Dueto da tarde (LI)
Trinta anos, sim, trinta anos se passaram, e tempestades, friagens e sóis quentes, e a lembrança persiste agarrada como um mexilhão no casco de um navio.
Singro meu mar com ela ali e ali ela é paralela ao que para ela reservei: uma saudade especial, sem pretensão de renascimento ou rebobinar a fita e viver novamente.
Trinta anos todo dia, porque não passa um dia sem que a melodia desta canção me embale; às vezes nem preciso despertar para ouvi-la, já estava no sonho, vindo do subconsciente desde o deitar na cama.
Quem reclama? Quem ainda não entendeu que é assim mesmo, que reclamar a esmo não leva a nada, que na lembrança já é traçada e marcada essa jornada rumo ao tempo que se foi.
Trinta anos toda hora, porque hoje não demora a ser como foi outrora, se não saio do lugar onde me coloco; andar à frente deixando a fumaça para trás, como Maria fumaça que anda na raça fora de qualquer trilho.
Tudo é agora mesmo há trinta anos. Tudo é agora mesmo depois de trinta anos. Tudo se repete no mesmo tabuleiro, só mudando as peças. Tudo se repete às pressas com o receio de cair no esquecimento.
Ânsia boba: a loba que a vida é alimenta suas crias sem frias maneiras. As estrias de meu navio na água do cotidiano, porém, entra ano e sai ano é meu deleite deixar os mexilhões no casco, assim fujo do fiasco de expor as ferrugens.
De fuga em fuga, conto minhas rugas há trinta anos e são sempre as mesmas...
Rogério Camargo e André Anlub
(31/1/15)