31 de dezembro de 2017

O levantar de cada homem


O levantar de cada homem

Onipresente e quiçá salutar
vagão de um extenso trem
vagando, voando, vergando devagar.

Cem promessas e esperanças no ar
do cerimonial que o ano transpassa.
Vento e vigor entram pelas ventas
e dobram o hipotético cabo das tormentas.

Ficam tempos de acertos e erros
ficam berros que ecoam em intentos
e na nuvem a premissa do restauro da curva
que faz reta uma estrada mais turva.

Em seus tronos na zona de conforto
estão otimistas os deuses de todos.
Roupas alvas, flores brancas
e o sol desbotando as flâmulas.

É um novo tempo e a mais nova maquiagem
da engrenagem que a ferrugem não come.
A esperança sendo real ou miragem
alivia e traz força no levantar de cada homem.

30 de dezembro de 2017

Feliz 2018


Arquivo morto

Enlouquece, tonteia
entorpece, abala
no coração, na veia
emoção enigmática.

A coisa é séria, muito séria
vai um, vem outro
é uma constância
por isso não faz sentido.

Pela manhã tudo estará bem
é mais ou menos assim
no íntimo ficam as lesões
escapam os heróis
para encararem novo amor.

Entupindo o coração de ideias
cachoeiras de avejões
nesse amor de veracidades
suas pegadas, espaçadas 
na areia limpa e macia
pegadas de danças e festividades
da mais pura devoção.

Quando esse sentimento aflora
há “refrescância” na alma e corpo
mas nem se sabe se essa palavra existe
não se encontra em dicionários
é morta – torta
é arquivo – morto.

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Olha o Flagra! Jogando Street Fighter no Cariri Shopping, batendo todos os recordes e deixando a molecada horas esperando pra jogar!

28 de dezembro de 2017

Das Loucuras (notou o Natal no naco do nervo e na nuvem)


Das Loucuras 
(notou o Natal no naco do nervo e na nuvem) 

Peixes belos e pequenos
Que entram nas facas;
As espinhas enormes;
A carne macia – bacalhau e salmão.
O enfoque no aquário,
Casaco no armário e estante e livros.

Na loucura parca – como Carpas –,
Coloca-se o fermento – vira tubarão...
Predicados, borbulhas, atitudes – todos vivos;
O mundo é o aquário, o vidro é castração.

Como tarântula, pernoita, perambula
Mirando o norte se acha tudo;
Tendo tudo se deleita com a sorte.

Fugindo da morte vê-se o absurdo;
Mas ela segue na saga, cega,
Suga e ainda se veste de gótica.

As cinzas já estão reconstituídas
Se fortalecendo a cada velinha e velhinha
Nada desiludidas...

Dia de luz, mas sem festa de sol;
Sonha só com o seu azeite espanhol...
Noite de Natal, noite naftalina...
Opa ela errou, que fiasco! 
Dá uma garfada no peito de peru
E diz sem asco:
- É natalina! 

André Anlub
(28/12/17) 

26 de dezembro de 2017

A Epopéia de Denise (caixa de Pandora)


A Epopéia de Denise (caixa de Pandora)

Como se começa uma história?
Algo que pode ter acontecido...
E se a mesma não existe na memória
posto que seja um fictício ocorrido:
Denise caminha em uma praia 
e mesmo que o sol não raia
sua alegria insiste.
Se depara com uma caixa.
um baú velho e pequeno
o abre, deixando escapar um veneno.

A caixa...

Dentro havia um sonho
remeteu-a a outros lugares
voava por entre vales
sentia na face leve brisa gélida.
Despiu-se de todos os seus disfarces,
reviu todos que já se foram
(todos que por ela eram amados e ela por eles)
Viu a morte que passou tão rápida e inexpressiva 
que na verdade poderia se tratar de uma nuvem negra...
(nuvem pequena e inútil)
dessa que não faz chuva,
mas dependendo do ponto de vista,
pode fazer sombra
tirando o reinado do sol.
Ela voou sobre a ilha de Páscoa
e sorriu para seus mistérios;
Atravessou alguns deltas de rios,
do Parnaíba ao Nilo;
Ao anoitecer viu Paris
sentiu seus perfumes;
Por um momento os odores a levaram a campos
como se ela estivesse presa numa redoma de vidro.
Foi testemunha do nascimento de uma pequena aldeia
- África.

Os lugares voltavam no tempo
homens pré-históricos surgiam em grupos,
perseguiam mamutes, comiam com as mãos
e descobriram o fogo, a violência e a pretensão.
Ninguém podia vê-la, sequer ouvi-la
e tantas coisas para dizer, ensinar e aprender.
E assim, de repente, tudo foi simplificado a um só casal de humanos,
voltando em segundos ao atual e normal.

Pode ver tanta coisa e estar em tantos lugares,
mas ao retornar desse sonho tão real,
a realidade maior a esperava...
Ela não pode encontrar quem seria prioritário,
quem responderia suas recentes e antigas perguntas,
quem a acolheria, lhe daria afagos e força,
quem a conhecia como ninguém...
talvez, ela mesma.

André Anlub® A Epopéia de Denise (caixa de Pandora)

Como se começa uma história?
Algo que pode ter acontecido...
E se a mesma não existe na memória
posto que seja um fictício ocorrido:
Denise caminha em uma praia 
e mesmo que o sol não raia
sua alegria insiste.
Se depara com uma caixa.
um baú velho e pequeno
o abre, deixando escapar um veneno.

A caixa...

Dentro havia um sonho
remeteu-a a outros lugares
voava por entre vales
sentia na face leve brisa gélida.
Despiu-se de todos os seus disfarces,
reviu todos que já se foram
(todos que por ela eram amados e ela por eles)
Viu a morte que passou tão rápida e inexpressiva 
que na verdade poderia se tratar de uma nuvem negra...
(nuvem pequena e inútil)
dessa que não faz chuva,
mas dependendo do ponto de vista,
pode fazer sombra
tirando o reinado do sol.
Ela voou sobre a ilha de Páscoa
e sorriu para seus mistérios;
Atravessou alguns deltas de rios,
do Parnaíba ao Nilo;
Ao anoitecer viu Paris
sentiu seus perfumes;
Por um momento os odores a levaram a campos
como se ela estivesse presa numa redoma de vidro.
Foi testemunha do nascimento de uma pequena aldeia
- África.

Os lugares voltavam no tempo
homens pré-históricos surgiam em grupos,
perseguiam mamutes, comiam com as mãos
e descobriram o fogo, a violência e a pretensão.
Ninguém podia vê-la, sequer ouvi-la
e tantas coisas para dizer, ensinar e aprender.
E assim, de repente, tudo foi simplificado a um só casal de humanos,
voltando em segundos ao atual e normal.

Pode ver tanta coisa e estar em tantos lugares,
mas ao retornar desse sonho tão real,
a realidade maior a esperava...
Ela não pode encontrar quem seria prioritário,
quem responderia suas recentes e antigas perguntas,
quem a acolheria, lhe daria afagos e força,
quem a conhecia como ninguém...
talvez, ela mesma.

André Anlub® A Epopéia de Denise (caixa de Pandora)

Como se começa uma história?
Algo que pode ter acontecido...
E se a mesma não existe na memória
posto que seja um fictício ocorrido:
Denise caminha em uma praia 
e mesmo que o sol não raia
sua alegria insiste.
Se depara com uma caixa.
um baú velho e pequeno
o abre, deixando escapar um veneno.

A caixa...

Dentro havia um sonho
remeteu-a a outros lugares
voava por entre vales
sentia na face leve brisa gélida.
Despiu-se de todos os seus disfarces,
reviu todos que já se foram
(todos que por ela eram amados e ela por eles)
Viu a morte que passou tão rápida e inexpressiva 
que na verdade poderia se tratar de uma nuvem negra...
(nuvem pequena e inútil)
dessa que não faz chuva,
mas dependendo do ponto de vista,
pode fazer sombra
tirando o reinado do sol.
Ela voou sobre a ilha de Páscoa
e sorriu para seus mistérios;
Atravessou alguns deltas de rios,
do Parnaíba ao Nilo;
Ao anoitecer viu Paris
sentiu seus perfumes;
Por um momento os odores a levaram a campos
como se ela estivesse presa numa redoma de vidro.
Foi testemunha do nascimento de uma pequena aldeia
- África.

Os lugares voltavam no tempo
homens pré-históricos surgiam em grupos,
perseguiam mamutes, comiam com as mãos
e descobriram o fogo, a violência e a pretensão.
Ninguém podia vê-la, sequer ouvi-la
e tantas coisas para dizer, ensinar e aprender.
E assim, de repente, tudo foi simplificado a um só casal de humanos,
voltando em segundos ao atual e normal.

Pode ver tanta coisa e estar em tantos lugares,
mas ao retornar desse sonho tão real,
a realidade maior a esperava...
Ela não pode encontrar quem seria prioritário,
quem responderia suas recentes e antigas perguntas,
quem a acolheria, lhe daria afagos e força,
quem a conhecia como ninguém...
talvez, ela mesma.

André Anlub® (Jun/2010)

25 de dezembro de 2017

Alguns dos meus Haikais


Alguns dos meus Haikais 

Belo domingo
Pinta a selva e voa 
Feliz pintassilgo


Lápis e folhas
A cachaça de rolha 
Lua de sempre


São poesias
Fazem crescer as flores
Beijam o dia


A alma calma
Todo um corpo amor
É vida feliz


Sim, moro em mim
Costumo fugir de casa
“Poète Maudit”


Arte além do céu
Arco-íris de pura fé
Tintas no papel


Águas nervosas e lindas
Descendo a colina
São delas, tuas, minhas


Na manga um “ás”
Faz mágica com a vida
“Bon vivant” que apraz

23 de dezembro de 2017

Hilda Hilst


A entrevista “‘Amavisse’, o último livro sério da autora Hilda Hilst”, de autoria de Marici Salomão foi publicada originalmente em 1989 e está no livro “Fico besta quando me entendem”.

A escritora Hilda Hilst, que na semana passada completou 59 anos, dos quais quarenta dedicados à literatura, na poesia, ficção e dramaturgia, possui a lúcida loucura dos poetas que sabem retirar o véu das aparências para penetrar no árduo caminho dos valores essenciais. Seu último livro de poesia, editado pela Massao Ohno, Amavisse, deverá chegar em breve às livrarias. Mas Hilda já não guarda ilusões quanto à receptividade de seu trabalho: sempre foi rotulada como escritora hermética, de difícil compreensão. Amavisse, a exemplo de obras anteriores, trata do intrincado processo de individuação do homem, passando pelo amor e pela loucura, para se chegar a Deus (ela diz que essa é somente uma maneira de nomeá-lo, mas Deus também pode ser “um sorvete flamejante de cerejas” ou o que se quiser dizer).

Diante do silêncio de críticos e público, ela optou por um novo caminho de salvação: o riso, através da pornografia. Há três anos vem se dedicando a escrever um livro com textos pornográficos, unindo em dois cadernos textos de escárnio e textos grotescos. “Bossa-pornografia não deverá ser um livro para se levar a sério. Amavisse foi o meu último livro publicado no Brasil para ser levado a sério. Só espero que não resolvam encontrar implicações hegelianas ou metafísicas nos textos pornográficos”, diz.

Na última quinta-feira, em sua espaçosa e intimista Casa do Sol, na região de Campinas, Hilda conversou com a reportagem do Correio Popular, rodeada de seus doze cachorros vira-latas e em meio à fumaça de cigarros e de muitos livros. Em reação à imprensa, Hilda demonstra um medo: o de repetir o já dito em outras entrevistas. Cautelosa, mas longe de se manter lacônica, a autora de Com os meus olhos de cão, Fluxo-floema, Sobre a tua grande face, O verdugo
(texto teatral), entre tantas outras obras, falou sobre Amavisse, seus textos pornográficos e sua parada frente à escrita séria:

CORREIO POPULAR Através da pornografia, você tem buscado seu caminho de salvação, no resgate do contato com o  público?

HH Quando você chega a um limite extremo, você procura alguns caminhos de salvação. Muitos autores classificam vários caminhos. O alcoolismo é um deles. O outro caminho é a santidade, mas já está tarde demais para se entregar o bagaço a  Deus. A santidade… é bom quando se começa cedo. É uma nostalgia do homem, a santidade, mas é dificílimo. E o outro caminho, impressionante, é o riso, apesar de parecer patético, mas é um dos caminhos de salvação. Chegou uma determinada hora que comecei a ver que tinha trabalhado quarenta anos – eu comecei a escrever com dezoito, publiquei meu primeiro livro aos vinte – e vi que realmente não tinha dado certo. Todo homem de alguma forma quer ter alguma importância. Isso significa ter mais vida, porque isso dá perdurabilidade…

CP Você diz no sentido dessa relação de intensidade com o outro, na relação que se completa no outro?

HH É, não adianta ter importância e não ter ninguém para te olhar. Por isso que nas sociedades primitivas tem sempre essa composição binária, com divisão de grupos, para existir competição em relação ao outro. Ernest Becker fala muito nisso. É um fenômeno social isso de se desejar importância. Para perdurar e ficar no coração do outro. Porque isso dá uma ideia de que você de certa forma vence a morte, que você não se apaga. Aliás, é uma ilusão de cultura tudo isso. Na  verdade, como é que se pode saber se você tem mais importância que um gato? Poderia até ter uma filosofia sobre isso. O  Becker insiste muito nisso. O homem é antes de tudo um animal e foi a competitividade, a vontade de perdurar que fez com que ele começasse a criar objetivos cada vez maiores, como fazer foguetes para [ir] a Lua, etc. e tal.

CP Essa necessidade de perdurabilidade, bloqueada pela incomunicabilidade com o público leitor em potencial, lhe frustrou?

HH Eu imaginava que aos sessenta anos – completei 59 semana passada – ia enfim ficar no coração do outro, mas o que eu noto é que ninguém sabe do meu trabalho. Porque não sou eu mais que quero existir e perdurar e sim o meu trabalho, que quero que exista, que perdure. Gostaria que através do texto houvesse interesse de algumas pessoas, por exemplo, dos críticos de linguagem; que essa proposta de reformulação de linguagem saísse do contexto realista, da prosa, indo para outro texto. Como Flaubert dizia: eu quero escrever um livro onde não haja história; que esse livro se sustente como a Lua  e a Terra se sustenta. Não precisa ter o reconto, esse sequencial chato. Eu não tenho nada a ver com isso.

CP Na contracapa de Amavisse você coloca uma poesia em prosa, dizendo: “O escritor e seus múltiplos vem vos dizer adeus”. É um recado pessoal mesmo?

HH É, é o meu último livro publicado no Brasil. É o meu último livro a sério. Não vou publicar mais nada nesse sentido.  Posso continuar escrevendo, quando morrer talvez alguém publique em algum lugar, mas não vou publicar mais nada,  porque considerei um desaforo o silêncio. O editor não fez nada para que leiam os autores brasileiros. É uma despedida  mesmo.

CP Esse bloqueio de intensidade com o leitor não acaba interferindo diretamente na intensidade do fazer enquanto  escritora?

HH Não, não bloqueia. De certa forma é um estímulo: vamos ver até onde isso vai. Comecei a escrever prosa em 1970 e achei que o livro já tinha uma reformulação de linguagem importante. O Kadosh estava esboçado. Uma crítica portuguesa falou que na língua portuguesa não houve uma reformulação importante como essa. Mas o silêncio da crítica brasileira é que me impressionou muito. Os únicos que falaram sobre mim foram o Anatol Rosenfeld, que já morreu, e o Léo Gilson Ribeiro. Ninguém fala nada.

CP Esse silêncio de público e crítica não pode também ser atribuído ao caminho de reflexão proposto em suas obras?

HH Eu acho que sim. Isso que eu vou falar é repetitivo. O ato de pensar provoca sempre um desgosto na própria pessoa.  Começa a doer quando você se propõe a traçar seus próprios caminhos. As pessoas preferem naturalmente os livros que contam uma história, do tipo As brumas de Avalon ou A bicicleta azul. As pessoas me perguntam: por que você é tão  complexa? Mas não sou eu que sou complexa, o ser humano é complexo e não posso fazer uma linguagem fácil num contexto difícil. Eu pego uma situação interior do homem e persigo aquele caminho, fragmentando-o também, porque não há na vida de alguém toda uma coerência. Então eu pego um flash, um clarão inicial e procuro cercá-lo de ordem dentro da desordem daquele percurso, porque isso é que é importante: conhecer o roteiro inexplicável do homem.

CP Sobretudo nas ficções, você se utiliza constantemente da primeira pessoa, como se na terceira a verdade ficasse embaçada pelo véu da aparência…

HH É verdade. Não gosto muito da terceira pessoa por isso. Porque dá sempre uma aparência de artificialidade. Na  primeira, posso me encarnar como cada um de nós, como os assassinos ou os santos. Claro que eu nunca me propus: vou fazer um livro complexo. Mas todo o meu eu já estava preparado para expressar essa complexidade. A rejeição do público deve advir da intensidade dessa reflexão. Por isso, em Ficções, peguei uma epígrafe de um autor que era muito jovem na época, Mora Fuentes, que dizia: “Intensidade, era apenas isso tudo o que eu sabia fazer”. Era exatamente isso, a  intensidade das sensações, das reflexões, da lucidez que assusta o outro. Se você tiver intensidade de lucidez, toda sua  tarefa se reformula do dia para a noite. O conceito de prosperidade também tende a mudar. Hoje, ele varia de acordo com  as nações industrializadas. Então, o sentido real da vida vai se diluindo.

CP O homem nega sempre verdades essenciais…

HH Ele persegue uma vida que não tem muito a ver com o essencial dele, porque procura negar o tempo todo o ato final  que é a morte. A única coisa de relevância seria ele, diante do infinito, de si mesmo e de Deus. A palavra “busca” já tem até  um conceito elitista, mas é isso que o homem procura, mesmo porque essa insatisfação cotidiana é uma vontade eterna de se conhecer. Você liga o rádio de manhã e é impressionante: são as otns, as cdbs. Ficou o conceito “dinheiro”  absolutamente sagrado. Desde o começo, o homem fez de tudo para colocar uma máscara, para se enganar a si mesmo, como se não fosse um ser que caminha para a morte. Ele não deseja pensar isso.

CP Seu isolamento na Casa do Sol por tantos anos pode ser atribuído à dedicação à escrita?

HH Amigos me dizem que sou uma pessoa carismática, que deveria sair mais, me relacionar mais com as universidades… Mas não quero ficar andando como uma louca para que isso funcione. Eu quero que a pessoa abra o livro e diga: “Eu  gosto”, sem ter nunca me visto na vida. Não me interessa ficar falando, senão seria senadora ou política. Quero escrever e  só pude escrever tudo isso porque não falei, fiquei em casa escrevendo. Pode ser que eu tenha tentado o mais impossível, pelo fato de ficar aqui, não aparecer nunca, não ter ambições como me candidatar à Academia de Letras etc. Um dia disse à Lygia [Fagundes Telles]: “Você está sempre aparecendo, é membro da Academia…”. E ela disse: “Mas a tua soberba é maior”. Acho que ela tinha razão. Não desejo mesmo a Academia, nada, mas no fundo sempre desejei me comunicar com muita intensidade e fiquei anos trabalhando com esse material. Há 33 anos me mudei para cá, pensando: “Agora é a hora de trabalhar mesmo”. Só que eu achei que nessa altura eu já estaria sendo até traduzida.

CP Mas já houve alguns trabalhos de seus textos na França, por exemplo.

HH Nunca um livro meu foi traduzido para o francês. Houve um comentário no Le Monde Littéraire uma vez e uma entrevista com mulheres brasileiras, representativas nas mais diversas áreas. Para o inglês, houve a tradução de apenas um texto para uma revista literária, mas nunca um livro inteiro. Agora tem uma americana que está traduzindo A obscena senhora D. Já terminou inclusive, e uma editora dos Estados Unidos, a White Pines, começou a pedir mais material. É a primeira vez que alguma editora dos Estados Unidos solicita meus textos.

CP Entre 1967 e 1969 sua produção de textos para o teatro foi muito significativa. Oito peças e uma premiada. Você não  tem a intenção de continuar?

HH É verdade. Nessa época havia uma repressão muito grande no país. Por isso, me senti estimulada a passar o meu  recado através das analogias, pois não podia escrever diretamente; não queria que me arrancassem as unhas, que me  torturassem. Em As aves da noite, falei sobre o nazismo, e o grupo Alcazar de São Paulo montou com o maior carinho.  Sugeri que colocassem no corredor do teatro todas as chacinas do mundo, mas a colônia hebraica não apoiou a peça,  porque queria que ela tratasse especificamente do nazismo. Minha intenção era dar um panorama geral da alma do  homem sob o efeito da ditadura. Já O verdugo, que recebeu o Prêmio Anchieta, interessou diretores como o Ademar Guerra e o Gianni Ratto, mas não adiantou como produção. O diretor quis enfeitar demais a peça e não deu certo.

CP Seus textos guardam sempre algo de visionário. Como você está vendo a montagem campineira de A morte do patriarca, escrita há vinte anos?

HH Essa peça nunca foi montada. Nela, o demônio diz: “Dizem que eu sou prematuro”. Porque todo o meu trabalho, as  pessoas diziam, é prematuro. Imaginei que haveria um período de ociosidade, onde as necessidades básicas do homem  seriam suprimidas imediatamente, como comer e fazer sexo. Então, seria o caos, porque não há possibilidade de haver um  roteiro para que o homem comece a pensar. Os contemporâneos não prepararam o caminho do homem para a ociosidade.  Na peça diziam que isso era prematuro, porque as pessoas ainda não têm o que comer. Não preciso manter sempre o mesmo tema; posso colocá-lo mais adiante também. Foi aí que eu quis fazer A morte… Achei que chegaria esse clímax de prosperidade, entre aspas, porque seria uma satisfação imediatista. O preenchimento de fato de uma vitalidade álmica não está ocorrendo. Cada vez mais, nota-se o empobrecimento de todos os valores importantes.

Fonte: O último livro sério

De vento em popa

Cinco verdades:
1. quem tem fiofó tem medo
2. você é sua cara metade
3. amar liberta
4. dinheiro não compra o tempo perdido
5. Pink Floyd é uma banda fodástica

De vento em popa (2010)

Caindo na real
Buscando a porta de saída
Tirar o espinho da rosa
Tendo alguma chance ainda

Uma caminhada de vento em popa
Só faltaram as velas
Ganhou tudo, até minhas roupas
Não via mais graça nelas

Queria o complemento mais puro
Amor, atenção e paz
Nada de contentamento obscuro
Jazigo é você quem o faz

Infidelidade da imaginação as avessas
Criação natural de fantasmas
Vagueiam por uma mente ativa e criativa
Bicho de sete ou oito cabeças 

Sem paradoxo nenhum
Emite, omite a realidade
Flexibilidade de jeito algum
Inadequação de uma idade

Sem valor mesmo que seja ouro
Um tesouro no mais profundo oceano
Desengano que lhe arranca o couro
Um dia que tem duração de um ano

Avaliação do inenarrável
Sustenta sua forma mais impura
Uma violência cruel, mas amigável

Realidade que virou conjectura




Das Loucuras (caduto, infelice? mangiare! capisce; manjou?)


Das Loucuras (caduto, infelice? mangiare! capisce; manjou?)

Lembrou-se dos seus loucos objetivos
Alegrou-se de jamais tê-los julgado
Sorriu pelos seus sagrados sacrifícios
Tem a certeza de serem seus legados.

O bom senso às vezes é debochado
Debruçado pelado no penhasco da vida
Cortinas abertas para iniciar o espetáculo
Se sente envergonhado pelos olhos atrevidos.

Cadeiras lotadas e a paz como vitrine
Veste a pelerine de uma academia conhecida:
Vem e vê a entrada;
Senta e sente a ferida;
Chora e cheira a flor-de-baunilha;
Sua e sai pela entrada.

Ele vê um loiraço no fim das fileiras,
Com duas fileiras num espelho e na boca um baseado;
Baseado na visão, que nada tem de corriqueira,
Descobriu tratar-se de um doido oxigenado.

Agora se lembra dos anos impudicamente vividos,
E nos ouvidos avisos de que há vaidade;
Nas veredas, as verdades ele deixa aos excluídos,
E imbuído, torna sua lida lealdade.

André Anlub
(22/12/17)

20 de dezembro de 2017

Assombra-me


Assombra-me 

Esse amor gigantesco
Nababesco
Pela mansidão
Louco e são.
Penumbra
Na sombra da lua
No radiopaco do dia
Nostalgia
Que agora tardia
Privilégio e prejuízo
Sem juiz, juízo.
Impulsivo coração
Que bate brilhoso
Coroação – coloração
Estrela cadente
Cometa ardente
Latente 
Paixão doentia
Sadia
Amor burlesco
Tão fresco
Frágil
Absoluto, intenso
Viu-se – vê-se
Verso
Melancolia
Melado
Melodia.

19 de dezembro de 2017

Ótima terça


Imagens: dois projeto que participei e que me deixaram muito feliz.

- Amizade verdadeira
É amor incondicional.
Não há doença, política,
Vício, serviço, distância,
Onça, ânsia, cancro ou crença
Que destrua a tal.

- A moradia na emoção 
É o botão de liga/desliga 
De uma alma incendiária.

- Alfarrábios – folhosos – calhamaços – opúsculos 
os nomes podem até parecer indigestos
mas degusta-los nos sacia de conhecimento.
Excelente digestão.

- A vida só é cruel para os inermes
que fazem tempestades em copos d’água
vivendo nas podridões como vermes
fazendo respiração boca a boca em suas mágoas.

17 de dezembro de 2017

Firme e forte para cumprir tabela, ou fraco/forte para viver vivendo plenamente?


Firme e forte para cumprir tabela, ou fraco/forte para viver vivendo plenamente?
(Madrugada de 5 de junho de 2015)

É, é por pouco. Às vezes a vida nos beija, e com vontade. Tento todos os dias roubar esse beijo, fazer graça e soltar minha melhor cantada. Às vezes dá certo, outras vezes não. Já passei tempos sem falar muito com a vida, meio que “dê mal”, sabe?! Foram épocas que eu empurrava com a barriga, apenas vivia e já era o suficiente. Foram tempos duros, pesados, duraram quase uma década. Mas depois veio a forra. Aliás, antes mesmo desses “tempos” eu já me antecipei e vivi o suficiente para deixar a forra garantida. Nem necessitaria haver um Eu posterior... Mas houve e há. Penso que muita gente deve estar vivendo o que vivi nos sete ou oito anos que fui abduzido pela inconsequência e também inconsciência das coisas. Mas não vamos nos enganar... Muita gente é abduzida com consciência e com responsabilidade. Existe sim, e muitos. Viver levando a vida sem viver é muito comum e beira o imperceptível; é como estar no fundo do mar, ou da piscina, e não perceber que está molhado – pois já é natural de tão rotineira que é a coisa. Eu, por outro lado, fiz de tudo para ser percebido; principalmente por mim. Mas era o paradoxo: quanto mais eu me tornava óbvio, mais eu me distanciava do entendimento. Bem, isso já passou. Hoje tento fazer justamente o contrário, e o primeiro passo para tal é apenas saber que está feliz e bem. Pisando em solo lunar ou terrestre ou voando ou aterrissando ou aproveitando essa licença poética... sigo no sinal verde e atravesso no vermelho quando não há pedras em minha direção. Barganhar com a vida não funciona – já tentei muitas vezes –, a gente engana a todos ao redor (muitos enganam até a si próprios), mas enganar a vida é extremamente difícil: não no nosso mundo; não no nosso corpo; não com nossa consciência absoluta; não estando sã. Às vezes a vida nos beija, e é nessa hora que temos que aproveitar e ir à cópula – com carinho e vagarosamente – com jeito e sem alarde – com devoção e fé. Para sair da abdução tive que conhecer outros planetas e entender e achar meu caminho de volta. Comigo foi assim, não foi fácil nem difícil, e foi no tempo que tinha que ser. A meu ver cada caso é um caso, e cada um requer um entendimento diferente do momento; o mais importante é sempre o autoconhecimento, se conhecer... Caso contrário estará vivendo sua vida só para “cumprir tabela” ou estará vivendo uma vida paralela, onde já morreu e esqueceu-se de deitar.

14 de dezembro de 2017

Das Loucuras (tá com sede? dorme com a mulher na rede)


Das Loucuras (tá com sede? dorme com a mulher na rede)

Ela aprontou as flechas, preparou a catapulta...
Os ritmos eram pesados, mas de bom tamanho.
No sonho uma reluzente armadura: serpente mordendo a fruta;
Na realidade, todos os seus sonhos: rios, praias e banhos.

Olhos castanhos, e fixos, e retos, e é à resistência,
Desce de seu salto, solta, e acha resiliência.
Muita ideologia tatuada na alma; no braço Frida Kahlo.
Há muito não faz a cama; há pouca calma nessa aparência.

Paixão de reminiscência antiga; atira sem clemência.
Com gíria: ela jamais passou batida.
Sem gíria: é quente/fria, ponto final.
Deixou marcas, rasgou-se, encarou e venceu o mal...
Os bons sentiriam sua ausência.

Hoje (nunca) não há insolência, há sim amores...
Dinheiro nunca a fez tornar-se burguesa,
Civilidade e ferocidade – ambiguidade sob controle.

Amanhã, quiçá, escolha e coroe novas rainhas...
Ou continuará sendo a soberana de sempre.
Aos céus o azul; aos mares o sal; aos campos as vinhas...
Ao mundo a escolha do que fará com seu ventre.

André Anlub
(14/12/17)

13 de dezembro de 2017

O Vinícius do Século XIII

Soneto LXXXVI
Cecco Angiolieri

Se eu fosse fogo, arderia o mundo;
se fosse vento, eu o arrasaria;
se fosse água, eu o afogaria;
se fosse Deus, o mandava ao profundo;

se fosse papa, rindo-me jucundo,
a todos os cristãos enganaria;
se fosse imperador, o que faria?
Às cabeças daria fim rotundo.

Se fosse morte, o meu pai encontrava;
se fosse vida, dele estava ausente:
do mesmo modo a minha mãe tratava.

Se fosse Cecco, como era e sou sempre,
só as mulheres bonitas tomava:
as feias deixaria a outra gente.

Trad. Marcelo Bueno

12 de dezembro de 2017

À francesa


À francesa

Assim se diz paixão: ardente e única
Na pluma que cai no silêncio, e aos ouvidos insiste...
Na fleuma fina que com nada se parte
Aparte à parte da razão que inexiste.

Assim se diz mistério: ela e amanhã
Na ação e ressurreição dos sentimentos subtraídos
Atraídos ao sim – ao não, ao tanto – ao pouco
Louco varrido, desgarrado e desvalido – sã.

Assim nada feito: saída singela à francesa
Comida à mesa, sem fome – olhos atentos à cegueira
Sem eira nem beira, novamente entregue ao caminho...
Sem afã, à procura, abraços ao vento – lento redemoinho.

11 de dezembro de 2017

Ótima terça aos amigos



"(...) Música clássica? É Mozart, Bach, Beethoven! Você sente o poder desses nomes, mas não vê que está delegado somente a eles o poder de definir o que é a música erudita.
É curioso a gente observar como apenas hoje, a partir da tentativa de um resgate do papel da mulher na história, começamos a ter uma vaga noção da participação delas.
Ainda mais curioso é nos darmos conta de que as 'mulheres' mais conhecidas da música clássica são músicas. 'Fur Elise', do Beethoven. 'O pequeno livro de Anna Magdalena', do Bach. Curiosamente, essas músicas, inclusive os autores dela, Beethoven e Bach, nasceram depois de Maddalena Casulana, a primeira compositora a ter uma obra impressa e publicada no ocidente.
E pode ficar muito mais curioso (para não dizer mais triste) quando as estatísticas nos dizem que mulheres consomem mais cultura que os homens. Leem mais, visitam mais museus, teatros, etc. Mas se você analisar os dados, são os homens que continuam a comandar os museus, a literatura e o teatro.
Mulheres consomem e participam mais da cultura, mas a cultura não é feita para elas e nem por elas. Mesmo nas orquestras mais equiparadas, os regentes são homens.
Na verdade, aquele montinho ali embaixo do tapete é a história delas, que foi escondida.
Cuidado para não pisar em cima." - @diogobatalha


Três matérias sobre o Mercado de Fakes - Importante!


Exclusivo: investigação revela exército de perfis falsos usados para influenciar eleições no Brasil
Juliana Gragnani
Da BBC Brasil em Londres ---> Aqui


Ainda que ilegais, as fazendas de bots no Facebook ajudam políticos e marcas a ganharem relevância em troca de milhares de reais.
----> Aqui



Jonh Azevedo estava sempre cansado. Em dois meses, disse 20 vezes a seus seguidores do Twitter que era hora de repousar: "Descansar, que amanhã será um longo dia, boa noite", "Descansar, que hoje foi um dia bastante cansativo. Boa noite", "Descansar depois desse longo dia de trabalho, boa noite a todos".  ----> Aqui

Corpos



Corpos

Entre quatro paredes geralmente não há frio
Como as palavras que bem encaixadas se tornam um samba
Correnteza lenta que desce sem fim o rio
Entre as pernas, pedras, contornos e subornos...
Calafrio.

As sensações misturam-se em desvairo
Não mais se sabe os inícios, os meios e os fins
Lençóis em êxtase e o leito em vida
Malabaristas tântricos se travestem de querubins.

O tempo é dedicação e ternura
A luxúria e o reto da ação se fazem tortos
O absorto é de pura candura
Corpos que se tocam vivos não se entregam mortos.

10 de dezembro de 2017

Das Loucuras (tá com fome? mata um homem e come)


Das Loucuras (tá com fome? mata um homem e come)

Procura em seu medo a resposta de quem era em seu meio
A nova feia fera enfrenta o mundo com a faca nos dentes.
Tiro no peito, dor de cotovelo e o amor que nasce na gente.
A visão nada rente, a maçã e a serpente e sua alma “for sale”.

Posto em prova, disposto em pé com sua prosa;
Pau Pereira no copo e nas mãos magras um tridente.
Visa vencer qualquer besta, toda a busca, nenhuma bosta...
Mete o nariz onde não deve; mata o que vier pela frente.

A seriedade do seu mundo sobressai na ligeireza da escrita:
Vê-se morto na cripta e vivo decrépito...
Não se entrega nem por decreto.

Decorou direitinho sua guerra, conhece de cor os cadetes;
Abre sua boca danada, lança seu grito, lança uma granada.
Sua vida sobressalente; é ciente que não dá em nada,
Vê que sua mente é empregada servindo café aos doentes.

Jamais deu importância às suas feridas
Mergulhado como agulha na filosofia de Platão.
Entrega-se aos deuses tortos de suas linhas,
E as vinhas de qualquer céu de plantão.

André Anlub
(10/12/17)

Ótimo domingo!


O Funeral da Reforma Agrária: arte e política em 1964

"Prefiro ter a vida como inimiga, a ter na morte da vida, minha sorte decidida” (Gilberto Gil, Viramundo, música composta um ano após o golpe militar).

"Há um elemento na “natureza” humana que não nos permite dissociar arte e política, os afetos. Ambos, cultura e poder, apelam para a razão, mas alcançam as emoções. O poder atravessa o ser humano e produz efeitos ambíguos. Ora reprimindo, ora mostrando o caminho da emancipação. Seja como for, a política atinge o sujeito no seu íntimo e produz emoções conflitantes. A opressão pode levar ao desejo pela liberdade ou à melancolia e à resignação. Essa gangorra afetiva não age apenas no âmbito individual, mas também na esfera social, no coletivo. Uma atmosfera social de certezas, de fé e de euforia, produz esperanças que, caso frustradas, podem ser vertidas em profunda decepção.
Os avanços e recuos do jogo político, sobretudo em momentos de alta intensidade como os anos 1960, produzem fortes sentimentos que são extravasados na forma de arte. A relação entre estética e poder deve ser entendida como uma avenida de mão dupla. De um lado, é possível perceber o quanto o ambiente social transforma a cultura; mas, de outro, a produção artística tem o poder de mostrar às pessoas que outra realidade é possível. Portanto, a arte é também transformadora, ela é afetada e afeta os rumos da política. A arte tem o poder de subverter o poder.
Um dos períodos mais emblemáticos para entendermos essa relação é o golpe militar de 1964. A derrubada de Goulart não foi somente o fim de um governo, mas de um projeto, de um momento da história brasileira em que homens e mulheres sonhavam com a justiça social. O golpe foi forte, certeiro e sepultou nossas esperanças.
Mas, na época, nada disso estava claro. Muitos brasileiros pensavam que a intervenção seria curta e que, em breve, as lutas sociais voltariam. Outros, talvez pela sensibilidade, tinham uma percepção diferente e transmitiam a sensação da solidão presente no momento em que a festa termina e os convidados seguem suas vidas, deixando apenas vestígios de um momento de alegria que se acabou, que é parte do passado, que se perdeu.
Havia uma única certeza, como cantará Elis Regina anos depois, “nada será como antes amanhã”. Mas como as coisas ficariam, depois de um trauma tão grande, ninguém sabia ao certo. Num cenário de tantas incertezas, a razão é incapaz de nos orientar. Restando-nos as emoções, os sentimentos. Os afetos, porém, em muitas ocasiões, são proféticos.
A música brasileira produzida em 1964 oscilava entre a esperança da resistência e a melancolia da perda. Ambos estavam certos. Essa foi a história da ditadura, um misto de perda e luta. De destruição e reconstrução. No início dos anos 1960, os brasileiros acreditavam num país mais justo e tinham um projeto para alcançar tal destino, as reformas. Na segunda metade desse mesmo decênio, perdemos o projeto, mas não os sonhos.
Três canções – a primeira pré-golpe, Hino da Reforma Agrária (autor desconhecido); as outras duas pós-64, “Funeral do Lavrador” (Chico Buarque) e Sina do Caboclo (Nara Leão) –, nos ajudam a sentir, mais de cinco décadas depois, um pouco do impacto que representou o abrupto corte na política brasileira. Poucos anos separam as composições, porém, as escolhas estéticas nos indicam que algo muito forte havia acontecido. O que exatamente?
A reforma agrária pode ser considerada o grande tema político do Brasil na segunda metade do século XX. Até 1980 éramos um país majoritariamente agrário. Nossa história também foi marcada, desde os primeiros anos, pela formação dos chamados “latifúndios”. A concentração de terra era vista como a fonte do poder de poucos e da opressão de muitos. Mas nada estava perdido, o caminho estava traçado. A solução viria da reforma, da redistribuição da terra. Esse era, com efeito, o maior sonho do Brasil pré-golpe. Em torno dele, os camponeses se organizaram em ligas e em sindicatos. O Hino da Reforma Agrária expressava tais anseios e conclamava os camponeses a lutarem pelo seu pedaço de chão. O ritmo, marcial, cadenciado, havia sido construído para transmitir a sensação de movimento, de progresso e de evolução. O homem rural avançaria, em direção à reforma agrária, como uma tropa no meio da batalha. Essa era a imagem. Como na guerra, era preciso colocar-se em movimento, avançar para o outro lado recuar.
Romantismo em excesso, porém, ofusca a visão e esconde os perigos. O avanço pode deixar a retaguarda desguarnecida e o contra-ataque é fulminante. E foi. Em poucos dias, os militares estavam no poder, os sindicatos rurais perseguidos e os camponeses ativistas presos e torturados. A reforma agrária, que, dizia-se, seria o destino do homem explorado, enterrada. Havia um objetivo, um fim, mas este era uma miragem que, em instantes, havia desaparecido. O que fazer?
O que sobraria para o homem do campo? Sem a esperança da justiça, da emancipação, restaria a velha e dura realidade de sempre. Trabalhar para sobreviver, sobrevier para trabalhar, a espera do momento da morte e do esquecimento.
Os hinos saem do cenário cultural brasileiro, em seu lugar, entra a MPB. O ritmo agora era fúnebre. Nara Leão fala da “Sina do Caboclo”. O mesmo camponês do Hino da Reforma Agrária, que trabalhava com a certeza de que dias melhores logo chegariam, ressurge sem esperança. Ao caboclo, como no mito de Sísifo, resta o trabalho árduo, pois esse é o seu destino. Não há sentido, não há luta, apenas o curso natural da vida. Ele nasceu para ser explorado. E a esperança? Essa não existe, pelo menos no mundo rural. Lá, a batalha foi perdida. Se o caboclo quiser ter o direito de sonhar novamente, será preciso, mesmo com os olhos cheios de água, buscar outros horizontes, outras terras, outros senhores.
A reforma agrária estava enterrada. No mesmo ano, um jovem e, na época, pouco conhecido Chico Buarque decretava o fim do sonho. “O Funeral do Lavrador” é a imagem do enterro das esperanças no campo. O lavrador lutou pela sua parte no latifúndio e o que havia recebido? Qual parte seria sua por direito? Chico responde:
Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a parte que te cabe deste latifúndio 
(Funeral do Lavrador, Chico Buarque)
Sem justiça, sem terra, sem luta, sem esperança. Esse era o Brasil de 1964, que, como o caboclo, seguia seu triste destino histórico de país injusto e desigual. Triste sina. Triste velório dos nossos ideais. Triste luto.
Mas não há dor eterna. Nossas reformas foram enterradas, o fato estava consumado, o que fazer depois do luto? Se a melancolia leva a paralisia, a inação produz tédio, angústia que, por sua vez, clama por movimento. O abismo da política afundou a arte na depressão, mas os artistas logo reagiriam. Já em 1964 começaram a aparecer músicas mais agressivas, mais rasgadas. A raiva também é um sentimento potente, político, transformador.
O sertão era tanto a terra do triste caboclo, quanto do altivo carcará, ave de rapina, acostumada a suportar as intempéries de um ambiente inóspito, hostil e sobreviver. Maria Bethania avisava aos que comemoravam a vitória: “Carcará, pega, mata e come/ Caracará não vai morrer de fome” (Carcará, 1964).
Se a volta da “escravidão” nos imobilizava, Edu Lobo nos lembrava de Zumbi dos Palmares, escravo que nunca aceitou seu destino; “chega de viver na escravidão/ é o mesmo céu/ o mesmo chão/ o mesmo amor/ a mesma paixão” (Zumbi no açoite). Sim, estávamos sobre o mesmo chão de zumbi, movidos pela mesma paixão pela liberdade e, seguindo o exemplo do mártir negro, era preciso resistir.
O sonho da emancipação foi substituído pela raiva rasgada da resistência. Liberdade e resistência são afetos, por excelência, políticos. Estávamos debaixo do mesmo céu que cobria o quilombo dos palmares, movidos pelas mesmas paixões. Dessa vez a história não seria diferente, haveria luta. Se o destino nos reservava o mesmo fim de Zumbi, era impossível prever, a única certeza era que o futuro poderia ser construído, não precisaria ser uma triste sina.
Era hora de o caboclo enxugar as lágrimas. A política afundou a arte na escuridão do abismo. Mas ele tinha um fundo e, quando a vertigem da queda foi substituída pela segurança de um solo para pisar, nosso artistas nos lembraram que, caso olhássemos para outra direção, perceberíamos que no topo havia luz. E, se quiséssemos claridade, precisaríamos nos mexer. O caminho seria duro, longo, mas nunca deixamos de nos movimentar.
Em 1964 a política deu um duro golpe de realidade no romantismo da arte. Após esse primeiro baque, a arte, ao romantizar a realidade dura, deu sentido ao caos. A maré, aos poucos viraria, e as vicissitudes do poder deixaria de conduzir os rumos estéticos da cultura e a arte iniciaria a reação que conduziria o país na direção de outra realidade. Sim, 1964 foi o início de uma longa e difícil ditadura, mas também marcou a emergência de novos sonhos e de novas lutas. Como dizia Gilberto Gil: era preferível ter “a vida como inimiga, a ter na morte da vida, minha sorte decidida” (Viramundo).
Abril de 1964 mostrou aos brasileiros que a história não é linear. A arte, porém, nos lembrou que o mundo roda e a vida gira. Se o Brasil estava de ponta-cabeça, precisávamos rodopiar. Viramundo, roda a porta estandarte, roda meu povo eram as imagens presentes nas letras do compositor baiano. Todos queriam girar, rodopiar, na esperança que a Roda Viva (Roda Viva Chico Buarque) nos levasse para bem longe. Nesse turbilhão, Chico Buarque nos consolava afirmando que, mesmo com o sentimento de “quem partiu ou morreu”, nós ainda queríamos ter voz ativa.
O mundo, de fato, havia crescido. Mas o povo brasileiro também. A banda passou (A Banda, Chico Buarque) deixou seu recado, os brasileiros ouviram e se colocaram em movimento mais uma vez. Seja “caminhando, cantando e seguindo a canção”, seja rodopiando, “nas voltas do coração”, o importante era não ficar estático.
Se sofrer é a sina do caboclo, resistir é a sua única alternativa. É o destino do povo brasileiro."

- Eduardo Migowski

Biografia quase completa






Escritor, locador, vendedor de livros, protético dentário pela SPDERJ, consultor e marketing na Editora Becalete e entusiasta pelas Artes com uma tela no acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MAC/BA)

Autor de sete livros solo em papel, um em e-book e coautor em mais de 130 Antologias poéticas

Livros:
• Poeteideser de 2009 (edição do autor)
• O e-book Imaginação Poética 2010 (Beco dos Poetas)
• A trilogia poética Fulano da Silva, Sicrano Barbosa e Beltrano dos Santos de 2014
• Puro Osso – duzentos escritos de paixão (março de 2015)
• Gaveta de Cima – versos seletos, patrocinado pela Editora Darda (Setembro de 2017)
• Absolvido pela Loucura; Absorvido pela Arte
(Janeiro de 2019)

• O livro de duetos: A Luz e o Diamante (Junho 2015)
• O livro em trio: ABC Tríade Poética (Novembro de 2015)

Amigos das Letras:
• Membro vitalício da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba (RJ) cadeira N° 95
• Membro vitalício da Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura da Embaixada da Poesia (RJ)
• Membro vitalício e cofundador da Academia Internacional da União Cultural (RJ) cadeira N° 63
• Membro correspondente da ALB seccionais Bahia, São Paulo (Araraquara), da Academia de Letras de Goiás (ALG) e do Núcleo de Letras e Artes de Lisboa (PT)
• Membro da Academia Internacional De Artes, Letras e Ciências – ALPAS 21 - Patrono: Condorcet Aranha

Trupe Poética:
• Academia Virtual de Escritores Clandestinos
• Elo Escritor da Elos Literários
• Movimento Nacional Elos Literários
• Poste Poesia
• Bar do Escritor
• Pé de Poesia
• Rio Capital da Poesia
• Beco dos Poetas
• Poemas à Flor da Pele
• Tribuna Escrita
• Jornal Delfos/CE
• Colaborador no Portal Cronópios 2015
• Projeto Meu Poemas do Beco dos Poetas

Antologias Virtuais Permanentes:
• Portal CEN (Cá Estamos Nós - Brasil/Portugal)
• Logos do Portal Fénix (Brasil/Portugal)
• Revista eisFluências (Brasil/Portugal)
• Jornal Correio da Palavra (ALPAS 21)

Concursos, Projetos e Afins:
• Menção Honrosa do 2° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Brava Gente Brasileira”.
• Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Amor do Tamanho do Brasil”.
• Menção Honrosa do 5° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Quem acredita cresce”.
• Menção Honrosa no I Prêmio Literário Mar de Letras, com poetas de Moçambique, Portugal e Brasil, ficou entre os 46 primeiros e está no livro “Controversos” - E. Sapere
• classificado no Concurso Novos Poetas com poema selecionado para o livro Poetize 2014 (Concurso Nacional Novos Poetas)
• 3° Lugar no Concurso Literário “Confrades do Verso”.
• indicado e outorgado com o título de "Participação Especial" na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas/Salvador (BA).
• indicado e outorgado com o título de "Talento Poético 2015" com duas obras selecionadas para a Antologia As Melhores Poesias em Língua Portuguesa (SP).
• indicado e outorgado com o título de Talento Poético 2016 e 2017 pela Editora Becalete
• indicado e outorgado com o título de "Destaque Especial 2015” na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas VIII
• Revisor, jurado e coautor dos tomos IX e X do projeto Poesias Encantadas
• Teve poemas selecionados e participou da Coletânea de Poesias "Confissões".
• Dois poemas selecionados e participou da Antologia Pablo Neruda e convidados (Lançada em ago./14 no Chile, na 23a Bienal (SP) e em out/14 no Museu do Oriente em Lisboa) - pela Literarte

André Anlub por Ele mesmo: Eu moro em mim, mas costumo fugir de casa; totalmente anárquico nas minhas lucidezes e pragmático nas loucuras, tento quebrar o gelo e gaseificar o fogo; não me vendo ao Sistema, não aceito ser trem e voo; tenho a parcimônia de quem cultiva passiflora e a doce monotonia de quem transpira melatonina; minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; otimista sem utopia, pessimista sem depressão. Me considero um entusiasta pela vida, um quase “poète maudit” e um quase “bon vivant”.

Influências – atual: Neruda, Manoel de Barros, Sylvia Plath, Dostoiévski, China Miéville, Emily Dickinson, Žižek, Ana Cruz Cesar, Drummond
Hobbies: artes plásticas, gastronomia, fotografia, cavalos, escrita, leitura, música e boxe.
Influências – raiz: Secos e Molhados, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Jorge Amado, Neil Gaiman, gibis, Luiz Melodia entre outros.
Tem paixão pelo Rock, MPB e Samba, Blues e Jazz, café e a escrita. Acredita e carrega algumas verdades corriqueiras como amor, caráter, filosofia, poesia, música e fé.