nova concepção de amor na Literatura, além de um notável entusiasmo por grandes causas sociais, como a abolição da escravatura. Depois dele, muitos outros vieram, mas como grande poeta que foi, teve seu nome perpetuado em nossa história, sendo, então, digno de reverências e homenagens.

Nossa Literatura brasileira é profícua, sendo representada magistralmente por grandes poetas que fizeram do ofício da escrita sua profissão de fé. A poesia é uma das expressões artísticas mais populares e, permeada por seu lirismo característico, arrebata leitores e penetra em diferentes contextos, pois até mesmo diante da mais dura realidade pode nascer um poema (e como eles nos comovem!). Para comemorar a data, selecionamos para você belíssimos poemas de alguns de nossos maiores poetas que certamente o farão ter vontade de revisitar a poesia também em outros dias, não apenas quando avisar o calendário. Dos primeiros românticos aos poetas contemporâneos, do Olimpo à pedra, do púlpito das igrejas à poesia social, dez poemas brasileiros para você ler, reler e contemplar. Boa leitura!

Cansaço

O NÁUFRAGO nadou por longas horas...
Na praia dorme frio num desmaio.
A força após a luta abandonou-o,
Do sol queimou-lhe a face ardente raio.
Pois eu sou como o nauta... Após a luta
Meu amor dorme lânguido no peito.
Cansado... talvez morto, dorme e dorme
Da indiferença no gelado leito.
Sobre as asas velozes a andorinha
Maneira se lançou nos puros ares...
Veio após o tufão... lutou debalde,
Mas em breve boiou por sobre os mares.
Eu sou como a andorinha... Ergui meu vôo
Sobre as asas gentis da fantasia.
A descrença nublou-me o céu da vida...
E a crença estrebuchou numa agonia.
Como as flores de estufa que emurchecem
Lembrando o céu azul do seu país,
Minha alma vai morrendo, suspirando
Por seus perdidos sonhos tão gentis.
E que durma ... E que durma ... ó virgem santa,
Que criou sempre pura a fantasia,
Só a ti é que eu quero que te sentes
Ao meu lado na última agonia.

Castro Alves

O menino doente
O menino dorme.

Para que o menino
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
A mãezinha canta:
— "Dodói, vai-te embora!
"Deixa o meu filhinho,
"Dorme . . . dorme . . . meu . . ."

Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
— "Dorme, meu amor.
"Dorme, meu benzinho . . . "

E o menino dorme.

Manuel Bandeira

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Carlos Drummond de Andrade

A Educação pela Pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.

João Cabral de Melo Neto

"Dois e Dois são Quatro"

Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
E a tua pele, morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena

- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.

Ferreira Gullar

Via Láctea

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Olavo Bilac

É preciso não esquecer nada

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a ideia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.

Cecília Meireles

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

Mario Quintana

Bem no Fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Paulo Leminski

Desilusão

Como a folha no vento pelo espaço
Eu sinto o coração aqui no peito,
De ilusão e de sonho já desfeito,
A bater e a pulsar com embaraço.

Se é de dia, vou indo passo a passo
Se é de noite, me estendo sobre o leito,
Para o mal incurável não há jeito,
É sem cura que eu vejo o meu fracasso.

Do parnaso não vejo o belo monte,
Minha estrela brilhante no horizonte
Me negou o seu raio de esperança,

Tudo triste em meu ser se manifesta,
Nesta vida cansada só me resta
As saudades do tempo de criança.


Patativa do Assaré

Dueto da tarde (XCIII)



Dueto da tarde (XCIII)

Nada prática essa noite antipática que deixou minha empatia aperreada.
Praticou uma teoria de profunda nostalgia e depois, um tanto hipócrita, lembrou-me o juramento de Hipócrates.
Ela passou morosamente com a acrobática insônia “churrasqueira”, rolando o corpo de um lado para o outro e os olhos no relógio da cabeceira.
Marcação de tempo num compasso de agonia. Lentidão provocada pela sofreguidão: anda, anda, anda! Para onde?
Com o sol nascendo nascem olheiras, banho gelado, café e pão.
O sol nascer é outra história, inacreditável no meio da noite, quando parece que nunca mais vai haver sol.
Queria pesadelos, mortos puxando meu pé, tempestades de neve, chuvas de granizo; queria até o guizo da cobra ou o grunhido do porco, tudo se dormisse um pouco.
Com o sol nascendo, morrem os mortos que a noite não enterra, acendem-se luzes que a noite desconhece. 
A vida outra vez brota bela e pede o abrir das janelas não se importando com os fantasmas notívagos.
Janelas abertas, fantasmas livres para voar. E voam. Pena que não voltem só para contar suas aventuras quando a noite cai e as janelas fecham.
Tudo prático nesse dia fantástico que deixa minha empatia entusiasmada.
Entrego ao coração elástico o que há de plástico no que parece tão de aço no cansaço e, barba feita, preparo a colheita.

Rogério Camargo e André Anlub
(14/3/15)

Árvore de Josué



Árvore de Josué
(18/10/12)

Isolado no deserto, na sombra da grande árvore de Josué,
Escrevo alguns singelos rabiscos líricos...
Com o pensamento em nossa casa, lá, distante,
Em nossos cães correndo, deselegantes...
Vindo de encontro a você.

Por um instante a alma estacionada aqui se eleva
- Não há treva nem angústia.
Sinto meu corpo a acompanhar
Por dentro de memórias - sublimes histórias.

Sentindo o belo em todos e em tudo,
Caminhando na chuva por cima de um arco-íris sem cor,
Surdo para qualquer som absurdo...
Um banho de chuva e de glória.

Estou no alto e vejo-me pequenino sentado,
Estendo as mãos e solto um dilúvio de letras,
Estas se unem formando versos - eles se casam como uma bola de neve...
Banham meu corpo deixando-me ainda mais extasiado.

São dois de mim que se completam,
Ilustrei para expor como me sinto;
O porre de absinto de inspiração
Fez banho de chuva no verão.

13 de março de 2015

Gurufim


Gurufim
(André Anlub - 6/5/14)

Principiou-se o gurufim do fim das horas,
E príncipes negros, índios e gurus
Aplaudem fora.

Já foi tido o caminho com trilhas fáceis
E tão hábeis são ditos sábios ao atravessá-las.

Leram em pergaminhos com preconceitos,
O mito e o medo, a carne e o osso,
São peças frágeis.

Alguns quiseram viver em museus de idos tempos
E oprimindo seus inimigos se sentem bravos.

Lá no alto, bem no alto, da mais baixa montanha,
Avistaram o ser importante com sandálias velhas.
Descia lento e cantava baixo um antigo mantra,
Sentindo a brisa, notando o novo, suando o samba.

E caem as primeiras gotículas álgidas das chuvas,
De uma nuvem única que bailou com o sol
- Arriscando a luta.

Voaram as aves brancas, negras,
Pardas e as aves raras,
E ao se verem vivas e ralas 
– ao se verem importantes e análogas...
Tornaram-se plumas.

O respeito alcança seu ápice quando compartilhado.

Bloquinho de papel de pão



Bloquinho de papel de pão
(André Anlub - 22/3/14)

Viagens na forma e na cor,
De contornos vê-se a alvura das nuvens 
E o livre leve nacarado da flor.

Esparramando nas entranhas,
Eis entranhas que fulgem:
De paixão e luz tamanhas
Que aqui e ali nomeamos de amor.

Sonhos que voam e pousam num flash,
Longínquas dimensões são transpostas
Nos pífanos porretas do agreste.

Segurando um ínfimo lápis mal apontado,
Com a borracha aos pedaços no outro extremo
- Desenha a clave de sol - escreve um belo soneto
Num papel de pão amarelado.

Dueto da tarde (XCII)



Dueto da tarde (XCII) 

Paisagem de passagem. Todos estão, ninguém está. Perene eternidade efêmera...
É fêmea, é a mãe natureza que sempre marca presença em mim... mas quero mais.
O mais que eu quero me diminui, talvez. Porque já está tudo ali. E tudo aqui já está.
Serei ganancioso? – não! – sou apenas um ser ansioso em busca de escopos para continuar feliz e respirando.
Felicidade também é perene eternidade efêmera. Está e já não está. Pousa nas mãos e ainda está solta no ar com as andorinhas. Mas respiro.
Veio um ar mais frio em navalha; veio uma chuva em ventania, dando alento e alimento aos rios e mares e colocando mais melancolia no meu bucólico dia.
Tristeza de cortar com a faca? Não sei. Até isso é talvez. E faz parte da paisagem de passagem. Logo estarei rindo. Depois rindo de ter estado rindo.
As plantas já me olham sorrindo; as nuvens já pintam alegria em degrade de preto, branco e cinza; o João de Barro limpa os pés no tapete de entrada da sua casa e entra, não antes de me olhar com olhar afortunado.
Paisagem de passagem. Do branco para o preto. Do preto para o branco. Do não sei para o continuo não sabendo.
Tudo bucolicamente enamorado, mas eu sem a amada. No jardim, nos rios e na janela sorrio o amor do passado.
Amar o amor até que amo. Mas perco meu tempo querendo saber se o amor me ama. 
É a passagem da paisagem e é minha vida em evidências – nos ventos, nas chuvas, nos pássaros, no efêmero... todas as coisas que invento/desinvento para continuar amando/amado.

Rogério Camargo e André Anlub
(13/3/15)

Politicagem




Politicagem 2010 (do livro “Poeteideser”)
(Música originalmente escrita em 2004)

Se liga que vou te contar agora
Como acontece essa triste história:
O lado mais pobre um trabalho árduo
E o outro lado representa a escória.

Uns morrem de fome numa fila,
Outros compram porcelana;
Uns se perdem da família,
Outros brigam por herança.

Viver com dividas não é vantagem
Você é quem paga essa politicagem.

É vereador, deputado, senador ou presidente.
E o povo está doente – está sem dente – está demente.

Politicagem os babacas e as bobagens.
Cara de pau, ipê, jacarandá...
Até onde essa zona vai parar.

Pra tudo ele tem resposta
Sempre uma proposta
Sem jeito, indecorosa.

Sobe em um palanque:
- um terno, uma gravata,
Com um sorriso
Preparando a mamata.

Estende as mãos
Estende os braços
Desfaz-se em pedaços
Tudo vai resolver.

O mundo ficar quadrado
O inferno, congelado
É só ele prometer.

Já sabem de quem eu falo?
Mas é melhor, eu me calo
Se não, vão me prender.

Vou indo sem rumo sem graça
Andando por toda praça
Até desaparecer.

Viver com dividas não é vantagem
Você é quem paga essa politicagem.

É vereador, deputado, senador ou presidente.
E o povo está doente – está sem dente – está demente.

Politicagem os babacas e as bobagens.
Cara de pau, ipê, jacarandá.
Até onde essa zona vai parar.

Num pais que reina a violência,
O governo uma indecência;
Discursos sem coerência
Sem jeito nem vontade de mudar.

Vai chegando à época
Aparece a solução
Para fome, os buracos, o transito...
É eleição!

- Aumento de salário, 
- Acabar com as filas
- Escolas para as crianças...
É ilusão para as famílias.

Invadem os rádios, os postes e a tv,
Depois o sujo (o porco) é você.

Enganam o povo, falam mentira,
Estão loucos pra mudar lá pra Brasília.

Mas essa história não termina aqui,
Sem um emprego virando faquir.
Faça uma greve, vá para as ruas,
Saia da lama...
A escolha é sua.

E assim levamos a vida,
Abrindo e fechando a ferida,
Lutando pra isso acabar...

Durmo assustado também,
Rezando esperando alguém,
Pra tudo melhorar, amém.

Biografia quase completa






Escritor, locador, vendedor de livros, protético dentário pela SPDERJ, consultor e marketing na Editora Becalete e entusiasta pelas Artes com uma tela no acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MAC/BA)

Autor de sete livros solo em papel, um em e-book e coautor em mais de 130 Antologias poéticas

Livros:
• Poeteideser de 2009 (edição do autor)
• O e-book Imaginação Poética 2010 (Beco dos Poetas)
• A trilogia poética Fulano da Silva, Sicrano Barbosa e Beltrano dos Santos de 2014
• Puro Osso – duzentos escritos de paixão (março de 2015)
• Gaveta de Cima – versos seletos, patrocinado pela Editora Darda (Setembro de 2017)
• Absolvido pela Loucura; Absorvido pela Arte
(Janeiro de 2019)

• O livro de duetos: A Luz e o Diamante (Junho 2015)
• O livro em trio: ABC Tríade Poética (Novembro de 2015)

Amigos das Letras:
• Membro vitalício da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba (RJ) cadeira N° 95
• Membro vitalício da Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura da Embaixada da Poesia (RJ)
• Membro vitalício e cofundador da Academia Internacional da União Cultural (RJ) cadeira N° 63
• Membro correspondente da ALB seccionais Bahia, São Paulo (Araraquara), da Academia de Letras de Goiás (ALG) e do Núcleo de Letras e Artes de Lisboa (PT)
• Membro da Academia Internacional De Artes, Letras e Ciências – ALPAS 21 - Patrono: Condorcet Aranha

Trupe Poética:
• Academia Virtual de Escritores Clandestinos
• Elo Escritor da Elos Literários
• Movimento Nacional Elos Literários
• Poste Poesia
• Bar do Escritor
• Pé de Poesia
• Rio Capital da Poesia
• Beco dos Poetas
• Poemas à Flor da Pele
• Tribuna Escrita
• Jornal Delfos/CE
• Colaborador no Portal Cronópios 2015
• Projeto Meu Poemas do Beco dos Poetas

Antologias Virtuais Permanentes:
• Portal CEN (Cá Estamos Nós - Brasil/Portugal)
• Logos do Portal Fénix (Brasil/Portugal)
• Revista eisFluências (Brasil/Portugal)
• Jornal Correio da Palavra (ALPAS 21)

Concursos, Projetos e Afins:
• Menção Honrosa do 2° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Brava Gente Brasileira”.
• Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Amor do Tamanho do Brasil”.
• Menção Honrosa do 5° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Quem acredita cresce”.
• Menção Honrosa no I Prêmio Literário Mar de Letras, com poetas de Moçambique, Portugal e Brasil, ficou entre os 46 primeiros e está no livro “Controversos” - E. Sapere
• classificado no Concurso Novos Poetas com poema selecionado para o livro Poetize 2014 (Concurso Nacional Novos Poetas)
• 3° Lugar no Concurso Literário “Confrades do Verso”.
• indicado e outorgado com o título de "Participação Especial" na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas/Salvador (BA).
• indicado e outorgado com o título de "Talento Poético 2015" com duas obras selecionadas para a Antologia As Melhores Poesias em Língua Portuguesa (SP).
• indicado e outorgado com o título de Talento Poético 2016 e 2017 pela Editora Becalete
• indicado e outorgado com o título de "Destaque Especial 2015” na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas VIII
• Revisor, jurado e coautor dos tomos IX e X do projeto Poesias Encantadas
• Teve poemas selecionados e participou da Coletânea de Poesias "Confissões".
• Dois poemas selecionados e participou da Antologia Pablo Neruda e convidados (Lançada em ago./14 no Chile, na 23a Bienal (SP) e em out/14 no Museu do Oriente em Lisboa) - pela Literarte

André Anlub por Ele mesmo: Eu moro em mim, mas costumo fugir de casa; totalmente anárquico nas minhas lucidezes e pragmático nas loucuras, tento quebrar o gelo e gaseificar o fogo; não me vendo ao Sistema, não aceito ser trem e voo; tenho a parcimônia de quem cultiva passiflora e a doce monotonia de quem transpira melatonina; minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; otimista sem utopia, pessimista sem depressão. Me considero um entusiasta pela vida, um quase “poète maudit” e um quase “bon vivant”.

Influências – atual: Neruda, Manoel de Barros, Sylvia Plath, Dostoiévski, China Miéville, Emily Dickinson, Žižek, Ana Cruz Cesar, Drummond
Hobbies: artes plásticas, gastronomia, fotografia, cavalos, escrita, leitura, música e boxe.
Influências – raiz: Secos e Molhados, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Jorge Amado, Neil Gaiman, gibis, Luiz Melodia entre outros.
Tem paixão pelo Rock, MPB e Samba, Blues e Jazz, café e a escrita. Acredita e carrega algumas verdades corriqueiras como amor, caráter, filosofia, poesia, música e fé.