Manhã de quase Natal
Veemência ao máximo, mas a corda ruída; troca-se a música erudita por um funk pesado. Na beira do abismo com o pensamento equivocado, constrói-se o equilíbrio conforme a necessidade. E atravessa-se o vale: agora se vê cedros secos e regadores lotados d’água; ave cinza voando ao redor de arco-íris. Foca-se a íris em bocas que com todos falem, palavras inexatas – incoerências em dialéticas. E retorna-se à corda, não se sossega o facho: acorda os olhos, pois agora é real perigo; nostálgico tempo, vento e desabrigo. Pede-se o ofuscamento, pois coragem em andamento... O sangue corre quente e rente à corda balança a mente (troca-se o funk alto por Ron Carter e seu contrabaixo). E acorda-se do sonho, agora voa-se baixo: céu encoberto, nuvens à vera, ventos fortes de leste varrendo a estação; o sol quente que preste, a cachoeira à espera, nos poemas – quimeras; para as feras, oração (fica Ron Carter e seu contrabaixo). Vulcões estouram, à realidade da lâmina do vento, entre diversos contratempos: melancolia e saudade. Seguimos espertos nos mares, nos maremotos cabreiros. Nos peixes-espadas guerreiros e ingestão de ornamentos. O tempo agora é amigo – parceiro, sombra e herdeiro; delicado, bem-humorado, sorri a mim com sarcasmo. É meu ouvinte esse tempo, o grito que ensurdece os receios, segredos e vivencias e abrigos – antigos pensamentos são recentes. Barba enorme e o cabelo que não cresce, prece disfarçada de poesia. Todo dia um bom-dia à “reprise” e o “vixe” que procuro nas nuvens. Damos sempre “viva” aos mortos, e tem aquele que se faz evidente; cantam descrentes e crentes à sorte; cantam ao norte na hipocrisia da vida. Enquanto o sol beija meu corpo na fria manhã dessa quarta, a folhinha com os dias marcados parece caçoar da minha cara. Veio tranquilidade, mas logo a má notícia; veio no dia à perícia, para dar certeza ao estrago. Mas ponho forte o cordão – São Jorge pendurado –, e faço o branco pendão, a paz em imaginário reinado. Rigor na minha sábia decisão, mudanças nos planos da festa; há pudor, mas há tiro na testa, se houver algum ligeiro mau humor.
Tudo são fogos com o foco armado, embriagado de fortuna e sorriso;
Tudo são figas nas mãos dos amados, e com torcida não há mais perigo.
Ouço pássaros chamando meu nome, pela varanda novo dia de conceitos e afins;
Ouço músicas que me remetem ao sono/sonho profundo, talvez nostalgia.
Há a obscuridade de lembranças, mas há a claridade das promessas e esperanças; há um tempo muito novo – talvez amanhã ou daqui a uns anos; há um tempo antigo – talvez minha infância ou seis meses atrás. Na adolescência o tempo era farto, mas aos nossos olhos tornava-se escasso; com a maturidade o tempo torna-se escasso e não há espaço para colocarmos as farturas.
O Natal bate à porta, entorta e revive as letras já tortas e mortas; o novo dia chega chegando, breve e erudito, compromissado compromisso de haver algo novo e harmonia. Beijo meu anel de São Jorge; ato falho, desnecessário... Pois na fé sempre me agarro! Coloco as chinelas que trouxe, de couro velho e sola de pneu de carro; coloco o pijama bem leve e para o frio de Itaipava me preparo. Um “drops” e um drope no copo de café... Virá com cara de cinza mais um dia – nada de sol, só de só (mas sobrevivo). A névoa que não se espalha traz um pedaço de bom dia, traz a fleuma, bela visão do horizonte, inspiração e todo o restante montante... E, à revelia, me impute felicidade. Enfim, o frio não veio; no velho que passa pela rua com frio, vejo seu pensar distante e seu andar sereno. Na criança do vizinho, sinto o dom da juventude. No pássaro que canta no voo, ouço o som da liberdade... hoje sou o mesmo Eu, mas mais suave; sou velho, menino... e sou ave. Outro dia flagrei-me lembrando de certa véspera de Natal, lá pelos idos de 1992, quando encontrei nas areias finas da praia de Grumari, um grande amigo de infância; foi realmente uma enorme coincidência, já que estou falando de uma praia que se encontra numa reserva ambiental, que conta com a presença de poucos “points” e que é brindada com ondas em quase toda sua extensão (2,5 km). O encontro: estava na praia num dia ensolarado, dando minha corrida pela areia e esquecendo-me da advertência do médico a respeito do meu joelho bichado... Advertência esta que eu não deveria correr nem pela areia mais dura, perto do mar, muito menos pela areia fofa... de repente vi aquela prancha fincada na areia, ao lado de uma cadeira vazia e um guarda sol com estampa de cerveja. Reconheci a prancha e já voltei meus olhos ao mar. Lá estava o “brother”, surfando de jacaré, bem ao estilo de nossa meninice... sentei-me na cadeira, meu joelho “sorriu”, olhei novamente para o mar e assobiei... trocamos acenos e me ofereci à poesia. Ele, morador do Bairro Peixoto em Copacabana, era meu vizinho de bairro, andávamos na mesma turma e dividíamos as mesmas praias e namoradas... Ele, que sempre após a ceia na casa dele passava na minha para comer mais um pouco e beber mais um vinho, já avisou que naquele ano não seria diferente, deixando-me extremamente feliz. Nesse dia, nessa cena congelada na hora, e agora se congela na memória, começou meu mergulho no mundo poético, uma de minhas razões de viver. Um poema nasceu, amadureceu e se concretizou anos depois; o poema melhor lapidado e com respingos dos Natais que passamos juntos, sorrisos que dividimos e das opiniões e namoradas que trocamos...
Um poema de saudade, de falta e da sensação que deveria ter ficado mais datas ao seu lado... grande amigo.
O poema:
Acordei com uma lágrima;
No sonho bem claro o rosto,
De pronto sorriso me olhava;
Amigo de praias e farras
Que o vento levou sem aviso;
Deixando a doce lembrança,
Momentos que não amarelam,
E regam o verde singelo
Desse jardim da saudade.
André Anlub