26 de outubro de 2018

Das Loucuras (sua identidade, a do papel e a imposta)



Das Loucuras (sua identidade, a do papel e a imposta)

Aquele padrão, patrão egoísta que lhe tira os direitos;
Rouba a liberdade, seus verdadeiros trejeitos, está ciente?
Chega cheio de dedos, rouba nos dados e sempre está com a razão...
E não é cliente!

Que mal que há? Por que não “que mau que há”, com “u” mesmo?
Mal com “u”, com “l”, com “o”...
Tenha dó, isso pouco importa no texto.

Bandeiras são hasteadas pelas pátrias enteadas
E seus nada sinceros sorrisos.
Tempos omissos que não ensinam nada;
Tumbas presentes esperando a manada.

Vamos variar as linhas, avivar com outro algo positivo...
Sem doutrinação, sem doutor, oração, imposição, academicismo.
Fardas, fardos, falsos hippies, roupões
E aquela pantufa imunda porque saiu às ruas nas andanças...
Sem misericórdia, sem queimar sutiãs ou colchões...
Mudamos os acordes e acordamos para as mudanças.

De repente, com uma baita moderação – ou não –,
Conseguimos uma manutenção da massa – que pode virar pão.
Sem lamber sabão, liberar sua libido,
Ser um ser bem resolvido, com um pé à frente esquecendo o umbigo.

André Anlub®
(26/10/18)


Le Petit Maurice


Le Petit Maurice

Depois de sair do seu banho:

Reparte o cabelo ao meio,
passa um pouco de Gumex,
no pulso seu belo Rolex.

Separa um trocado pra cerva,
não se esquece da erva
e a chave de seu Chevrolet Veraneio.

Coloca uma bermuda de marca,
um chinelo de dedo,
mesmo sabendo que é cedo,
um uísque e dois cubos de gelo.

Vai sem rumo pra Urca,
louco varrido na praia,
depois uma pizzaria famosa,
com gente bonita faz prosa
(nunca soube o que é uma árdua labuta!)

Esse ano fez trinta anos,
(nunca na vida fez planos!)
mede um metro e noventa,
um par de olhos azuis,
ama bala de menta,
pai rico, famoso juiz.

Estudou nos melhores ensinos,
fez inglês nos Estados Unidos;
mulheres ele coleciona aos quilos,
é inteligente, sagaz e feliz.

Fundou uma confraria de solteiros,
charutos e bebidas - prostitutas e cavalos
Quando chegou aos quarenta,
dinheiro e saúde pro ralo.

A vida ficou antipática,
empilhando contas em sua mesa,
o burguês que migrou pra pobreza,
morreu de cirrose hepática. 

André Anlub



25 de outubro de 2018

Hoje tem manga


Quando fui moleque
Andava com minha magrela
No cemitério São João Batista
Entre as tumbas e vielas.

Nunca tive medo de morto
Mas tenho de vivos desgraçados:
Os com pensamento torto
E políticos com discursos aprontados.

Hoje tem manga,
Pés descalços para encarar a subida,
Alegria do doce na boca, 
O melado no rosto
E a brusca sensação de ser moleque;
Hoje tem manga,
Ontem teve manga
E amanhã é mistério. 

André Anlub®

Das Loucuras (preito em prol das onze artes)


"Boca do Lobo" - década de 90 fiz uma arte ai - passagem no Bairro Peixoto (Copacabana/RJ). Playground onde passei toda minha maravilhosa infância; quintal onde passei minha conturbada pré e pós adolescência; hospício onde cresci, fui feliz e vivi durante boa parte da minha "adultez". Saudade imensa!

Das Loucuras (preito em prol das onze artes)

No cerco, querendo ver o circo pegar fogo,
Logo, logo vai começar a vender lona,
Gasolina, papelão, revista Trip, jornal O Globo.

É maravilhoso para quem não conhece,
Ou se esquece quando convém os viés...
Rumo aos céus, aos meus, aos seus, ao léu.
Brinca com água, massa, tinta...
Pinta, mas brinca com fogo, estilete, nunchaku, cassetete, cinzéis.

Tem jogo pra jogo, é salamandra-de-fogo,
Só tem malandro no antro, vive “de fogo”.
É camaleão mudando o terreno, a mão e a cor,
Como um leão que conhece as savanas africanas de cor.

A falta de inspiração demuda o artista numa mala sem alça,
Alcançando rasos voos e defecando na cabeça dos outros...
Quase um pombo... Mas sem, dos deuses, uma procuração.
Sente-se abatido, com o dom batido,
Vendo “não” no vento, dentro de uma alucinação.

O alçapão está armado, a armadilha está em dia;
Nem tudo é somente sonho, nada é inteiramente agonia.
O tempo se esgota, gota-a-gota faz a poça...
Mas a vida está à mesa, se renova e sai da fossa.

Com nova força não força a barra – cadafalso.
Barra o que lhe é feio, tira o pé do freio e sai à criação.
Passa o rodo, pois sua roda não roda mais em falso...
Seu encalço é calçar poesia, pintura, escultura – quer ação.

Queimação do dia à noite, da noite para o dia,
Nada de tardes vazias – varia sua alegria...
Tira suas vestes, agita desvairadamente as mãos ao que presta...
Mostra a alma nua e crua; expõe a estigma “arte” na sua testa.

André Anlub®
(25/10/18)

Santos de Madeira


Santos de madeira

Pés descalços pisam nas britas
Parecem pequenas brasas
Colher de boia fria na marmita
Colher de pedreiro nas mãos
Ensaiando seu karatê.

Cheirando cimento
Colando o pulmão
O sol fulgente e quente 
Cortando de um lado ao outro
O céu mais limpo.

Rito habitual
Frito obituário
Às vezes pisca para a esperança
E o sol ri da sua cara
E ele, cá embaixo, suando em bicas
Pensa que há uma missão a ser feita.

Nas horas vagas é escultor
Faz santos de madeira
Com a ponteira acerta os pontos
O cinzel talha o formato
A plaina alisa a vida
E o verniz como o brilho nos olhos
Da lágrima que se mescla ao suor.

André Anlub®

24 de outubro de 2018

Asas de Anjo ou Dragão


Asas de anjo ou dragão

Vejam só os dois olhinhos, sinceros, impávidos,
Carregando a expressão das brasas dos entusiasmos.

O mundo deles também anda agitado,
E ainda mais quando estão juntos;

São avejões diversos...
No advérbio adjunto do anseio disponível no plasmático vulcânico...
Fundiram os neurônios e os versos.

Não há relógio no “slow motion”,
Tampouco o reviver das simples coisas.
A caneta dança na folha branca,
O sentimento canta a canção que voa...

Os dois olhinhos são escravos do tempo,
E o tempo não vive a mercê de porta aberta...
Não cumpre a cumplicidade que se torna seguro,
Simplesmente existe, e o quase é quase eterno.

Asas batendo, colorido das penas,
Bico bem largo e garras como dentes;
Com moderação se barganha com a vida,
Contínua rotina de distrair pensamentos
E tapear os momentos e as ideias baldias.

Criou-se o hábito saboroso e salutar,
Começou a lutar com as armas evidentes.
Vê a novidade de coisas iguais que nunca foram feitas,
Reinventa os trejeitos dos seus sujeitos (dá-se um jeito).

E a luta contra o colosso imortal continua,
O gigante que é anão, que espeta,
Que apunha, apunhala, compunha a mente incerta,
E a luta se enluta no negro alerta.

(...) nessa hora os olhos se emocionam mais uma vez,
Enchem-se d’água e desaguam...
E a vida: eles querem entendê-la, desvendá-la,
Querem enterrá-la para saber sempre onde está;
Irão confessar até o que nunca fizeram
E pelos campos e cidades aos ventos voarão...

Sendo perene ou não,
Sendo asas de anjo ou dragão.

André Anlub®

23 de outubro de 2018

Ouro de tolo (parte II)


Ouro de tolo (parte II)

Ouro valioso, rico enriquecido, diamante da noite/dia endiabrado,
Constrói-se um abrigo inimigo de brilhantes errantes e fúteis.
Mundo sórdido de fel, cruel, vil;
Colherada de antídotos e janelas fechadas ao sol mais belo.

Íris, anel, elo, perdão e ar; 
Enxerga a riqueza no breu dos olhos cerrados. 

É amplo o mistério, é mísero o conteúdo da cachola;
Faz-se um mundo imaginário de ostentações e glórias.

Na paz, na tez: espelhos do medo de tudo que se é.

É fechado e discreto o inverno: nuvens negras e tempestades 
(dentro de si próprio);
É trancado e resignado o verão: sol quente queimando a alma
(desesperando o ódio).

Tem que se deixar ir, deixar o corpo livre ao vento;
O gole de absinto do amor – fluir, e finalmente ruir falsos intentos.

Ouro valioso é a vida: goles de eternidade na água rara bendita;
Abrigo é coração alheio: calor da paixão, dois/todos mundos divididos/inteiros.

(Até mesmo os artistas porcalhões, não deixam jamais sua arte de lado, preferem lugares com clima úmido para esculpirem melhor suas melecas).

André Anlub


22 de outubro de 2018

Despedida XIII



Despedida XIII
(cozinheiro de banquetes)

Quando busca a inovação encontra o aconchego,
Não tem medo, e o mergulho é de cabeça.
Na sinceridade da devoção pelas letras, na fé na escrita,
Na aflição esquecida, morta, afogada na tinta,
Mergulha... e de cabeça.

Solve a arte, respira até pirar, come a arte,
Sente, brinca, briga e se esbalda.
Balde de água fria, quando ele quer que seja;
Balde de água quente, quando ele quer que ferva.

Na construção das linhas, ele sonha...
É um gigante em solo de gigantes (é um ser igual).
Nada é pequeno ou menos, mas ele é gigantesco;
Nada é estranho no pensamento sereno. (a mente é sã)

Criou algo mais do que o passo à frente,
Excedeu-se, ousou – usou e abusou.
Chegou a ser inconsequente...
Até achou que passou rente do perfeito (foi bem feito),
Pois assim tentará mais e mais, e irá tentar sempre.

E aquele gigante, aquele ser igual?
Foi para terras inóspitas e foi jogar novas sementes,
Agarrar novidades e desbravar castos campos.

E aquele cozinheiro?
(sonhou e se levou)
Cozinhou pratos raros e fabricou azeites,
Adornou a mesa com belos enfeites,
Chamou parentes, chamou amigos,
Encarou os indigestos...
Assim tornou-se quase um guerreiro,
Escritor, amigo, artista, rico e mendigo,
Cozinheiro de banquetes, ritos e festas...
Tornou-se gente e verdadeiro.

André Anlub



Manuel Bandeira - alguns poemas:



Madrigal Melancólico

O que eu adoro em ti 
Não é a tua beleza 
A beleza é em nós que existe 
A beleza é um conceito 
E a beleza é triste 
Não é triste em si 
Mas pelo que há nela 
De fragilidade e incerteza 

O que eu adoro em ti 
Não é a tua inteligência 
Não é o teu espírito sutil 
Tão ágil e tão luminoso 
Ave solta no céu matinal da montanha 
Nem é a tua ciência 
Do coração dos homens e das coisas. 

O que eu adoro em ti 
Não é a tua graça musical 
Sucessiva e renovada a cada momento 
Graça aérea como teu próprio momento 
Graça que perturba e que satisfaz 

O que eu adoro em ti 
Não é a mãe que já perdi 
E nem meu pai 

O que eu adoro em tua natureza 
Não é o profundo instinto matinal 
Em teu flanco aberto como uma ferida 
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza. 

O que adoro em ti lastima-me e consola-me: 
O que eu adoro em ti é a VIDA!!

Manuel Bandeira BANDEIRA, M. Antologia, Relógio de Água


 As três Marias

Atrás destas moitas,
Nos troncos, no CHÃO,
Vi, traçado a sangue,
O signo-salmão!

Há larvas, há lêmures
Atrás destas moitas.
Mulas-sem-cabeça,
Visagens afoitas.

Atrás destas moitas
Veio a Moura-Torta
Comer as mãozinhas
Da menina morta!

Há bruxas luéticas
Atrás destas moitas,
Segredando à aragem
Amorosas coitas.

Atrás destas moitas
Vi um rio de fundas
Águas deletérias,
Paradas, imundas!

Atrás destas moitas…
— Que importa? Irei vê-las!
Regiões mais sombrias
Conheço. Sou poeta,
Dentro dalma levo,
Levo três estrelas,
Levo as três Marias!

– Manuel Bandeira, do livro “Belo belo”, 1948.


A CAMÕES

Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.

Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na MENTE
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,

Não orrerá, sem poetas nem soldados,
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.

- Manuel Bandeira


A Estrela

Vi uma estrela tão alta, 
Vi uma estrela tão fria! 
Vi uma estrela luzindo 
Na minha VIDA vazia. 

Era uma estrela tão alta! 
Era uma estrela tão fria! 
Era uma estrela sozinha 
Luzindo no fim do dia. 

Por que da sua distância 
Para a minha companhia 
Não baixava aquela estrela? 
Por que tão alto luzia? 

E ouvi-a na sombra funda 
Responder que assim fazia 
Para dar uma esperança 
Mais triste ao fim do meu dia.

Manuel Bandeira

Vou-me Embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Andorinha
Andorinha lá fora está dizendo:
— “Passei o dia à toa, à toa!”

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa…

Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— “Meu pai foi à guerra!”
— “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”

Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Cartas de Meu Avô
A tarde cai, por demais
Erma, úmida e silente…
A chuva, em gotas glaciais,
Chora monotonamente.

E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.

Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.

Cartas de antes do noivado…
Cartas de amor que começa,
Inquieto, maravilhado,
E sem saber o que peça.

Temendo a cada momento
Ofendê-la, desgostá-la,
Quer ler em seu pensamento
E balbucia, não fala…

A mão pálida tremia
Contando o seu grande bem.
Mas, como o dele, batia
Dela o coração também.

O Último Poema
Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Consoada
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

O Anel de Vidro
Aquele pequenino anel que tu me deste,
— Ai de mim — era vidro e logo se quebrou
Assim também o eterno amor que prometeste,
— Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, —
Aquele pequenino anel que tu me deste,
— Ai de mim — era vidro e logo se quebrou

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste

Porquinho-da-Índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…


— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.


Os poemas secretos de Manuel Bandeira
Textos lacrados há 35 anos, arquivados na Fundação Casa de Rui Barbosa, são abertos

MARCELO BORTOLOTI
19/06/2015 - 23h22 - Atualizado 19/06/2015 23h22

Entre os manuscritos de Manuel Bandeira arquivados na Fundação Casa de Rui Barbosa, os poemas abaixo estavam lacrados há 35 anos, e também foram abertos agora por determinação da CGU, depois de um pedido de ÉPOCA através da Lei de Acesso à Informação. Os versos revelam a verve satírica de Bandeira, e expõem disputas e inimizades no meio intelectual da época. O poeta remeteu alguns destes epigramas a amigos próximos, e mais de um deles chegou a circular de mão em mão entre seus conhecidos. Quase 50 anos depois da morte de Manuel Bandeira, já era o momento deles virem a público. Vários dos poemas não têm título.

*


Façam-me uma estátua incrível
De algum novo Donatello.
O mais equestre possível:
Eu montado em Mário Melo!

CONTEXTO: Mário Melo foi um historiador e jornalista pernambucano, que morreu em 1959. Famoso defensor dos monumentos históricos do seu Estado natal, ele entrou numa polêmica com Manuel Bandeira na década de 1950. Naquela época, a Prefeitura do Recife planejava erguer em praça pública um busto em homenagem a Bandeira. Mario Melo foi uma das principais vozes contrárias ao projeto, alegando que a lei proibia homenagear pessoas vivas. Bandeira nunca se manifestou publicamente sobre a polêmica, mas nos bastidores escreveu estes versos ridicularizando seu oponente. Quando ele morreu, Bandeira prestou homenagem ao jornalista na Academia Brasileira de Letras, como lembra o historiador Edson Nery da Fonseca.


*

Mário Faustino, és de veras.
E se és, Faustino, veado,
Bem poderás ser chamado
Pelos a quem dás ou deras
Ou darás, Faustino amado,
Mário veado de veras!

CONTEXTO: Mário Faustino era um poeta e crítico literário piauiense, que morreu num desastre aéreo aos 32 anos de idade. Ficou muito conhecido na segunda metade dos anos 1950, quando editou uma página literária no Jornal do Brasil, em que publicava poemas de novos autores e também de poetas consagrados. Não há notícias sobre qualquer desavença ocorrida com Manuel Bandeira, embora a posição de Faustino como editor que selecionava o que era ou não publicado no jornal, o colocava em confronto direto com a vaidade dos escritores da época. Por ser um tipo delicado, que não andava com mulheres, pesava sobre ele uma nunca esclarecida fama de homossexual.

*

Mulata bonita um dia
Por um mau jeito se peida:
Sua mulata é a Baía;
O peido, Renato Almeida.

CONTEXTO: Renato Almeida foi um pintor mineiro que retratou, entre outras coisas, paisagens baianas. Este epigrama provavelmente circulou entre os amigos de Bandeira nos anos 1920. Em carta a Mário de Andrade de abril de 1927, o poeta fala de sua implicância com o pintor: “Cuidado também com o Renato. Estou convencido que é ruinzinho. Na Bahia vi documentos tristes a respeito dele. E que bobagem ele escreveu sobre a terra, falando na 'sensibilidade de moderno' dele que prefere avenidas e arranha-céus. Quando saiu a entrevista dele (...) fiquei tão safado que desfechei o epigrama. Naturalmente você deve ter lido aí”.

*

Capelinha do padre Faria

-Abaixo, abaixo as capelas!
Gritava o padre Faria.
Mas não conta o padre entre elas
A da sua freguesia.

CONTEXTO: O padre João de Faria Fialho nasceu no Estado de São Paulo no século XVII, e foi um capelão que participou de diversas expedições em busca de esmeraldas. Ficou rico explorando ouro em Minas Gerais, e foi figura importante no desenvolvimento de Ouro Preto. A Capela do Padre Faria é uma das igrejas tratadas por Manuel Bandeira em seu Guia de Ouro Preto, publicado em 1938. Este parece ser um epigrama de temática histórica, sem justificativa para ter sido lacrado com os demais.

*

Como deve chamar-se o que sublima
Sua pérfida pessoa e as mais difama?
É Sílvio Julio de Albuquerque Lima
Ou Sílvio Julio de Albuquerque Lama?

CONTEXTO: Sílvio Julio foi historiador e professor universitário dedicado ao estudo da América Latina. Foi contemporâneo de Manuel Bandeira na Faculdade Nacional de Filosofia, quando dava aulas de História da América, enquanto Bandeira era professor de Literatura Hispano-Americana. Como os temas eram próximos, é possível que os dois convivessem no ambiente acadêmico, nem sempre de forma harmoniosa, como deixa claro o poema.

Além dos poemas de Manuel Bandeira, entre os documentos revelados nesta semana, está uma carta do amigo do autor e escritor Mário de Andrade. Ela é o primeiro texto divulgado no qual Mário de Andrade refere-se aos comentários sobre sua homossexualidade (leia a carta de Mário de Andrade). Parte da correspondência há havia sido divulgada por Bandeira, mas a parte sobre a homossexualidade fora suprimida.

saiba mais
A carta em que Mário de Andrade fala de sua homossexualidade
Ministério da Cultura nega pressão para liberação de carta de Mário de Andrade
Pressionada por ministro, Casa de Rui Barbosa vai liberar carta de Mário de Andrade

Fonte: AQUI!

21 de outubro de 2018

Das Loucuras (ao vê-la passar, o farol acesso o deixa sem jeito)


Das Loucuras (ao vê-la passar, o farol acesso o deixa sem jeito)

Nem sempre foi assim, ele todo rubro – ou qualquer outro adjetivo;
Sempre foi vermelho e verde, Fluminense.
Mas agora – mais velho – há uma conjetura subjetiva,
E nela sente-se constrangido nesse nonsense.

Ficou mais difícil lidar com o instinto – antes admissível.
Sem sua atitude natural, maldade de juventude, 
Descontração que se tornava combustível,
Sente-se o homem de ferro, enferrujado, talvez o homem-invisível.

A ganancia do corpo passa a fazê-lo querer voltar no tempo,
Um sofrimento que o faz arrumar qualquer jeito.
Mergulha em entretenimentos na tela da erotização,
Tudo fútil, cruel, efêmero, mané, sem noção... 
Antes tiro no pé, agora tiro no peito.

Algazarra da alma fraca que faz mal o fazendo cego;
A loucura da luta sem nexo contra o relógio biológico...
Insiste na marcha à ré, achando que está de “quinta” no ego,
Mais um “prego”, pego em fragrante por si próprio.

A braguilha emperrada, a calça quase mijada
Pois não há tempo para outra “distração”.
O ontem foi tudo, o amanhã não é nada,
Ansiedade, idiotice, mesquinharia, ostentação...

A realidade o rouba a cada minuto que fica repassando as telas,
Acendendo as velas para o inverno de seu velório interno.
Perde o timbre, descarta a inspiração,
Torna-se mendigo sem-vergonha...
A luz no fim do túnel é o farol na contramão
Do caminhão-cegonha. 

André Anlub®
(21/10/18)

Biografia quase completa






Escritor, locador, vendedor de livros, protético dentário pela SPDERJ, consultor e marketing na Editora Becalete e entusiasta pelas Artes com uma tela no acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MAC/BA)

Autor de sete livros solo em papel, um em e-book e coautor em mais de 130 Antologias poéticas

Livros:
• Poeteideser de 2009 (edição do autor)
• O e-book Imaginação Poética 2010 (Beco dos Poetas)
• A trilogia poética Fulano da Silva, Sicrano Barbosa e Beltrano dos Santos de 2014
• Puro Osso – duzentos escritos de paixão (março de 2015)
• Gaveta de Cima – versos seletos, patrocinado pela Editora Darda (Setembro de 2017)
• Absolvido pela Loucura; Absorvido pela Arte
(Janeiro de 2019)

• O livro de duetos: A Luz e o Diamante (Junho 2015)
• O livro em trio: ABC Tríade Poética (Novembro de 2015)

Amigos das Letras:
• Membro vitalício da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba (RJ) cadeira N° 95
• Membro vitalício da Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura da Embaixada da Poesia (RJ)
• Membro vitalício e cofundador da Academia Internacional da União Cultural (RJ) cadeira N° 63
• Membro correspondente da ALB seccionais Bahia, São Paulo (Araraquara), da Academia de Letras de Goiás (ALG) e do Núcleo de Letras e Artes de Lisboa (PT)
• Membro da Academia Internacional De Artes, Letras e Ciências – ALPAS 21 - Patrono: Condorcet Aranha

Trupe Poética:
• Academia Virtual de Escritores Clandestinos
• Elo Escritor da Elos Literários
• Movimento Nacional Elos Literários
• Poste Poesia
• Bar do Escritor
• Pé de Poesia
• Rio Capital da Poesia
• Beco dos Poetas
• Poemas à Flor da Pele
• Tribuna Escrita
• Jornal Delfos/CE
• Colaborador no Portal Cronópios 2015
• Projeto Meu Poemas do Beco dos Poetas

Antologias Virtuais Permanentes:
• Portal CEN (Cá Estamos Nós - Brasil/Portugal)
• Logos do Portal Fénix (Brasil/Portugal)
• Revista eisFluências (Brasil/Portugal)
• Jornal Correio da Palavra (ALPAS 21)

Concursos, Projetos e Afins:
• Menção Honrosa do 2° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Brava Gente Brasileira”.
• Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Amor do Tamanho do Brasil”.
• Menção Honrosa do 5° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Quem acredita cresce”.
• Menção Honrosa no I Prêmio Literário Mar de Letras, com poetas de Moçambique, Portugal e Brasil, ficou entre os 46 primeiros e está no livro “Controversos” - E. Sapere
• classificado no Concurso Novos Poetas com poema selecionado para o livro Poetize 2014 (Concurso Nacional Novos Poetas)
• 3° Lugar no Concurso Literário “Confrades do Verso”.
• indicado e outorgado com o título de "Participação Especial" na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas/Salvador (BA).
• indicado e outorgado com o título de "Talento Poético 2015" com duas obras selecionadas para a Antologia As Melhores Poesias em Língua Portuguesa (SP).
• indicado e outorgado com o título de Talento Poético 2016 e 2017 pela Editora Becalete
• indicado e outorgado com o título de "Destaque Especial 2015” na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas VIII
• Revisor, jurado e coautor dos tomos IX e X do projeto Poesias Encantadas
• Teve poemas selecionados e participou da Coletânea de Poesias "Confissões".
• Dois poemas selecionados e participou da Antologia Pablo Neruda e convidados (Lançada em ago./14 no Chile, na 23a Bienal (SP) e em out/14 no Museu do Oriente em Lisboa) - pela Literarte

André Anlub por Ele mesmo: Eu moro em mim, mas costumo fugir de casa; totalmente anárquico nas minhas lucidezes e pragmático nas loucuras, tento quebrar o gelo e gaseificar o fogo; não me vendo ao Sistema, não aceito ser trem e voo; tenho a parcimônia de quem cultiva passiflora e a doce monotonia de quem transpira melatonina; minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; otimista sem utopia, pessimista sem depressão. Me considero um entusiasta pela vida, um quase “poète maudit” e um quase “bon vivant”.

Influências – atual: Neruda, Manoel de Barros, Sylvia Plath, Dostoiévski, China Miéville, Emily Dickinson, Žižek, Ana Cruz Cesar, Drummond
Hobbies: artes plásticas, gastronomia, fotografia, cavalos, escrita, leitura, música e boxe.
Influências – raiz: Secos e Molhados, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Jorge Amado, Neil Gaiman, gibis, Luiz Melodia entre outros.
Tem paixão pelo Rock, MPB e Samba, Blues e Jazz, café e a escrita. Acredita e carrega algumas verdades corriqueiras como amor, caráter, filosofia, poesia, música e fé.