30 de outubro de 2020

Manhã de 1 de janeiro de 2016

 


Manhã de 1 de janeiro de 2016


Nada como um peixe após o outro... um anzol no meio... e nada bem. Depois dos percalços vividos ficam calos e vestígios... carrego os ossos do ofício, com mais cálcio e cuidado; cuidado... na minha vida não entre sem aviso! Já na estrada, na esteira estreita do caminho desconhecido; voo de encontro ao mar e a mim mesmo; vou mergulhar nos mistérios de algo novo que na verdade é eco presumidamente vivido e esperado. Talvez absolvição, quiçá apenas passo à frente, colocando um tijolo na parede e milhões de batidas no coração. Chegou minha vez, outra vez, já é quase sempre; sorriso de orelha a orelha no misto de querer a vez com a poesia em excelência e essência. É bom demais, é gratidão, é usufruto, é ‘usufarto’. Olhar por cima do muro é xarope de bom humor concentrado, em estado sólido, massageia a alma e retoca a alegria; é o presente que se auto desembrulha. No final das contas, quando acabar o espetáculo, as lonas forem recolhidas, o circo enfim desarmado, a mulher barbuda faz a barba, o mágico erra a mão em fim trágico, o elefante faz dieta e fica magro, o leão domesticado, o equilibrista inebriado com a garrafa de vodca no sovaco, o anão vira rei num seriado, o atirador de faca é esfaqueado; no final do espetáculo... o único risonho é o Palhaço. Minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; a vida é um teatro e faço de tudo para valer a pena; vivo na coxia, mas de quando em quando entro em cena. O Sol canta de galo; a lua canta de Gal. Não se fala em outra coisa; pelo menos aqui dentro da cachola redonda em cima desse pescoço cilíndrico, em cima da boca falante, sem educação; em cima das tatuagens matreiras, do corpo que já foi magro, foi trato, foi gordo; e assim roubou o sonho que havia sonhado, o bando bandido de aves que se diziam bem-vindas, traídas e atraídas ao céu enevoado. Estavam ligadas ou não no lance? Metendo o bico aonde não foram chamadas? Aves tudo podem! Há uma crença do cresça e apareça, depois meça sua largura, some com sua altura e esqueça o resultado... apenas descubra se o lago transborda... e quando as águas rolarem e os peixes sufocarem, apenas exponha se ainda é bem quisto ou preferia continuar sendo menino. Vê-se o translouco atravessando a ponte; só se é louco de perto, pois de longe se é pouco – não se importuna – ou se é monge, ou se ruge a face, rubra o rosto, range os dentes ajeitando os dedos: não se fala em outra coisa; pelo menos nesse passar das horas de supernovas, de supernovos, que seja pouca, mas a voz até que sai; no início fez-se o sacrifício de ser tudo sem nada ser; no meio tempo eram máscaras que caiam, disfarces, Descartes e sua filosofia certeira; no fim o grito não saiu vazio, o som se fez em música indo à noite, indo à cama, na farra, no banho sem sonho, sem rumo e sem par. Minha base é estar voando parado em tudo quanto é lugar; não se pensa em outra coisa.


André Anlub


Bonifrate

 As minhas mais longas retóricas

são os amores que carrego na alma

afunilam na mão e na boca 

e despontam pelos meus dedos trêmulos

e minha língua inquieta.


Bonifrate


Nem imagino por onde é o começo

quiçá pela dor que corrói em saudade

nessa idade que se iniciou o apreço

que migrou para incontrolável vontade.


Decompondo o corpo de bonifrate (brinquedo)

trazendo a pior das tramas do enredo.


O coração tornou-se ferro e ferrugem

carecendo do óleo quente da amargura

talvez o erro de almejar o impossível

senão a demência de só ver a negrura.


Não tenho mais rotatividade na alma

velho, meu coração anda torto

e o porto que há muito tempo vazio

expõe os corais de um amor absorto.


André Anlub®

27 de outubro de 2020

Poemas de Sylvia Plath





O Jardim da Casa de Campo

Dois Panoramas de uma Sala de Cadáveres

Turno da Noite

Semear

A Partícula na Visão

Hardcastle Crags

Fauno

Partida

O Colosso

Lorelei

Point Shirley

O Touro de Bendylaw

Todos os Mortos Queridos

Consequências Pessoais

As Pessoas Magras

Suicídio em Egg Rock

Cogumelos

Eu Quero, Eu Quero

Aguarela de Granchester Meadows

A Despedida do Fantasma

Um Navio no Inverno

Para Sempre Nas Profundezas

Tristes Toupeiras

Canção da Prostituta

Homem de Negro

Encantador de Serpentes

O Eremita da Casa Mais Longínqua

As Musas Inquietantes

Medalhão

Os Males Sociáveis

Nascer da Lua

Solteirona

Outono das Rãs

Caçadora de Mexilhões em Rock Harbor

A Filha do Apicultor

A Época é Próspera

As Termas Queimadas

Escultor

Notas de Flauta Vindas de um Lago com Canaviais

As Pedras

 

 

O Jardim da Casa de Campo

Os fontanários secaram e as rosas murcharam.

Incenso de morte. O teu dia aproxima-se.

As peras engordam como pequenos budas.

Uma névoa azul arrasta o lago.

 

Moves-te através da era dos peixes,

Os séculos presumidos do porco –

Cabeça, dedo do pé e da mão

Saem da sombra. A História

 

Nutre estes caules quebrados,

Estas coroas de acantos,

E o corvo assenta-lhes as vestes.

Herdas tempo puro, a asa de uma abelha,

 

Dois suicídios, os lobos da família,

Horas vazias. Algumas estrelas áridas

Já amarelecem os Céus.

A aranha no seu próprio fio

 

Atravessa o lago. Os vermes

Abandonam as suas habitações comuns.

Os passarinhos convergem, convergem,

Trazendo presentes para um nascimento difícil.

 

Dois Panoramas de uma Sala de Cadáveres

O quadro de Brueghel referido é «O Triunfo da Morte». [N. T.].

 

1

 

No dia em que ela visitou a sala dos dissecados

Eles tinham estendido quatro homens, negros

como peru queimado,

Já meio decompostos. Um vapor avinagrado

Dos tonéis da morte prendia-se a eles;

Os rapazes de bata branca começaram o trabalho.

A cabeça de um cadáver ruiu,

E ela mal distinguiu

Algo, naquele cascalho de placas cranianas e

cabedal coçado.

Que um pedaço amarelento de corda atava.

 

Nos seus frascos, os bebés com narizes de caracol

brilham, com ar imaginário.

Ele mostra-lhe o coração insensível

como um bem fendido e hereditário.

 

2

 

No panorama de Brueghel, de fumo e carnificina

Há só duas pessoas cegas face à tropa de carne

putrefacta:

Ele, boiando no mar da saia de cetim azul

Dela, canta na direcção

Do ombro nu dela, enquanto ela se curva,

Folheando uma pauta de música, sobre ele,

Ambos surdos, face ao violino nas mãos

Do crânio que lhes ensombra a canção.

Estes amantes flamengos florescem; mas por

muito tempo, não.

 

Ainda assim, o desalento, atolado em tinta, poupa

a pequena paisagem campestre

Tola, delicada, no canto inferior direito.

 

Turno da Noite

Não era um coração, batendo.

Esse ressoar reprimido, esse clangor

Ao longe, não era o sangue nos ouvidos

Esse tambor em crescendo, e febre

 

Impondo-se à noite.

O ruído vinha de fora:

Metal detonando-se

Nativo, é evidente, destes

 

Serenos subúrbios: ninguém

Se assustou, embora o som

Abanasse o chão com o seu pulsar.

Insistindo em me procurar

 

Até que a sua origem surda se expôs,

Confundida por especulação inepta:

Emoldurada por janelas da fábrica prateada

Da Main Street, imensos

 

Martelos erguidos, rodas girando,

Adiadas, deixam tombar a sua vertical

Tonelagem de metal e madeira;

Atordoavam a medula. Homens de branco

 

Camisolas interiores em círculo, cuidando

Sem parar daquelas máquinas oleadas,

Cuidando, sem parar, do insípido e

Infatigável facto.

 

Semear

«Sow» significa ao mesmo tempo «semear» e «porca adulta». [N. T.].

Brobdingnag: Terra imaginada por Jonathan Swift (As Viagens de Gulliver) [N. T.].

 

Deus sabe como o nosso vizinho criou

A sua grande porca adulta:

Fosse qual fosse o engenhoso segredo,

Ele ocultou-o

 

Do mesmo modo

Que manteve o animal – longe de olhares públicos,

Faixas de prémios, da exposição habitual.

 

Mas num anoitecer, decidimos visitar, após dúvidas e

conversa,

À luz da lanterna,

O seu labirinto de celeiros, até ao lintel da porta da

pocilga submersa

 

Para a admirarmos:

Não era um aleitamento de porcelana, crivado de rosas

e cotovias

Com a ranhura de uma moeda

 

Para crianças poupadas, nem uma tola criação de

porcos, à qual gritar e troçar,

Prestes a ser

Glorificada pelo primor da carne e dourado crepitar

 

Num halo de salsa;

Nem sequer uma das comuns porcas de celeiro,

Manchadas de lama, desleixadas,

 

Mastigando plantas e ervas, com vaivém de

focinho –

Tonel inchado de leite,

Inquieta, cercada por uma ninhada de pezinhos

apressados

 

Berrando com ansiedade

Parando para um gole nas tetas róseas. Não.

Esta Brobdingnag vasta e pesada,

 

Esta porca indolente, naquele negro adubo, de

barriga deitada,

De olhos apáticos e rotineiros

Filmados num sonho. O que a visão de ancestrais

suínos provocava,

 

Deveria espantar por completo

A grande patriarca! – o nosso prodígio brasonaria

um cavaleiro

De elmo, de couraça,

 

Desmontado e esfarrapado no campo de batalha

Por um sinistramente eriçado

Javali, fabuloso a ponto de saciar o cio daquela

porca.

 

Mas o nosso agricultor assobiou,

Então, com um punho jovial, bateu no cano

da arma

E o verde matagal acastelado,

 

O porco, cedeu, deixando a lenda como lama seca,

pingar, lentamente, grunhido

Após grunhido, no alto da luz vacilante, moldando

 

Um monumento

Prodigioso de glutões, como aquela porca cuja

carência

Originou uma Quaresma carente

 

De restos de cozinha, e tolerando sem coação,

Começou a beber avidamente

Os sete mares cavados e todos os tumultuosos

continentes.

 

A Partícula na Visão

Inocente como a luz do dia, eu olhava

Para um campo de cavalos, pescoços curvados,

crinas ao vento,

Caudas ondulando sobrepostas ao verde

Pano de fundo de sicómoros. O sol batia

Nos pináculos brancos de capelas, acima dos

telhados,

Dominando os cavalos, as nuvens, as folhas

 

Sempre enraizados, ainda que todos flutuassem

Para longe, à esquerda, como canas num mar

Quando o fragmento voou e entrou-me na vista,

Aguilhoando-a, turvando-a. Depois via

Uma mistura de contornos a uma chuva quente:

Os cavalos deformaram-se no verde transformado,

 

Remotos como camelos ou unicórnios,

Pastando na margens de um mau monocromo,

Bestas de oásis, melhores dias.

Ferindo-me a pálpebra, a particulazinha arde:

Cinza rubra em redor da qual eu,

Os cavalos, os planetas e os pináculos giram.

 

Nem as lágrimas ou o apaziguador jorrar

De água nos olhos removem a partícula:

Ela fixa-se, e fixou-se uma semana.

Vivo com a presente irritação como a carne,

Cega para o que será e para o que foi.

Sonho que sou Édipo.

 

O que quero de volta é o que eu era

Antes da cama, antes da faca,

Antes do alfinete da jóia e do bálsamo

Me terem firmado neste parêntesis;

Cavalos fluentes ao vento,

Um lugar, um tempo desaparecido da mente.

 

Hardcastle Crags

Vale do rio Hebden, na charneca de West Yorkshire, Inglaterra. [N. T.].

 

Como pedras, os pés dela provocaram

Tal clamor de ecos na rua acerada,

Velejando em vielas azuladas pela Lua, na negra

Aldeia de pedra, que ela ouviu o ar veloz

inflamar-se

A sua mecha e tremor,

 

Ecos de fogo de artifício, resvalando de parede

Em parede, nas escuras e anãs herdades.

Mas os ecos esmoreceram atrás dela enquanto

as paredes

Abriram caminho a campos e à incessante

ebulição de ervas

Cavalgando na plena

 

Lua, crinas ao vento,

Incansáveis, amarradas, enquanto um mar

correndo para a Lua

Se move nas suas raízes. Embora uma névoa

fantasmagórica

Suba em espirais do vale fissurado e paire

à altura dos ombros,

À frente, encorpou-se

 

Sem assumir contornos de fantasma familiar,

Nem uma palavra denominar,

A disposição apática com que ela caminhava.

Depois de passar

Pela aldeia povoada de sonhos, nos seus olhos

não transpareciam sonhos,

E a poeira do joão-pestana

 

Perdia o brilho sob dos sapatos dela.

O vento duradouro, restringindo-lhe a pessoa

A uma chama dorida, soprou-lhe o denso

assobio

Na espiral do ouvido e, como uma coroa

de abóbora com cavidades abertas,

A sua cabeça sorveu a confusão.

 

Tudo o que a noite lhe deu em troca

Pela reles dádiva do bombear e bater

Do coração, foi o corcunda e indiferente ferro

Das suas colinas e pastagens delimitadas

por pedra negra apoiada

Em pedra negra. Celeiros

 

Protegiam ninhadas e feno

Atrás de portas fechadas; as manadas de vacas

Curvavam-se no prado, mudas como grandes pedras

redondas;

Ovelhas dormitavam, blocos empedernidos, nos seus

tufos de lã, e pássaros,

Adormecidos em ramos, envergavam

 

Golas de penas graníticas, as suas sombras

Eram o vestuário das folhas. Toda a paisagem

Era imponente, vaga, absoluta como o foi o mundo

ancestral

Outrora, no primitivo oscilar de água e seiva,

Inalterado pelo olhar,

 

Suficiente para farejar o rápido

Calor tépido dela, mas antes que o peso

De pedras e colinas de pedra a reduzissem

A mera areia de quartzo, naquela luz

pétrea,

Ela voltou para trás.

 

Fauno

Nas patas traseiras, como um fauno, ele piou

Na mata de cintilar lunar e charcos gelados

Até que todos os mochos na floresta de galhos

Agitassem asas hostis, cada um olhou e meditou

No apelo que este homem fez.

 

Não houve som, apenas um ébrio pateta

Que, pela margem do rio, até casa vagueia.

As estrelas afundavam-se na água, pelo que uma fileira

De olhares, estrelas duplas, acenderam os

Ramos onde os mochos repousavam.

 

Olhos amarelos, uma arena

Observou o vulto inconstante e delineado

Viram pé enrijecer-se, transformado em casco,

viram nascer-lhe

Chifres de bode. Repararam como deus ascendeu

E, com tal ar, protegido pelo matagal, galopou para

fora de cena.

 

Partida

Os figos da figueira do pátio estão verdes;

Também verdes as uvas da videira verde

Ensombrando os azulejos cor de tijolo do alpendre.

O dinheiro acabou.

 

E como a Natureza, sentindo isto, combina

o seu azedume.

Sem dádivas, sem mágoas, é assim o nosso adeus.

O sol brilha em milho verde.

Gatos brincam nas espigas.

 

A lembrança não suavizará tal penúria –

O bronze do Sol, o oxidar do aço lunar,

A escória plúmbea do mundo –

Mas exporá sempre

 

O pontão de rocha rugosa escudando a baía

azul da aldeia

Contra o qual o peso do mar exterior

Embate, brutal, incessante.

Poluído por gaivotas, é uma cabana de pedra

 

Desnuda o seu baixo lintel ao tempo corrosivo:

Para lá daquele pontão de rocha ocreosa

Bodes vagueiam, sombrios, de pêlo repelente,

Para lamberem o sal do mar.

 

O Colosso

Referência mitológica à Trilogia de Oréstia: Agamemnon, The Libation-Bearers e The Furies de Aeschylus (525-456 A.C.) [N. T.].

 

Nunca te conseguirei reunir inteiramente,

Unido, colado, e apropriadamente ligado.

Relinchar de mula, grunhido de porco e cacarejo

vulgar

Saem sem parar dos teus grandes lábios.

É pior do que uma capoeira.

 

Talvez te aches um oráculo,

Porta-voz dos mortos, ou de um deus ou

outro.

Há já trinta anos que labuto

Para dragar o lodo da tua garganta.

Não aprendi nada.

 

Escalando pequenas escadas com frascos de cola

e baldes de anti-séptico

Rastejo como uma formiga carpideira

Sobre as vastidões de ervas daninhas da tua testa

Para remendar as imensas placas cranianas e clarear

O nítido e branco tom arqueológico dos teus olhos.

 

Um céu azul saído da Oréstia

Desenha um arco sobre nós. Oh, pai, por ti só

És sentencioso e histórico como o Fórum

Romano.

Abro o meu almoço numa colina de ciprestes negros.

Os teus ossos estriados e cabelo de acanto estão

desordenados

 

Na sua velha anarquia até ao fio do horizonte.

Seria preciso mais do que um golpe de relâmpago

Para criar tal ruína.

Noites, agacho-me na cornucópia

Do teu ouvido esquerdo, abrigada do vento,

 

Contando as estrelas rubras e as cor de

ameixa.

O sol nasce debaixo do pilar da tua língua.

As minhas horas são casadas com sombra.

Já não escuto o raspar de uma quilha

Nas pedras apáticas do cais.

 

Lorelei

Não é noite para alguém se afogar:

Uma lua cheia, rio deslizando

Negro debaixo de brando espelho a cintilar,

 

As névoas azuis da água caem

Cortina após cortina como redes

Mas os pescadores dormem,

 

As maciças torres do castelo

Duplicam-se num espelho

Tudo é quietude. Mas estes vultos flutuam

 

Sobem até mim, perturbando o rosto

Da serenidade. Do nadir

Elas ascendem, os seus membros ponderosos

 

De fertilidade, cabelo mais pesado

Que mármore esculpido. Elas cantam

Um mundo mais pleno e claro

 

Do que é imaginável. Irmãs, a vossa canção

Possui um fardo tão pesado

Que as espirais do ouvido não a escutam

 

Aqui, em terras bem conduzidas,

Por uma métrica estável.

Por harmonia deformadas

 

Para lá da ordem mundana,

As vossas vozes sitiam. Vocês

Alojam-se no afloramento das rochas do pesadelo,

 

Prometendo refúgio seguro;

De dia, improvisam das margens

Da letargia, da montanha submersa

 

E também de janelas altas. Pior

Ainda do que a vossa canção de

Enlouquecer é o vosso silêncio. Na fonte

 

Do vosso apelo de coração gelado –

Embriaguez das grandes profundezas.

Oh, rio, vejo à deriva

 

No fundo do teu fluxo de prata

Essas grandes deusas da paz.

Pedra, pedra, leva-me até lá.

 

Point Shirley

O extremo da península de Winthrop, Massachusetts. Point Shirley é uma praia de terra arenosa, que Shirley Gut (um canal estreito de águas profundas) separa de Deer Island, na qual se encontra a prisão local.

 

De Water-Tower Hill à prisão de tijolos

A areia grossa ressoa, murmurando debaixo

Do desabar do mar.

Placas de neve quebram e encapelam-se. Este ano,

A onda arenosa ultrapassa

O molhe e cai num ataúde

De moluscos aos pedaços,

Deixando uma massa salgada de gelo esbranquiçando

 

Na praia da minha avó. Ela morreu,

Ela, cuja roupa lavada aqui estalou e congelou,

A que defendia a casa contra o

Que o mar devasso, rotineiro, seria capaz.

Ondas atroadoras embalaram outrora numa dança

Tábuas de navios pela janela da cave;

Um tubarão de barbatana turbulenta, qual lança

Aninhado na cama de gerânios –

 

Num acordo secreto de elementos teimosos

Ela gastou as palhas da vassoura até ao fim.

Vinte anos tirados

Da sua mão, a casa ainda se abraça a cada

angustiante

Suporte de estuque

Os sedimentos marinhos púrpuras: do redondo

Great-Head

Ao Gut transbordante

A fria goela do mar firmou aquelas curvaturas.

 

Agora ninguém passa o Inverno atrás

Das janelas tapadas com tábuas onde ela punha

Os seus pães de trigo

E bolos de maçã para arrefecerem. O que

Sobrevive e se aflige

Tanto, sobre esta gasto e obstinado pontão de

Cascalho? As relíquias

Vomitadas pelas ondas, massas maquinais ao vento,

 

Ondas cinzentas que os patos de pescoço curto

cavalgam.

Um trabalho feito por amor, e um trabalho perdido.

Sem parar, o mar

Devora Point Shirley. Ela morreu abençoada,

E eu passo por cá

Ossos, ossos, apenas, calcados por patas, revolvidos,

Um mar com rosto de cão.

O sol afunda-se debaixo de Boston, vermelho-sangue.

 

Eu extrairia destas pedras, seixos ressequidos,

O leite que o teu amor lhes instilou.

Patos negros a mergulhar.

E embora a tua graciosidade possa fluir,

E eu possa imaginar,

Avó, as pedras nada me lembram o lar

Nem aquela pomba de espuma.

A defesa e fortaleza contra as quais corre o mar

negro.

 

O Touro de Bendylaw

O touro negro bramiu diante do mar.

O mar, que até esse dia, era regular,

Avançou contra Bendylaw.

 

A rainha ao abrigo da amoreira ficou a olhar

Hirta como uma dama numa carta de jogar.

O rei cofiou a barba.

 

Um mar azul, quatro patas de touro excitadas,

Um mar com focinho taurino que não se aquietava,

Lançou-se sobre a porta do jardim.

 

Ao longo de carreiros quadrangulares, ao sol florido

Rumo ao rugido turbulento e voltando atrás,

Correram os senhores e as damas.

 

O grande portão de bronze começou a rachar,

O mar irrompeu por cada fenda, a rachar,

Desordenado, negro azulado.

 

O touro encapelou-se, o touro acalmou-se,

Não seria amansado por uma coroa de flores

Nem por um homem sábio.

 

Oh, os campos bem cuidados do rei estão debaixo do

mar

E a rosa real na barriga do touro,

E o touro segue o percurso do rei.

 

Todos os Mortos Queridos

No Museu Arqueológico de Cambridge há um caixão de pedra do século IV D.C., contendo os esqueletos de uma mulher, um rato e uma víbora. O osso do tornozelo da mulher foi ligeiramente mordido.

 

Instalada, hirta, de costas

Com um sorriso escarninho de granito

Esta antiguidade, dama em expositor de museu

Jaz, acompanhada pelas estéreis e vistosas

Relíquias de um rato e de uma víbora

Que comeu por um dia o seu tornozelo.

 

Estes três, agora desmascarados, são

Ressequidas testemunhas

Do grosseiro jogo do comer

O qual ignorávamos se não ouvíssemos

Estrelas moendo, fragmento após fragmento,

O nosso grão até termos o rosto ossudo.

 

Como eles se nos agarram, sem barreiras,

Estes mortos, estas lapas!

Esta senhora, aqui, não é parente

Minha, mas aparentada ela é: sugará

Sangue e desejará o meu tutano, inclemente,

Para o provar. Imagino-lhe a cabeça, abstracta,

 

Enquanto do espelho de mercúrio,

Mãe, avó, bisavó

Lançam mãos feiticeiras para me puxarem

E uma imagem surge indistinta sob a superfície

do lago dos peixes

Onde o pai tolo se afundou

Com patas de pato alaranjadas, cabelo

agitado –

 

Todos os entes queridos que há muito tempo

foram: Eles

Ressurgem, apesar de tudo, em breve

Em breve: trazidos por vigílias ou casamentos

Nascimentos ou um barbecue familiar

Qualquer toque, sabor, condimento

Serve para esses foragidos cavalgarem para casa,

 

E para o santuário: usurpando a cadeira de braços

Entre tique e taque do relógio, até nós irmos,

Gullivers de crânio e tíbias cruzadas

Atormentados por fantasmas, jazer

Aprisionados com eles, para sempre, ganhando

raízes enquanto berços se embalam.

 

Consequências Pessoais

Forçados pelo íman da calamidade

Eles demoram-se e olham como se a casa

Ardida fosse deles, ou como se pensassem

Que qualquer escândalo iminente pusesse emanar

De um armário sufocado por fumo até à luz;

Não há mortes, não há feridas prodigiosas

Que saciem estes caçadores atrás de um velho pedaço

de carne,

Rasto de sangue das tragédias assombrosas.

 

Mãe Medeia de bata verde

Move-se, humilde como qualquer dona de casa através

Dos seus aposentos arruinados, recolhendo as perdas

Sapatos chamuscados, decorações ensopadas:

Enganada pela pira e a destruição,

A multidão sorve a última lágrima da mulher

e vira costas.

 

As Pessoas Magras

Elas estão sempre connosco, as pessoas magras

De dimensão escassa como as pessoas cinzentas

 

No ecrã de um filme. Elas

São irreais, nós dizemos:

 

Foi só num filme, foi só

Numa guerra, em malvados títulos de jornal, ainda

nós

 

Éramos pequenos quando eles passaram fome e

Ficaram tão esguios e não arredondaram

 

Os caules dos seus membros de novo, embora a

paz

Inchasse a barrigas dos ratos

 

Debaixo da mais malévola das mesas.

Foi durante a longa batalha contra a fome

 

Que encontraram o seu talento para resistir

Na magreza, para entrarem, mais tarde,

 

Nos nossos sonhos maus, a sua ameaça

Despida de armas, despida de abusos

 

Era apenas um magro silêncio.

Embrulhados em peles de burro repletas de pulgas,

 

Vazios de queixumes, para sempre

Bebendo vinagre de chávenas de lata: eles

envergavam

 

O insuportável nimbo do exausto

Bode expiatório. Mas uma raça

 

Tão magra, tão escanzelada não poderia

ficar-se pelos sonhos,

Não poderia permanecer vítima remota

 

No país encolhido da cabeça

Não mais do que a velha na sua cabana

de lama podia

 

Deixar de cortar carne gorda

Fora de alcance da Lua generosa

quando o astro

 

Pisava todas as noites no seu pátio

Até a faca ter aparado

 

A Lua até ser apenas uma casca uma luz ténue.

Mas as pessoas magras não se apagam

 

A si mesmas quando a o cinzento da aurora

Se azula, enrubesce, e os contornos

 

Do mundo clareiam e se enchem de

cor.

Elas persistem no quarto soalheiro: o papel

de parede,

 

Frisa de rosas aromáticas e centáureas,

empalidece

Sob os seus sorrisos de lábios magros,

 

Da sua realeza que definha.

Como eles se sustentam mutuamente de pé!

 

Nós não possuímos nenhuma vastidão fértil e

profunda

Que sirva de fortaleza contra os seus robustos

 

Batalhões. Vejam como os troncos das árvores se alisam

E perdem os férteis matizes castanhos

 

Se as pessoas magras ficam simplesmente na

floresta,

Fazendo o mundo reduzir-se a um escasso ninho de

vespas

 

E mais cinzento; sem sequer moverem os ossos.

 

Suicídio em Egg Rock

Atrás dele os cachorros quentes abriam-se e crepitavam

Nas grelhas públicas, e os ocreosos andares cor de sal,

Tanques de gasolina, montes de fábricas – aquela

paisagem

De imperfeições que as suas entranhas integravam –

Encrespava-se e pulsava no ascendente e vítreo vento.

O sol batia na água como uma maldição.

Nenhum poço de sombras para o qual rastejar,

E o seu sangue emitindo o velho tamborilar

Eu sou, eu sou, eu sou. Crianças

Guinchavam onde vagas ondulantes se desfaziam

e a espuma soprada

Se emaranhava, ripada pelo vento na crista da onda.

Um rafeiro de patas galopantes

Expulsou um bando de gaivotas que esvoaçaram

para longe do pontão de areia.

 

Ele, latente, como se completamente surdo, de olhos

vendados,

O seu corpo, uma praia onde dava o lixo do mar,

Uma máquina para respirar e pulsar eternamente.

Moscas entrando em fila pela órbita de uma raia morta

Zumbiam, assaltavam a abobadada câmara cerebral.

As palavras no seu livro rastejaram como vermes

das páginas.

Tudo cintilava como papel em branco.

 

Tudo se encolhia aos raios corrosivos do

Sol, salvo Egg Rock na decadência azul.

Ele ouviu o seu caminhar água adentro

 

As rebentações quase esquecidas, natas naqueles

recifes.

 

Cogumelos

Pela calada, muito

Castos, ponderados,

Muito sossegados

 

Os nossos pés, os narizes

Agarram a terra argilosa,

Adquirem o ar.

 

Ninguém nos vê

Nos detém, nos trai;

As pequenas sementes abrem espaço.

 

Punhos delicados insistem em

Deslocar as frestas,

O leito de folhas,

 

Até o pavimento.

Os nossos martelos, aríetes,

Sem olhos, ouvidos,

 

Perfeitamente afónicos,

Ampliam as fendas,

Forçam buracos. A nossa

 

Dieta é água,

Migalhas de sombra,

De modos dóceis, pedimos

 

Pouco ou nada.

Há tantos de nós!

Há tantos de nós!

 

Somos estantes, somos

Mesas, somos brandos,

Comestíveis,

 

Activos, insistentes

Uns contra os outros.

A nossa raça multiplica-se:

 

Pela manhã,

Herdaremos a terra.

Temos o pé dentro da porta.

 

Eu Quero, Eu Quero

De boca aberta, o deus bebé

Imenso, calvo, embora com cabeça de bebé,

Gritou pela teta da mãe.

Os vulcões secos racharam e abriram,

 

Areia abrasou o lábio sem leite.

Chorou então pelo sangue do pai

Que pôs vespa, lobo e tubarão em acção,

Engendrou o bico da águia.

 

De olhos secos, o inveterado patriarca

Criou os seus homens de pele e osso,

Farpas na coroa de arame dourado,

Espinhos no sangrento caule da rosa.

 

Aguarela de Granchester Meadows

A Granta é uma revista literária fundada em 1889 por estudantes de Cambridge, tendo publicado os primeiros trabalhos de escritores que mais tarde se tornaram conhecidos, entre os quais A. A. Milne, Ted Hughes e Sylvia Plath. [N. T.].

 

Lá, cordeiros da Primavera enchem o redil. No ar

Imóvel, prateado como água num copo

Nada é grande ou distante.

O pequeno musaranho, na sua terra erma

De ervas é ouvido a tagarelar.

Cada ave do tamanho de um polegar

Se ajusta, de asas alertas no matagal de bela cor.

 

Nuvens levadas pelo vento e salgueiros com

covas de corujas inclinados sobre

O dócil Granta

duplica-lhes o mundo

Branco e verde debaixo da água transparente

E flui nessa corrente, ancorado, ao contrário.

O barqueiro afunda a vara.

No lago de Byron

Plantas afastam-se onde os mansos cisnes novos

flutuam.

 

É uma terra numa ilustração de infantário.

Vacas pintalgadas revolvem os queixos e comem

Trevos vermelhos ou mastigam raízes de beterraba

Barrigas cheias num halo florido acetinado pelo Sol.

Prados envoltos em cercas de um benigno

Verde idílico

O pilriteiro de pomos cor de sangue esconde os

espinhos em brancura.

 

Engraçada, vegetariana, a ratazana-d’água

Serra um caniço e nada do seu bosque ondulante,

Enquanto os estudantes passeiam ou se sentam,

Mãos enlaçadas, numa sonhadora indolência

amorosa –

Vestidos de negro, mas sem reparar

Como em tão suave ar

A coruja se vá inclinar do seu torreão e a

ratazana gritar.

 

A Despedida do Fantasma

Entra na fria terra de ninguém: cerca das

Cinco da manhã, no vazio incolor

Onde a cabeça, ao despertar, rejeita a confusa

humidade

De paisagens sonhadoras, sulfurosas, e lunares e

obscuros problemas

Que pareciam, quando sonhados, possuir

significado tão profundo,

 

Prepara-se para encarar a criação pré-fabricada

De cadeiras e escrivaninhas e lençóis retorcidos

pelo sono.

Este é o reino da aparição que desvanece,

O fantasma oracular que diminui em pés de algodão

Tornando-se um nó de roupa, com um clássico

monte de lençóis

 

Erguido, qual mão, emblemática do adeus.

Nesta junção entre dois mundos e dois modos

Inteiramente incompatíveis de tempo, a matéria

crua

Dos nossos pensamentos fundamentais assume

o halo

De revelação ambrosíaca. E assim parte.

 

Cadeira e escrivaninha são os hieróglifos

De qualquer palavra divina, ignorada por cabeças

despertas:

Assim, estes lençóis em pose, antes de se desfiarem

em nada,

Falam por sinais de um outro mundo perdido

Um mundo que perdemos apenas por acordarmos.

 

Seguindo o rasto dos seus andrajos reveladores

só até ao limite

Da orla da visão mundana, este fantasma parte

Mão erguida, adeus, adeus, não desce

Às gargantas rochosas da Terra,

Ruma a uma região onde a nossa densa atmosfera

 

Diminui, e Deus sabe o que lá há.

Um ponto de exclamação marca esse céu

Com um alaranjado vibrante como uma cenoura

estelar.

O seu ponto redondo, desalinhado e verde,

Suspende junto dele o primeiro ponto, o

 

O ponto de partida para o Éden, próximo da

curva da lua nova.

Parte, fantasma de nossa mãe e nosso pai, fantasma

nosso,

E fantasma dos sonhos dos nossos filhos, nesses lençóis

Que significam a nossa origem e fim,

Para a terra impossível das rodas coloridas

 

E alfabetos imaculados e vacas que mugem

E mugem ao saltarem sobre luas tão novas

Como essa ponta pura rumo à qual viajas agora.

Salve e até sempre. Olá, adeus. Oh, guardião

Do Graal profano, da caveira sonhadora.

 

Um Navio no Inverno

Neste molhe não há grandiosos desembarques

dignos de nota.

Barcos rubros e alaranjados inclinam-se, bolhas

Acorrentadas à doca, antiquados, berrantes,

E aparentemente indestrutíveis.

O mar pulsa sob uma pele de óleo.

 

Uma gaivota mantém a pose na viga mestra de

uma barraca,

Vogando na maré do vento, estável

Como madeira e formal, num casaco de cinzas,

Todo o porto raso ancorado no

Redondo botão amarelo do seu olho.

 

Um aeroplano flutua, sobe como uma Lua diurna ou

Um charuto de latão sobre o seu campo de peixes.

A paisagem é insípida como uma velha água-forte

Desembarcam três barris de pequenos caranguejos.

As estacas do cais parecem prestes a desabar

 

E, com elas, aquele edifício raquítico

De armazéns, gruas, chaminés e pontes

À distância. A toda a nossa volta, a água desliza

E tagarela com o seu dialecto desenvolto,

Levando os cheiros de alcatrão e bacalhau morto.

 

Mais tarde, as ondas irão devorar bolos de gelo –

Um mês mau para quem dorme em parques e

para amantes.

Até as nossas sombras são azuladas pelo frio.

Queríamos ver o Sol nascer

E, em vez disso, encontramos este navio de vigas

glaciais,

 

Másculo e soprado, um albatroz de geada,

Relíquia de tempo agreste, cada molinete e estai

Coberto por uma película vítrea.

O Sol depressa a reduzirá:

A crista de cada onda cintila como uma faca.

 

Para Sempre Nas Profundezas

Velho, é raro emergires.

Depois vens quando a maré

vem

Quando os mares murmuram frios, cobertos

 

De espuma: cabelo branco, barba branca,

lançada para longe,

Uma rede ascende, decai, entre as cristas

E planuras das ondas. Por milhas

 

Se estendem os feixes radiais

Do teu cabelo disperso, no qual

meadas enrugadas

Enredadas, presas, sobrevivem

 

Ao velho mito das origens

Inimaginável. Flutuas tão perto

Como quilhas, montanhas de gelo

 

Do norte, a evitar,

Não profundas. Toda a obscuridade

Começa com um perigo:

 

Os teus perigos são muitos. Eu

Pouco posso ver, mas a tua forma

padece

De qualquer ferimento estranho

 

E parece morrer: como vapores

Dissipando-se, deixando nítido o mar da aurora.

Os rumores confusos

 

Do teu enterro levam-me

A não crer por completo: a tua reaparição

Prova que os rumores são triviais,

 

Já que as arcaicas linhas entrincheiradas

Do teu rosto granulado irradiaram tempo em

regatos;

Épocas fustigam como chuvas

 

Os canais não vencidos

Do oceano. Tal humor sábio e

Resistência são redemoinhos

 

Para abrir caminho com as fundações

Da viga mestra da terra

e do céu.

Descendo a pique, podes enredar

 

Um sargaço labiríntico

Enraizá-lo nas profundezas entre nós de dedos,

tíbias,

Crânios. Impenetrável,

 

Abaixo dos ombros, nenhuma vez

Visto por algum homem lúcido,

Tu desafias perguntas;

 

Tu desafias o divino.

Eu caminho seca na fronteira do teu reino

Exilada sem remissões.

 

O teu leito de conchas é o que recordo.

Pai, este ar pesado é homicida.

Eu respiraria água.

 

Tristes Toupeiras

1

Saíram do saco de farrapos das trevas, estas duas

Toupeiras mortas nos sulcos arenosos,

Disformes como luvas atiradas ao acaso, poucos

passos as separam –

Triste camurça que um cão ou raposa mastigou.

Uma, por si só, inspirava suficiente compaixão,

Pequena vítima desenterrada por qualquer criatura

grande

Da sua órbita debaixo da raiz do ulmeiro.

A segunda carcaça torna isto num duelo:

Gémeas cegas mordidas por uma Natureza má.

 

A cúpula longínqua do céu é sã e nítida.

As folhas, destapando as suas cavernas amarelas

Entre a estrada e a água do lago,

Não expõem espaços sinistros. As toupeiras

Já parecem neutras como as pedras.

Os seus narizes de saca-rolhas, as mãos brancas

Aprumadas, enrijecem numa pose de família.

É difícil imaginar como a fúria rebentou –

Agora dissolvida, fumo de uma velha guerra.

 

2

Todas as noites os gritos de guerra começam

Nos ouvidos do veterano, e eu entro

De novo na suave pele da toupeira.

A luz é morte para elas: elas definham nela.

Movem-se pelos seus quartos mudos enquanto

eu durmo,

Mãozinhas afastando a terra, atarefadas

Atrás das gordas crianças de raízes e rocha.

De dia, apenas o solo à superfície se eleva.

Lá em baixo, está-se só.

 

Mãos grandes, fora do vulgar, preparam uma via,

Avançam à frente: abrindo as veias,

Rebuscando apêndices

De escaravelhos, glândulas, fragmentos – para serem

comidos

Uma vez e outra. E o Céu

Da saciedade final permanece longe

Da porta como sempre. O que acontece

entre nós

Acontece nas trevas, desaparece com a

Facilidade e a frequência de cada respiração.

 

Canção da Prostituta

Desaparecida a geada branca

E todos os verdes sonhos valendo pouco,

Após um dia pobre de trabalho

O tempo regressa para aquela porca imunda:

Um mero ruído dela conquista a nossa rua

Até todos os homens,

Corados, pálidos ou de tez escura,

Se voltarem para o seu desmazelo.

 

Reparem, grito eu, naquela boca

Feita para exercer violência,

Naquele rosto cosido

Deformado por mancha, mossa, cicatriz,

Golpeado por cada ano severo.

Não caminha por ali nem um só homem

Que ceda um sopro

E remende com o estigma do amor este fétido esgar

Que, de um negro lago das montanhas, fossa e taça

Me fita nos meus próprios olhos castos

E ergue o olhar.

 

Homem de Negro

Onde os três paredões magenta

Suportam o impulso

E o sorvo do mar cinzento

 

À esquerda, e a onda

Abranda contra o promontório

Pardo, de arame farpado da

 

Prisão de Deer Island

Com as suas pocilgas asseadas

Capoeiras e pasto de gado

 

À direita, e o gelo de Março

Já esmalta os charcos das rochas,

Penhascos de areia trigueira erguem-se

 

Sobre um grande pontão de pedra

Cercado por cada maré baixa,

E tu, através daquelas pedras

 

Brancas, caminhaste no teu morto

Casaco negro, sapatos negros, e com o teu

Cabelo negro até ficares ali,

 

Vórtice fixo nas longínquas

Cristas, nas pedras nítidas, no ar,

Em tudo isto, unido.

 

Encantador de Serpentes

Tal como os deuses começaram um mundo e o

homem outro,

Também o encantador de serpentes começa

uma serpenteante esfera

De olhos lunares, flauta de cana. Ele toca. Toca

o verde. Toca a água.

 

Torna a água verde até que as águas verdes vibrem

Com canaviais, desfiladeiros e ondulações.

E enquanto as suas notas se enlaçam de verde,

o verde rio

 

Molda as suas imagens em redor das canções dele.

Ele toca por um lugar firme, mas não há rochas,

Solo: uma onda de línguas trémulas de erva

 

Suporta-lhe os pés. Ele toca um mundo de serpentes,

De vaivéns e espirais, das suas profundezas

Mentais, enraizadas de serpentes. E agora nada

a não ser serpentes

 

É visível. As escalas serpeantes tornaram-se

Folha, tornaram-se pálpebra; corpo de serpente,

ramo, peito

De árvore e humano. E ele, dentro deste reino de

serpentes

 

Rege as contorções que manifestam

A sua índole de serpente e o seu poderio com

toadas dóceis

Da sua flauta fina. Deste ninho verde,

 

Tal como do centro do Éden, tece-se o linear

De gerações serpenteantes: Façam-se serpentes!

E serpentes houve, há, e haverá – até que o bocejar

 

Consuma este tocador de flauta e a música o canse

E toque o mundo de volta à simples textura

De serpente-urdidura, serpente-trama. Toque o

tecido de serpentes

 

Até que águas verdes se fundam, e nenhuma serpente

Mostre a cabeça, e essas águas verdes se tornem

novamente

Águas, no verde antigo, em nada se assemelhem a

uma serpente.

E ele pouse a flauta e as suas pálpebras lunares

descaiam.

 

O Eremita da Casa Mais Longínqua

The Outermost House é um clássico popular acerca de Cape Cod. [N. T.].

 

Céu e mar, articulados no horizonte

Tabuinhas de azul insípido não poderiam,

Espalmadas, aplanar este homem.

 

Os grandes deuses, Cabeça de Pedra, Pé

de Garra

Ofegantes por muita colisão de rochas

E ameaças de garras, perceberam isso.

 

Para quê, então, tinham eles suportado,

Teimosos, os longos calores e frios,

Aqueles velhos déspotas, se ele se sentava

 

Estremecendo de riso, à soleira da porta,

Espinha dorsal inflexível como

As vigas da sua cabana aprumada?

 

Havia lá deuses severos, nada mais.

Ainda assim, ele manuseava algo mais.

Não manuseava nenhum vaso empedernido e córneo,

 

Mas sim uma certa folhagem significativa.

Ele confrontou-os, aquele eremita.

Rosto de rocha, pinças de caranguejo

focando-se na folhagem.

 

Gaivotas meditavam à mais verde das luzes.

 

As Musas Inquietantes

«Gingerbread Witches» («Bruxas de Gengibre») é uma receita culinária. [N. T.].

 

Mãe, mãe, qual foi a tia malcriada

Ou o desfigurado e feio

Primo que tu, tão insensata, não

Convidaste para o meu baptismo, tanto que ela

Enviou estas damas em seu lugar

Com cabeças como agulhas de passajar para assentir

E assentir e assentir aos pés e à cabeceira

E do lado esquerdo da minha manjedoura?

 

Mãe, que inventaste histórias convenientes

De Mixie Blackshort, o urso bravo,

Mãe, cujas bruxas sempre, sempre,

Se coziam em bolos de gengibre, indago-me

Se as vias, se pronunciavas

Palavras para me livrares daquelas três damas

Que acenavam com a cabeça à noite, em redor da

minha cama,

Sem boca, sem olhos, de cabeças calvas e

costuradas.

 

Durante o furacão, quando as doze janelas

Do escritório do pai incharam para dentro

Como bolhas quase a rebentar, deste

Ao meu irmão e a mim biscoitos e Ovomaltine

E em coro, ajudaste-nos a cantar:

«Thor está zangado: boom boom boom!

Thor está zangado: queremos lá saber!»

Mas aquelas damas partiram as vidraças.

 

Quando as raparigas da escola dançavam em bicos

de pés,

Faróis faiscantes como pirilampos

Cantando a sua canção, eu

Não conseguia erguer um pé no meu cintilante vestido

E, de pés assentes, fiquei à parte

À sombra projectada pelas minhas soturnas

Madrinhas, e tu choraste e choraste:

E a sombra ampliou-se, as luzes

apagaram-se.

 

Mãe, mandaste-me para aulas de piano

E elogiaste os meus arabescos e trinados

Embora cada professor achasse a minha execução

Estranhamente desajeitada, apesar das escalas

E das horas de prática, não tinha ouvido

Para a música, e sim, não podendo ser ensinada,

Aprendi, aprendi, aprendi noutro lado,

Por musas que não contrataste, querida

mãe,

 

Acordei um dia para ver-te, mãe,

Flutuando acima de mim no ar mais azulado

Num balão verde brilhante com um milhão

De flores e pássaros cantores que nunca eram

Nunca, nunca, encontrados em nenhum lado.

Mas o pequeno planeta baloiçou para longe

Como uma bola de sabão, enquanto chamavas:

Anda cá!

E eu confrontava as minhas companheiras de jornada.

 

Agora, de dia, de noite, à cabeceira, ao lado e aos pés,

Elas persistem na sua vigília, com vestes de pedra,

Faces inexpressivas tal como no dia em que nasci,

As suas sombras anseiam num sol-pôr

Que nunca resplandece nem se afunda.

E este é o reino que me fizeste suportar,

Mãe, mãe. Mas nenhum olhar severo meu

Trairá esta minha companhia.

 

Medalhão

Junto ao portão com estrela e lua

Gravadas na madeira alaranjada

de pintura lascada

A serpente de bronze jaz ao sol

 

Inerte como um cordão de sapato; morta

Mas ainda flexível, mandíbulas

Desengonçadas, esgar tortuoso,

 

A língua, uma seta cor-de-rosa.

Suspendi-a sobre a minha mão.

O seu pequeno olho escarlate

 

Inflamou-se com uma chama vítrea

Quando a virei para a luz;

Em tempos, ao partir uma rocha

 

Os fragmentos de granada ardiam

assim.

O ataque embotou-lhe o flanco de ocre

Do mesmo modo que o sol arrasa uma truta.

 

Apesar disso a sua barriga mantinha o fogo

Ardente debaixo da cota,

As velhas jóias aí latentes

 

Em cada opaca escama da barriga:

Pôr-do-sol visto através de vidro

leitoso.

E eu vi larvas brancas espiraladas

 

Finas como alfinetes na ferida turva

Onde as vísceras se empolavam como se

Ela digerisse um rato.

 

Qual faca, ela era suficientemente casta,

Puro metal da morte. O tijolo atirado

Pelo ajudante da quinta

Aperfeiçoou-lhe o riso.

 

Os Males Sociáveis

O tique na ponta do nariz, as

velhas imperfeições –

Agora toleráveis como manchas na

epiderme

Suportadas até que o desgosto se

transforma

Numa desvirtuada deferência –

 

Cavadas primeiro, como esporas de Deus

Para espicaçar o espírito para fora da

lama

Aí se instalaram, muito usadas, tornaram-se

bem amadas

Companheiras de cama do deboche espiritual,

Mestras dedicadas.

 

Nascer da Lua

Lucina é a deusa romana do parto. [N. T.].

 

Amoras brancas como larvas enrubescem entre folhas.

Eu saio e sento-me, de branco como elas,

Sem fazer nada. O suco de Julho rodeia-lhes

os rebentos.

 

Este parque é fecundo em pétalas idiotas.

Flores brancas de altas catalpas, caem,

Lançam uma sombra branca e arredondada ao morrer.

 

Um pombo desce, usando o leme. A sua cauda em

leque é branca.

É maquinal que baste: abrir, fechar

Pétalas brancas, caudas em leque brancas, dez dedos

brancos.

 

Às unhas, basta-lhes fazer meias luas

Corar em palmas brancas que nenhum trabalho cora.

O branco magoa até se colorir, ou decai.

 

As amoras coram. Um corpo de brancura

Apodrece, e cheira a podre sob a sua pedra tumular

Embora o corpo saia ileso em linho limpo.

 

Cheiro essa brancura aqui, debaixo das

pedras

Onde formiguinhas rolam os seus ovos, onde vermes

engordam.

A morte pode branquear ao sol ou sem ele.

 

A morte branqueia dentro do ovo e fora dele.

Não encontro cor para esta brancura.

Branco: é uma compleição da mente.

 

Canso-me, imaginando Niagaras brancas

Enraizadas numa rocha, tal como as fontes se formam

Contra a pesada imagem da sua queda.

 

Lucina, mãe ossuda, dando à luz

Entre as cavidades de estrelas brancas, o teu rosto

De candura reduz carne branca ao osso

branco,

 

Que arrasta o nosso pai ancestral atrás,

Barba branca, fatigado. As amoras tornam-se púrpuras

E sangram. O estômago branco já poderá amadurecer.

 

Solteirona

Bom, esta rapariga em especial

Durante um cerimonioso passeio em Abril

Com o seu último pretendente

Viu-se, de súbito, dominada intoleravelmente

Pelas vozes confusas dos pássaros

E o caos das folhas.

 

Afligida por este tumulto, ela

Observou os gestos do amante desestabilizando o ar,

Aquela passada errante e irregular

Através de uma fétida terra bravia de fetos e flores.

Ela achou as pétalas desordenadas,

Toda a estação, desmazelada.

 

Como ansiou então ela pelo Inverno! –

Escrupulosamente austero e organizado

De branco e negro

Gelo e rocha, cada sentimento demarcado,

E a glacial disciplina do coração

Exacta como um floco de neve.

 

Mas aqui – um florescer

Insubmisso que bastasse para nivelar os seus

cinco sentidos de rainha

Num vulgar discurso de bobo –

Seria traição insustentável. Deixem os idiotas

Vacilar, levianos, na casa de doidos primaveril:

Ela retirou-se metodicamente.

 

E em redor de casa ergueu

Tal barricada de arame farpado, pondo em cheque,

O tempo amotinado

Que nenhum mero homem rebelde poderia

ter esperança de ter quebrado

Com praga, punho, ameaça

Ou amor, sequer.

 

Outono das Rãs

O Verão envelhece, mãe insensível.

Os insectos são raros, magros.

Nestes lares pantanosos, nós apenas

Coaxamos e definhamos.

 

Manhãs dissipam-se em sonolência.

O sol resplandece tardio

Entre os caniços flácidos. As moscas abandonam-nos.

O pântano adoece.

 

A geada afasta até a aranha. É claro que

O génio da plenitude

Se abrigou noutro lado. Os nossos diminuem

Lamentavelmente.

 

Caçadora de Mexilhões em Rock Harbor

Gargântua: Um rei gigantesco das obras Gargântua e Pantagruel, de Rabelais, publicadas no século XVI. [N. T.].

 

Cheguei antes dos pintores

De aguarelas chegarem para terem

A luz boa do Cabo que lapida e transforma

Areias grossas em cristais de múltiplas faces

E aveluda e amacia os embotados cascos

Dos três barcos de pesca ancorados

Na margem do rio

 

Que os puxava. Eu viera

Em busca de iscas de graça: os mexilhões azuis

Presos como bolbos na margem

estável

Das poças da maré.

A maré da alvorada estava completamente vaza.

Cheirei o fedor da lama, tripas de moluscos,

restos deixados pelas gaivotas;

Ouvi um brusco, bizarro esgravatar

 

Cessar, e aproximei-me da silenciosa

Berma do leito de uma poça, uma cratera.

Os mexilhões prendiam-se, azuis embotados e

Notórios, mas parecia que

As dobradiças de um mundo malicioso se

Tinham movido, fechando-me. Tudo ficou imóvel.

Embora contasse escassos segundos,

 

Passaram eras suficientes para ganhar

Confiança de salvo-conduto

No matreiro mundo sobrenatural

Que me vigiava. A erva estendeu garras;

Pequenas saliências de lama, avolumando-se

por debaixo,

Deslocaram as suas cúpulas como minúsculos

Cavaleiros que tirassem os elmos.

Os caranguejos

 

Avançaram devagar das tocas de pigmeu

E da lama entrincheirada, todos

Camuflados em carapaças mosqueadas

De castanho e verde. Cada um brandia

uma

Pinça inchada como um escudo, tão grande

Como ele próprio – não era um braço de

caranguejo pequeno

Tornado gigantesco como o de Gargântua pelo uso,

 

Mas crescera, sim, sombrio e sombrio

Desenvolvido para um uso para lá da minha

Especulação. Hordas sibilantes

Impulsionadas pela massa, saíram de viés

Num fluxo convergente

Rumo à abertura da poça, talvez para

Encontrarem o delgado e indolente fio

 

De mar, e percorrerem o seu curso

Subindo a bacia do rio.

Ou para me evitarem. Moviam-se

Obliquamente com um som

Seco-molhado, num cintilante feixe

Um fiozinho de água. Será que achavam a lama

Agradável debaixo das pinças

 

Como eu a achava entre dedos dos pés nus?

Essa questão pôs termo a tudo – eu

Interpus-me, de uma vez por todas,

Confundindo a ordem da sua passagem

Absolutamente estranha

Como poderia confundir

A cauda nítida do Cometa

 

Halley, passando serenamente

Pela minha órbita, tornado conhecido

Por um nome de família

De que ele nada sabia. Assim os caranguejos

Prosseguiram a sua tarefa, sem ser

À toa, e eu enchi

Um grande lenço de mexilhões

 

Azuis. Do ponto de vista dos caranguejos

Se eles pudessem ver, eu era uma

Apanhadora de mexilhões com duas pernas.

Lá no altaneiro telhado de colmo

Das densas ervas encontrei

A carapaça de um caranguejo pequeno,

Intacta, estranhamente perdida acima

 

Do seu mundo de lama – cor verde

E entranhas descoloradas, sopradas

Algures por abundante sol e vento;

Não se podia saber se ele

Morrera recluso de suicídio

Ou era um teimoso caranguejo Colombo.

O rosto de caranguejo, causticado e ali deixado,

 

Num esgar como o esgar das caveiras:

Tinha um ar oriental,

Uma máscara mortuária de samurai feita

De um dente de tigre, menos em nome da

Arte do que de Deus. Longe do

mar –

Há lá carapaças de caranguejos sarapintadas de

rubro, pinças

E caranguejos inteiros, mortos, as suas ensopadas

 

Barrigas pálidas e voltadas para cima

Dançam as trôpegas valsas

No dissolvente vaivém

Das vagas, perdendo-se

Pedaço a pedaço no seu amigável

Meio natural – o rosto desta relíquia salvou

A face para confrontar a face seca do Sol.

 

A Filha do Apicultor

Um jardim de declamações. Púrpuras, salpicadas de

escarlate e negro

As grandes corolas dilatam-se, abrem, despindo

vestes de seda.

O seu almíscar avança, círculos em espiral,

Um manancial de perfume tão denso que mal se respira.

Hierático no teu HÁBITO, maestro das abelhas,

Moves-te entre os seios das muitas colmeias,

 

O meu coração sob o teu pé, irmão de uma pedra.

 

Gargantas de trompete abrem-se nos bicos das aves.

A Árvore da Chuva Dourada

Árvore ornamental, originária da China, que possui folhas em forma de pena e grandes ramos de flores amarelas e perfumadas. derrama os seus pós.

Nestes pequenos aposentos de senhora listrados

de laranja e encarnado

As anteras abanam as cabeças, poderosas como reis

Gerando dinastias. O ar é fértil.

Aqui há soberania de rainha que nenhuma mãe pode

contestar –

 

Um fruto mortífero de provar: carne escura, cascas

escuras.

 

Em luras estreitas como um dedo, abelhas solitárias

Habitam entre as ervas. Ajoelhando-me

Ponho os olhos num buraco-boca e encontro um olho

Redondo, verde, desconsolado como uma lágrima.

Pai, noivo, neste ovo da Páscoa

Debaixo das grinaldas de rosas açucaradas

 

A abelha-mestra casa com o Inverno da tua vida.

 

A Época é Próspera

Azarado, o herói nasceu

Nesta província do disco riscado

Onde os mais atentos cozinheiros ficam

desempregados

E o espeto do barbecue do mayor

Roda de moto próprio.

 

Não há carreira nesta ventura

De correr contra o lagarto,

Até ele se reduziu nos últimos dias

Ao tamanho de uma folha, mercê da inacção:

A História venceu o acaso.

 

A derradeira velhinha já se escaldou

Há mais de oito décadas

Com a erva fogosa do amor, a velha tagarela,

Mas as crianças portam-se melhor,

As natas do leite da vaca têm milímetros de

espessura.

 

As Termas Queimadas

Karakul: Ovelhas negras e selvagens da Ásia Central. [N. T.].

Icor: Fluido das veias dos deuses, na mitologia grega. [N. T.].

 

Uma velha besta acabou neste lugar:

 

Um monstro de madeira e dentes enferrujados.

Fogo fundira os seus olhos, eram bocados

De uma coisa azul-clara e vítrea, opaca

Gotas de resina ressumadas de casca de pinheiro.

 

As traves e contrafortes do seu corpo ainda

Exibem o carvão do karakul. Não sei dizer

Quanto tempo a sua carcaça se atolara

debaixo

Dos detritos de Verões, dos Outonos de folhas

negras.

 

Agora pequenas ervas daninhas insinuam

Suaves línguas de camurça entre as suas ossadas.

A armadura, as pedras derrubadas

São uma esplanada para grilos.

 

Eu procuro, como uma médica ou

Arqueóloga, examinar entre

Entranhas de aço, taças esmaltadas,

As serpentinas e tubos que lhe davam

vida.

 

O pequeno vale come o que outrora o comeu.

Ainda assim o icor da Primavera

Flui como sempre fluiu

Da garganta quebrada,

do lábio pantanoso.

 

Derrama-se sobre a verde e branca

Balaustrada de uma ponte arqueada.

Inclinando-me, encontro uma

Triste e improvável pessoa

 

Emoldurada numa obra de verga de ervas bravas.

Oh, ela é graciosa e austera,

Sentada à margem da água descorada!

Não sou eu, não sou eu.

 

Nenhum animal corrompe a soleira verde

daquela porta.

E nós nunca entraremos ali

Onde os resistentes habitam.

A corrente que nos empurra

 

Não nos nutre nem cura.

 

Escultor

PARA LEONARD BASKIN

 

A casa dele, os incorpóreos

Vêm para permutas sem fim

De visão, sabedoria, de corpos

Palpáveis como o dele, e maciços.

 

Mãos movem-se de modo mais sarcedotal

Que as mãos de um sacerdote, não invocam

vãs

Imagens de luz e ar

Mas locais concretos de bronze,

madeira, pedra.

 

Obstinado, em madeira com densos

veios,

Um anjo calvo bloqueia e molda

A luz débil; de braços cruzados

Observa o seu mundo incómodo

eclipsar-se

 

Mundos vazios de vento e nuvens.

Mortos de bronze dominam o soalho,

Provocadores, de corpos rosados,

Enfezando-nos. Os nossos corpos tremulam

 

Até se extinguirem naqueles olhos

Que, se não fosse ele, seriam

pedintes

De lugar, tempo, e dos seus corpos.

Espíritos rivais geram discórdia,

 

Tentam entrar, entrar em pesadelos

Até que o seu cinzel lhes legue

Uma vida mais viva do que a nossa,

Um repouso de soldado em vez do da morte.

 

Notas de Flauta

Vindas de um Lago com Canaviais

Agora a frieza cai, joeirada, camada após camada,

Na nossa pérgula, na raiz do lírio.

Por cima, os velhos guarda-sóis de Verão

Definham como mãos débeis. Há pouco abrigo.

 

Hora a hora, o olho do céu amplia o seu insípido

Domínio. As estrelas não estão mais próximas.

As bocas da rã e as bocas do peixe já bebem

O licor da indolência, e tudo desfalece

 

Numa doce membrana de feto, de esquecimento.

As cores fugitivas morrem.

Larvas de frigânios

Género de insectos vulgares nos lagos. dormitam nos casulos de seda,

As ninfas com cabeça de candeia tombam no sono

como estátuas.

 

Marionetas, soltas dos fios do seu

mestre,

Põem mascaras de ceratina para se deitarem.

Isto não é a morte, é algo mais seguro.

Os mitos alados não nos vão arrastar mais:

 

As mudanças estão mudas, as que cantavam acima

da água

De Gólgota

Um monte, perto de Jerusalém onde Cristo foi crucificado., no cimo de um junco,

E um deus fraco como o dedo de um bebé,

Como se livrará ele do casulo e rumará pelo ar?

 

As Pedras

A lápide: Trocadilho: head-stone significa lápide e, no sentido literal, «cabeça de pedra». [N. T.].

“Só a abertura da boca”: Literalmente é a abertura da boca numa máscara. [N. T.].

 

Esta é a cidade onde os homens se consertam.

Repouso num grande leito.

O raso e azul círculo celeste

 

Voou como o chapéu de uma boneca

Quando abandonei a luz. Entrei

No âmago da indiferença, o armário mudo.

 

O maior dos almofarizes diminuiu-me.

Tornei-me num seixo imóvel.

As pedras da barriga estavam tranquilas,

 

A lápide serena, nada a perturbava.

Só a abertura da boca sibilava,

Grilo inoportuno

 

Numa pedreira de silêncios.

As pessoas da cidade ouviram-no.

Procuraram as pedras, taciturnas e separadas,

 

A abertura da boca gritava as localizações.

Ébria como um feto

Sugo a polpa das trevas.

 

Os tubos de alimentação abraçam-me. Esponjas

beijam-me e retiram-me os líquenes.

O joalheiro manuseia o cinzel, descerra

E força a abertura de um olho de pedra.

 

Isto é o pós-inferno: vejo a luz.

Um vento abre a câmara

Do ouvido, esse velho preocupado.

 

Água apazigua o lábio de sílex,

E a luz do dia derrama a sua monotonia na parede.

Os enxertadores estão alegres,

 

Aquecendo as tenazes, içando os delicados martelos.

Uma corrente agita os fios

Volt após volt. Pontos remendam-me as fissuras.

 

Um operário passa trazendo um torso róseo.

Corações enchem os armazéns.

Esta é a cidade das peças que sobrevêm.

 

As minhas pernas e braços enfaixados emanam

um doce cheiro a borracha.

Aqui eles recompõem cabeças ou qualquer membro.

Às sextas, as crianças

 

Vêm trocar os seus ganchos por mãos.

Os mortos deixam olhos para outros.

O amor é o uniforme da minha enfermeira calva.

 

O amor é o osso e tendão da minha praga.

O vaso, reconstruído, abriga

A rosa esquiva.

 

Dez dedos moldam uma taça para sombras.

Os meus remendos fazem comichão. Não se

pode fazer nada, incomoda, mas

Ficarei como nova.

 

Tradução e notas [N. T.] de David Furtado.


Biografia quase completa






Escritor, locador, vendedor de livros, protético dentário pela SPDERJ, consultor e marketing na Editora Becalete e entusiasta pelas Artes com uma tela no acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MAC/BA)

Autor de sete livros solo em papel, um em e-book e coautor em mais de 130 Antologias poéticas

Livros:
• Poeteideser de 2009 (edição do autor)
• O e-book Imaginação Poética 2010 (Beco dos Poetas)
• A trilogia poética Fulano da Silva, Sicrano Barbosa e Beltrano dos Santos de 2014
• Puro Osso – duzentos escritos de paixão (março de 2015)
• Gaveta de Cima – versos seletos, patrocinado pela Editora Darda (Setembro de 2017)
• Absolvido pela Loucura; Absorvido pela Arte
(Janeiro de 2019)

• O livro de duetos: A Luz e o Diamante (Junho 2015)
• O livro em trio: ABC Tríade Poética (Novembro de 2015)

Amigos das Letras:
• Membro vitalício da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba (RJ) cadeira N° 95
• Membro vitalício da Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura da Embaixada da Poesia (RJ)
• Membro vitalício e cofundador da Academia Internacional da União Cultural (RJ) cadeira N° 63
• Membro correspondente da ALB seccionais Bahia, São Paulo (Araraquara), da Academia de Letras de Goiás (ALG) e do Núcleo de Letras e Artes de Lisboa (PT)
• Membro da Academia Internacional De Artes, Letras e Ciências – ALPAS 21 - Patrono: Condorcet Aranha

Trupe Poética:
• Academia Virtual de Escritores Clandestinos
• Elo Escritor da Elos Literários
• Movimento Nacional Elos Literários
• Poste Poesia
• Bar do Escritor
• Pé de Poesia
• Rio Capital da Poesia
• Beco dos Poetas
• Poemas à Flor da Pele
• Tribuna Escrita
• Jornal Delfos/CE
• Colaborador no Portal Cronópios 2015
• Projeto Meu Poemas do Beco dos Poetas

Antologias Virtuais Permanentes:
• Portal CEN (Cá Estamos Nós - Brasil/Portugal)
• Logos do Portal Fénix (Brasil/Portugal)
• Revista eisFluências (Brasil/Portugal)
• Jornal Correio da Palavra (ALPAS 21)

Concursos, Projetos e Afins:
• Menção Honrosa do 2° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Brava Gente Brasileira”.
• Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Amor do Tamanho do Brasil”.
• Menção Honrosa do 5° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Quem acredita cresce”.
• Menção Honrosa no I Prêmio Literário Mar de Letras, com poetas de Moçambique, Portugal e Brasil, ficou entre os 46 primeiros e está no livro “Controversos” - E. Sapere
• classificado no Concurso Novos Poetas com poema selecionado para o livro Poetize 2014 (Concurso Nacional Novos Poetas)
• 3° Lugar no Concurso Literário “Confrades do Verso”.
• indicado e outorgado com o título de "Participação Especial" na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas/Salvador (BA).
• indicado e outorgado com o título de "Talento Poético 2015" com duas obras selecionadas para a Antologia As Melhores Poesias em Língua Portuguesa (SP).
• indicado e outorgado com o título de Talento Poético 2016 e 2017 pela Editora Becalete
• indicado e outorgado com o título de "Destaque Especial 2015” na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas VIII
• Revisor, jurado e coautor dos tomos IX e X do projeto Poesias Encantadas
• Teve poemas selecionados e participou da Coletânea de Poesias "Confissões".
• Dois poemas selecionados e participou da Antologia Pablo Neruda e convidados (Lançada em ago./14 no Chile, na 23a Bienal (SP) e em out/14 no Museu do Oriente em Lisboa) - pela Literarte

André Anlub por Ele mesmo: Eu moro em mim, mas costumo fugir de casa; totalmente anárquico nas minhas lucidezes e pragmático nas loucuras, tento quebrar o gelo e gaseificar o fogo; não me vendo ao Sistema, não aceito ser trem e voo; tenho a parcimônia de quem cultiva passiflora e a doce monotonia de quem transpira melatonina; minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; otimista sem utopia, pessimista sem depressão. Me considero um entusiasta pela vida, um quase “poète maudit” e um quase “bon vivant”.

Influências – atual: Neruda, Manoel de Barros, Sylvia Plath, Dostoiévski, China Miéville, Emily Dickinson, Žižek, Ana Cruz Cesar, Drummond
Hobbies: artes plásticas, gastronomia, fotografia, cavalos, escrita, leitura, música e boxe.
Influências – raiz: Secos e Molhados, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Jorge Amado, Neil Gaiman, gibis, Luiz Melodia entre outros.
Tem paixão pelo Rock, MPB e Samba, Blues e Jazz, café e a escrita. Acredita e carrega algumas verdades corriqueiras como amor, caráter, filosofia, poesia, música e fé.