ALGUNS MINICONTOS
O texto falava o que os textos raramente falam, porque os textos não são de falar, são de escrever. Tronúncio, então, em vez de ouvir o que o texto falava, só ficava lendo, coitado, e perdia tudo.
- Me chamou de mentiroso!
- Bem, você nem sempre fala a verdade.
- E me chamou de intransigente.
- Bom, você nem sempre é flexível.
- Também me chamou de violento.
- Já te vi dar alguns socos na mesa.
- Me chamou de...
- Peraí. Te chamou, te chamou. E você foi?
- Quando nós fomos dois-em-um era ótimo, não era, Lalinha?
- Era. Estragou tudo quando tivemos que ser três-em-um.
- Eu só quero saber de uma coisa!
- É mais feliz que eu então. Quero saber bem mais do que uma...
Atravessamos a cidade a pé. Muitas horas caminhando. Descobrimos várias cidades dentro da cidade. Vamos atravessar a cidade a pé outras vezes.
- Lembra quando nós éramos felizes?
- Não foi ontem?
- Parece que foi ontem...
- Eu nunca mais vi Jenumina.
- E é importante que vejas Jenumina?
- Não sei, só acho estranho. Antes eu via tanto Jenumina e agora não vejo mais.
- E quem é que estás vendo bastante hoje?
- Você, por exemplo.
- Então eu sou a Jenumina de amanhã.
- Não diz isso!
- Por que não?
Uma simples troca de olhar, ela disse. E Plinalvo acreditou. E trocou de olhar com ela. E então viu que não havia nada de simples naquilo.
Pensando outra vez em tudo que deixou de fazer, Fanitto sentiu um nó na garganta e um peso no peito. Então Fanitto pensou – outra vez – em tudo que não fez e se odiaria caso tivesse feito. O nó desatou-se na garganta e o peso saiu de seu peito.
Dolévio não conseguia emprego mesmo com ótimas qualificações. Formado, pós-graduado, estágios respeitáveis, de toda vez que batia na porta “certa” ela se fechava. Ou permanecia fechada. O que há de errado comigo?, lastimava-se. Será que vou ter que dar um tiro na cabeça? Deu. Não conseguiu morrer, todavia. E suas ótimas qualificações, depois disso, passaram a valer menos ainda.
Era capaz de mandar tudo às favas, de virar as costas e nunca mais voltar. Mas algo o impedia. Então ele olhava para a capacidade de mandar tudo às favas, fazia-lhe perguntas diretas e recebia respostas que não o agradavam, pois não estavam na sua capacidade de virar as costas e não voltar nunca mais.
- Vô, o que é globalização?
- É quando passa a mesma novela em todos os canais de televisão do mundo.
- Ah, vô, não brinca!
- E quem te diz que eu estou brincando, filho?
Solto no mundo, Gerardo Saralva preocupava-se apenas com o dia em que o mundo ia se incomodar com isso e exigir que ele ficasse preso. Enquanto não vinha esta desgraça, Gerardo Saralva pouco se importava. Mas quando ela viesse ele ia se importar muito.
- As coisas tristes também são bonitas.
- É, mas são tristes.
- Isso a gente já sabia desde o início...
Temos que comprar, temos que comprar, temos que comprar. Será mesmo que temos que comprar, temos que comprar, temos que comprar?
Astrovínio comprou um computador novo no exato dia em que seu computador velho disse que poderia durar ainda três anos, com folga. Astrovínio achou um desaforo seu computador velho dizer uma coisas dessas.
Rogério Camargo
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