20 de março de 2017

Romero e Julita


Romero e Julita

Romero conheceu Julita em um luau na cidade de Arraial do Sana, distrito de Macaé no Rio de Janeiro. Era semana santa, a fogueira queimava forte, as salsichas assando e o calor espantava quem ficava a menos de dois metros do fogo. Romero chegou cedo, bem antes de Julita, e ao vê-la foi em sua direção com a caneca de vinho em uma mão e na outra seu revolver trinta e oito refrigerado. A princípio todos ficam em silencio e um ar de interrogação invade a noite. Romero, ainda em pé, olha para todos e todos lhe olham; ele agacha e diz: 
– Querem ver um verdadeiro idiota estragar a fogueira e a noite?
Então ele abre o tambor de seu revolver, tira uma bala, dá um sorriso maroto e a joga na fogueira. Chega a levantar umas pequenas brasas e a fazer um ruído rápido; mas não tão rápido como o levantar das pessoas de suas cadeiras, agoniados com o acontecido. 
– Meu deus, quem é você? Parece que comeu estrume! – Com os punhos cerrados, protestou em tom forte Julita. Havia ficado bastante nervosa, com os olhos esbugalhados de pavor e a pele arrepiada. 
– Pode até matar alguém quando ela estourar – diz Mario, que já era um conhecido de longas datas de Romero. Então, ele em um gesto rápido, toma a arma da mão de Romero, a joga no chão, e eles ensaiam uma briga – não chegando a vias de fato. Mario pega a arma de volta e realmente confirma que estava quase inteiramente municiada – faltando justamente um projétil. A galera então se exalta, uns se retiram rapidamente, outros vão encher baldes de água, quando Romero tirando algo do bolso enfim se entregou: 
– Calma gente, eu joguei uma pedrinha. Olhem a bala aqui! – Abrindo a palma da mão e mostrando a maldita que quase estragou aquela noite poética.
Julita pensou que jamais poderia ser amiga de alguém tão insano. Mas o destino iria dizer outra coisa. 
Romero acordou junto com o sol naquela fria manhã de domingo, colocou um bom jazz no seu som, abriu a janela e deu de cara com um colibri que o fitou com olhar de ‘bom dia’. Lavou seu rosto e lembrou de seu estranho sonho com uma amiga antiga, Julita, a qual ele já não a via há cinco anos. Eles eram muito amigos, e a reciprocidade era tão evidente que gerava comentários maldosos de terceiros. Sempre pensou que existia algo mais naquela afeição e doar mútuos; mas até os tempos de hoje nunca se atreveu a perguntar a ela. Lembrou de sua maneira distinta de se vestir: adorava um moletom e chinelo de dedo, camiseta feminina com alguma estampa interessante e a corriqueira ausência do sutiã. Certa vez, pela manhã, ela bateu em sua porta usando uma longa bermuda cinza escuro, uma sandália preta bem fechada, rasteirinha, uma camisa de manga comprida cinza claro, com decote em ‘v’ e a foto da Minie sorrindo estampada. Mas o que arrematou o brilho nos olhos de Romero foi ela estar usando um pequeno boné preto, óculos escuro e seu belo sorriso que afinava seus lábios carnudos. O convidou para passear pela orla, olhar o mar, comer um sorvete e trocar uma ideia... Era tudo que ele queria; aliás, ela sempre sabia o que ele desejava a cada momento (quase mágico), até quando o desejo lhe faltava. Era uma menina simples, porém com os cabelos muito bem tratados, lisos, longos e pretos, um corte com franja reta, olhos vivos e belos, levemente caídos, nenhuma maquiagem e um sorriso cativante e sincero, porém raro. Eles ficaram amigos, pois por ironia do destino, na volta da viagem de Arraial do Sana, em uma festa local descobriram que moravam no mesmo bairro. Romero nunca se perdoou de não conseguir se recordar com perfeição de como essa bela e enigmática amizade começou... pois em Sana, e na festa que se encontraram, eles trocaram pouquíssimas palavras e olhares. Mas como jamais poderiam imaginar, com o tempo ela haveria de se tornar uma espécie de confiável confidente, também uma espécie de escudeira a quem poderia pedir auxílio e também prestar com uma enorme desenvoltura e todo o encanto possível – estavam sempre prontos um para o outro. Mesmo com um “rolo” na época, um quase namoro de Romero com uma menina muito jovem de nome Maria Rita; ele não abriu mão de ver Julita com frequência, pedir seus conselhos, querer sua companhia e demonstrar seu afeto – penso até que aumentaram os encontros – o que gerava conflitos com Maria Rita. Mas uma mudança brusca de cidade de Romero acabou os separando, deixando-os anos distantes. Romero se casou com sua namorada nova, enquanto Julita pulava de namoro em namoro que duravam pouco. Certa vez em uma manhã bucólica, na cidade de Itaipava, onde Romero havia se mudado, ele recebe a visita de Mario, o qual lhe conta em segredo notícias de Julita – antes mesmo de Romero perguntar.
– Sabe, meu amigo Ro, Julita “colocou a viola no saco”, foi morar no exterior; ela se casou com um Francês e viajou assim que a filha nasceu.
– Nossa, por que você não me ligou avisando?! – Disse Romero abaixando a cabeça.
– Antes de pegar o avião, ela me pediu encarecidamente para me despedir de você por ela; também deixou um recado que sempre o teve no coração e em sua alma, e te esperou o quanto pode.
Romero deu um profundo suspiro, seus olhos marejaram e ele segurou a dor para mais tarde, em sua cama que é lugar quente – como diz o ditado popular. Por fim foi ao quarto e pegou o livro de Shakespeare ao qual estava lendo; o mostrou a Mario e sussurrou:
– Vejo, Mario, que minha história com ela tem um pouco a ver com esse livro, só que às avessas. Subestimei meu amor e não abri espaço para receber o dela. Sinto-me fadado a sofrer até meus últimos dias.
Mario vai em direção ao amigo e desfere um longo abraço apertado nele. Vai ao seu ouvido e diz bem baixinho: 
– Sim meu caro amigo, foi uma história triste, mas de final previsível. Sinto por vocês.
Naquele exato momento Romero e Julita cruzaram pensamentos, e os dois – como por milagre – chegam a uma terrível conclusão: é inquestionável que os dois estão vivos; mas não há dúvidas que com seus corações fenecidos. 

André Anlub

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Biografia quase completa






Escritor, locador, vendedor de livros, protético dentário pela SPDERJ, consultor e marketing na Editora Becalete e entusiasta pelas Artes com uma tela no acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MAC/BA)

Autor de sete livros solo em papel, um em e-book e coautor em mais de 130 Antologias poéticas

Livros:
• Poeteideser de 2009 (edição do autor)
• O e-book Imaginação Poética 2010 (Beco dos Poetas)
• A trilogia poética Fulano da Silva, Sicrano Barbosa e Beltrano dos Santos de 2014
• Puro Osso – duzentos escritos de paixão (março de 2015)
• Gaveta de Cima – versos seletos, patrocinado pela Editora Darda (Setembro de 2017)
• Absolvido pela Loucura; Absorvido pela Arte
(Janeiro de 2019)

• O livro de duetos: A Luz e o Diamante (Junho 2015)
• O livro em trio: ABC Tríade Poética (Novembro de 2015)

Amigos das Letras:
• Membro vitalício da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba (RJ) cadeira N° 95
• Membro vitalício da Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura da Embaixada da Poesia (RJ)
• Membro vitalício e cofundador da Academia Internacional da União Cultural (RJ) cadeira N° 63
• Membro correspondente da ALB seccionais Bahia, São Paulo (Araraquara), da Academia de Letras de Goiás (ALG) e do Núcleo de Letras e Artes de Lisboa (PT)
• Membro da Academia Internacional De Artes, Letras e Ciências – ALPAS 21 - Patrono: Condorcet Aranha

Trupe Poética:
• Academia Virtual de Escritores Clandestinos
• Elo Escritor da Elos Literários
• Movimento Nacional Elos Literários
• Poste Poesia
• Bar do Escritor
• Pé de Poesia
• Rio Capital da Poesia
• Beco dos Poetas
• Poemas à Flor da Pele
• Tribuna Escrita
• Jornal Delfos/CE
• Colaborador no Portal Cronópios 2015
• Projeto Meu Poemas do Beco dos Poetas

Antologias Virtuais Permanentes:
• Portal CEN (Cá Estamos Nós - Brasil/Portugal)
• Logos do Portal Fénix (Brasil/Portugal)
• Revista eisFluências (Brasil/Portugal)
• Jornal Correio da Palavra (ALPAS 21)

Concursos, Projetos e Afins:
• Menção Honrosa do 2° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Brava Gente Brasileira”.
• Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Amor do Tamanho do Brasil”.
• Menção Honrosa do 5° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Quem acredita cresce”.
• Menção Honrosa no I Prêmio Literário Mar de Letras, com poetas de Moçambique, Portugal e Brasil, ficou entre os 46 primeiros e está no livro “Controversos” - E. Sapere
• classificado no Concurso Novos Poetas com poema selecionado para o livro Poetize 2014 (Concurso Nacional Novos Poetas)
• 3° Lugar no Concurso Literário “Confrades do Verso”.
• indicado e outorgado com o título de "Participação Especial" na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas/Salvador (BA).
• indicado e outorgado com o título de "Talento Poético 2015" com duas obras selecionadas para a Antologia As Melhores Poesias em Língua Portuguesa (SP).
• indicado e outorgado com o título de Talento Poético 2016 e 2017 pela Editora Becalete
• indicado e outorgado com o título de "Destaque Especial 2015” na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas VIII
• Revisor, jurado e coautor dos tomos IX e X do projeto Poesias Encantadas
• Teve poemas selecionados e participou da Coletânea de Poesias "Confissões".
• Dois poemas selecionados e participou da Antologia Pablo Neruda e convidados (Lançada em ago./14 no Chile, na 23a Bienal (SP) e em out/14 no Museu do Oriente em Lisboa) - pela Literarte

André Anlub por Ele mesmo: Eu moro em mim, mas costumo fugir de casa; totalmente anárquico nas minhas lucidezes e pragmático nas loucuras, tento quebrar o gelo e gaseificar o fogo; não me vendo ao Sistema, não aceito ser trem e voo; tenho a parcimônia de quem cultiva passiflora e a doce monotonia de quem transpira melatonina; minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; otimista sem utopia, pessimista sem depressão. Me considero um entusiasta pela vida, um quase “poète maudit” e um quase “bon vivant”.

Influências – atual: Neruda, Manoel de Barros, Sylvia Plath, Dostoiévski, China Miéville, Emily Dickinson, Žižek, Ana Cruz Cesar, Drummond
Hobbies: artes plásticas, gastronomia, fotografia, cavalos, escrita, leitura, música e boxe.
Influências – raiz: Secos e Molhados, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Jorge Amado, Neil Gaiman, gibis, Luiz Melodia entre outros.
Tem paixão pelo Rock, MPB e Samba, Blues e Jazz, café e a escrita. Acredita e carrega algumas verdades corriqueiras como amor, caráter, filosofia, poesia, música e fé.