15 de junho de 2019

Sopro


Sopro

Fica tão óbvio...
Mas por que não falar de amor?
Mesmo o ópio que entorpece,
Que se lembra; que se esquece...
Faz do momento um próprio vício
De eternidade.

Fica tão certo...
Quanto o martelo que acerta o prego 
Na construção da casa.
O extremo fogo que queima a casa
Na maldição do tempo que deixa as cinzas
Ao vento...

O ontem que já foi...
Correu ligeiro;
Como já foi o que o ontem alimentou...

Hoje resta a fome de hoje;
Fica tão hoje o desejo
De repetir o que passou.

Fica tão perto...
Na criança que desce o escorrega,
Calhando em segundos – sua alegria;
São elas, absurdamente elas...

E homens correm suas vidas
Essas – que não tiveram;
Correm, correm e correm.

Por fim brincam, choram
Nunca alcançam...
E seguem bem-aventurados
Na utopia.

André Anlub
(13/5/16)

13 de junho de 2019

Nuvens novas


Nuvens novas

Despontaram pela montanha: sonho, esperança, rebanho.
Olhos se encharcaram novamente: na boca seca os poemas saem fanhos;
As mãos alcançam o que outrora esteve atrás,
Afagam, resguardam – todavia – o que agora está à frente. 

Em demasia os novos elos da corrente: nascimentos, novas falas;
Almas virgens – desvirginadas; semente do afã que à mente abala.

Atuação impecável, no futuro o tempo passado – o tempo presente;
Força corriqueira que desce em paralelo: corredeira;
Forca traiçoeira que sobe feito fumaça ao norte: morte.

Pela janela nuvens de chuva se viam e serviam de cenário,
O chá bem quente, a febre rente e ardente, 
O cheiro do campo descansa: quase um calvário.

No pensamento sucinto, incondicionais certezas invadem:
Há nuvens novas; há versos em pássaros; há fleuma na flor que nasce.

André Anlub
(31/1/16)





Geri Allen, Kenny Davis, Jeff Watts, Esperanza Spalding, Terri Lyne Carrington - Unconditional Love

9 de junho de 2019

11 de setembro - Fahrenheit 911 - Dublado

Alice Phoebe Lou at Primavera Sound 2019

Excelente semana aos amigos



Via: Escamandro ---> AQUI


8 poemas de Paul Verlaine, em 3 tradutores

"Caricatura-Paul-Verlaine-Les-Hommes-Daujour-dhui-por-Emile-CohlHá exatamente um ano eu postei umas traduções minhas e da editora e tradutora Heloisa Jahn de alguns poemas eróticos de Verlaine, em comemoração aos 168 anos do poeta – ao que acompanhou, logo na sequência, um outro post com traduções e notas do Leo Gonçalves, sobre o mesmo assunto.  Retornamos agora ao velho poeta maldito para relembrarmos, desta vez, a parte mais “séria”, por assim dizer, da sua poesia.

A esta altura acredito que todos já conheçam em alguma medida as características principais da poesia simbolista, como a importância da musicalidade, o gosto pelo preciosismo das palavras, a ideia de que a poesia deve sugerir – ideias, imagens, sensações – em vez de declarar, etc. São todas elas características que norteiam boa parte da poesia de Verlaine – conforme declarado, inclusive, em seu famoso poema “Arte poética” –, embora devamos lembrar que há ainda algum grau de sobreposição entre o simbolismo e o parnasianismo, visto que, na França, ambos os grupos se reuniam, conversavam e eram publicados juntos nas mesmas antologias (Mallarmé e Verlaine, por exemplo, foram ambos publicados no periódico O Parnaso Contemporâneo, de 1866-1876). É sempre bom apontar que essas coisas de categorização são complicadas, sobretudo quando pensadas cronologicamente. Lembrem-se que até 1885 Victor Hugo, o maior expoente do romantismo francês, ainda estava vivo e ativo…

Do “Big 4” do simbolismo francês, eu arriscaria dizer que Verlaine é o mais virtuosista no emprego e na variedade do metro e da rima (mais que Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé, eu diria), uma característica que, no entanto, não lhe valeu muito para a posteridade, na medida em que, dentre esses 4, ao passo em que é forte a influência de Verlaine na poesia do século XIX (em português, visível em Cruz e Souza e Alphonsus de Guimarães), os outros 3 parecem ter sido muito mais influentes para os movimentos do século XX, do surrealismo ao concretismo. Isso não quer dizer que não encontremos em sua obra poemas que agradem à nossa sensibilidade moderna, mas a consequência dessa menor popularidade é que não temos ainda uma obra completa do poeta. A melódica e romântica “Canção de outono” é, sem dúvida, o seu poema mais famoso e musicado em mais de uma voz (de Charles Trenet e Leo Ferré a uma banda contemporânea de shoegaze chamada Les Discrets), enquanto as cores urbanas de “A voz dos botequins” (especialmente como traduzido por Guilherme de Almeida, puxando para o tom mais popularesco) e o tom irônico de “Colóquio sentimental” (cujo diálogo me lembra, com o perdão da referência tosca, coisas que diriam o personagem do Al Bundy da sitcom Married with Children) sejam o que, talvez, nos chame mais a atenção.

Vide a "Canção de outono". E não é verdade?
Vide a “Canção de outono”. E não é verdade?

Não por acaso esses poemas foram traduzidos mais de uma vez, e mais ou menos no mesmo período, ao que tudo indica. Tenho em mãos aqui uma edição antiga, de 1945, que achei por acaso num sebo (completa com dedicatória assinada por alguém já bem velhinha ou falecida agora), intitulada Poesias Escolhidas, de seleção e tradução de Onestaldo de Pennafort (1902 – 1987), juntamente com outro volume (de 1944), de traduções de Guilherme de Almeida (1890 – 1969), reeditada pela ed. Hedra. O que é curioso é que me parece que ambos os tradutores se focaram, com frequência, sobre os mesmos poemas (convém comentar, no entanto, que a seleção de Pennafort é mais extensa, mas talvez menos instigante que a tradução de Guilherme de Almeida, na minha opinião).

Daí a ideia para esta postagem: contrapor 2 traduções para cada um desses 8 poemas. No último caso, como Pennafort não traduziu o “Arte poética”, para não desfazer a dinâmica de manter as traduções sempre em dupla, contrapus a tradução de Guilherme de Almeida com a de Augusto de Campos (retirada do volume O Anticrítico). Portanto, 8 poemas, 3 tradutores. Uma introdução razoável, acredito, a quem tiver curiosidade pelo poeta.

Adriano Scandolara

  De Poèmes saturniens (1866):

                       

Mon rêve familier

Je fais souvent ce rêve étrange et pénétrant
D’une femme inconnue, et que j’aime, et qui m’aime,
Et qui n’est, chaque fois, ni tout à fait la même
Ni tout à fait une autre, et m’aime et me comprend.

Car elle me comprend, et mon coeur transparent
Pour elle seule, hélas! cesse d’être un problème
Pour elle seule, et les moiteurs de mon front blême,
Elle seule les sait rafraîchir, en pleurant.

Est-elle brune, blonde ou rousse? Je l’ignore.
Son nom? Je me souviens qu’il est doux et sonore,
Comme ceux des aimés que la vie exila.

Son regard est pareil au regard des statues,
Et, pour sa voix, lointaine, et calme, et grave, elle a
L’inflexion des voix chères qui se sont tues.
                       

  tradução de Onestaldo de Pennafort:

Meu sonho familiar

Muitas vezes, o sonho estranho me surpreende
de uma ignota mulher que eu amo e que me adora,
e que a mesma não é, certamente, a toda hora,
não sendo outra, porém, e me ama e me compreende.

Todo o meu coração deixo que ela o desvende.
Ela somente o faz transparente e o avigora,
E se eu sofro, se a dor minha fronte descora,
ela é o consolo ideal que sobre mim se estende.

É ela trigueira, ou loira, ou ruiva? – Eu o ignoro.
Seu nome? Apenas sei que ele é doce e sonoro
como o de quem se amou e da vida fugiu.

Seu olhar, como o olhar de uma estátua, é sem alma,
e tem na sua voz, grave, longínqua e calma,
a inflexão de uma voz cara que se extingiu.

 tradução de Guilherme de Almeida:

Meu sonho familiar

Sonho às vezes o sonho estranho e persistente
De não sei que mulher que eu quero e que me quer,
E que nunca é, de fato, uma única mulher
E nem outra, de fato, e me compreende e sente.

Compreende-me, e este meu coração, transparente
Para ela, não é mais um problema qualquer,
Só para ela, o meu suor de angústia, se quiser,
Chorando, ela transforma em frescura envolvente.

Se é morena, ou se loura, ou se ruiva – eu ignoro.
Seu nome? É como o nome ideal, doce e sonoro,
Dos amados que a vida exilou para além.

Seu olhar lembra o olhar de alguma estátua antiga,
E sua voz longínqua, e calma, e grave, tem
Certa inflexão de emudecida voz amiga.

                       

Chanson D’Automne

Les sanglots longs
Des violons
     De l’automne
Blessent mon cœur
D’une langueur
     Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
     Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
     Et je pleure;

Et je m’en vais
Au vent mauvais
     Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
     Feuille morte.
                       
 tradução de Onestaldo de Pennafort:

Canção do outono

Os longos sons
dos violões,
     pelo outono
me enchem de dor
e de um langor
     de abandono.

E choro, quando
ouço, ofegando,
     bater a hora,
lembrando os dias
e as alegrias
     e ais de outroa.

E vou-me ao vento
que, num tormento,
     me transporta
de cá p’ra lá,
como faz à
     folha morta.

   
tradução de Guilherme de Almeida:

Canção de outono

Estes lamentos
Dos violões lentos
     Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
     De sono.

E soluçando,
Pálido quando
     Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doudos
     De outrora.

E vou à-toa
No ar mau que voa,
     Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
     E morta.                   

     De Fêtes galantes (1869):

                       
L’amour par terre

Le vent de l’autre nuit a jeté bas l’Amour
Qui, dans le coin le plus mystérieux du parc,
Souriait en bandant malignement son arc,
Et dont l’aspect nous fit tant songer tout un jour!

Le vent de l’autre nuit l’a jeté bas ! Le marbre
Au souffle du matin tournoie, épars. C’est triste
De voir le piédestal, où le nom de l’artiste
Se lit péniblement parmi l’ombre d’un arbre,

Oh! c’est triste de voir debout le piédestal
Tout seul! Et des pensers mélancoliques vont
Et viennent dans mon rêve où le chagrin profond
Évoque un avenir solitaire et fatal.
   
Oh! c’est triste! – Et toi-même, est-ce pas! es touchée
D’un si dolent tableau, bien que ton oeil frivole
S’amuse au papillon de pourpre et d’or qui vole
Au-dessus des débris dont l’allée est jonchée.

 tradução de Onestaldo de Pennafort:

O amor por terra

O vento da outra noite atirou em baixo o Amor
que num canto do parque, o mais misterioso,
brandindo o arco traidor, sorria, malicioso,
e que um dia nos fez sonhar com tanto ardor!

O vento da outra noite o derrubou! O mármore
à brisa matinal rola, esparso. E contrista
olhar-se o pedestal, onde o nome do artista
se lê dificilmente entre as sombras de uma árvore.

Oh! como é triste ver somente o pedestal
de pé! E, no meu pobre e atormentado sonho,
os pensamentos maus vão e vêm, no medonho
pressentimento de um futuro ermo e fatal.

Como é triste! E tu mesma estás enternecida
com esse quadro, se bem que te distraia o olhar
aquela borboleta, ouro e púrpura, a voar
sobre as ruínas do Amor que juncam a avenida.

tradução de Guilherme de Almeida:

O amor por terra

O vento derrubou ontem à noite o Amor
Que, no recanto mais secreto do jardim,
Sorria retesando o arco maligno, e assim
Tanta coisa nos fez todo um dia supor!

O vento o derrubou ontem à noite. À aragem
Da manhã gira, esparso, o mármore alvo. E à vista
É triste o pedestal, onde o nome do artista
Já mal se pode ler à sombra da ramagem.

É triste ver ali de pé o pedestal
Sozinho! e pensamentos graves vêm e vão
No meu sonho em que a mais profunda comoção
Imagina um porvir solitário e fatal

É triste! – E tu, não é?, ficas emocionada
Ante o quadro dolente, embora olhando à toa
A borboleta de oiro e púrpura que voa
Sobre os destroços de que a aléa está juncada.

                                               

En Sourdine

Calmes dans le demi-jour
Que les branches hautes font,
Pénétrons bien notre amour
De ce silence profond.

Fondons nos âmes, nos coeurs
Et nos sens extasiés,
Parmi les vagues langueurs
Des pins et des arbousiers.

Ferme tes yeux à demi,
Croise tes bras sur ton sein,
Et de ton coeur endormi
Chasse à jamais tout dessein.

Laissons-nous persuader
Au souffle berceur et doux
Qui vient à tes pieds rider
Les ondes de gazon roux.

Et quand, solennel, le soir
Des chênes noirs tombera,
Voix de notre désespoir,
Le rossignol chantera.

    tradução de Onestaldo de Pennafort:

Em surdina

Calmo, na paz que difunde
a sombra nos altos ramos,
que o nosso amor se aprofunde
neste silêncio em que estamos.

Coração, alma e sentidos
se confundam com estes ais
que exalam, enlanguescidos,
medronheiros e pinhais.

Fecha os olhos mansamente
e cruza as mãos sobre o seio.
Do teu coração dolente
afasta qualquer anseio.

Deixemo-nos enlevar
ao embalo desta brisa
que a teus pés, doce, a arrulhar,
a relva crestada frisa.

E quando a noite sombria
dos carvalhos for baixando,
o rouxinol a agonia
da nossa alma irá cantando.

                       
tradução de Guilherme de Almeida:

Em surdina

Calmos, na sombra incolor
Que dos galhos altos vem,
Impregnemos nosso amor
Deste silêncio de além.

Juntemos os corações
E as almas sentimentais
Entre as vagas lassidões
Das framboesas, dos pinhais.

Cerra um pouco o olhar, no teu
Seio pousa a tua mão,
E da alma que adormeceu
Afasta toda intenção.

Deixemo-nos persuadir
Pelo sopro embalador
Que vem a teus pés franzir
As ondas da relva em flor.

A noite solene, então,
Dos robles negros cairá,
E, voz da nossa aflição,
O rouxinol cantará.
                       

Colloque sentimental

Dans le vieux parc solitaire et glacé
Deux formes ont tout à l’heure passé.

Leurs yeux sont morts et leurs lèvres sont molles,
Et l’on entend à peine leurs paroles.

Dans le vieux parc solitaire et glacé
Deux spectres ont évoqué le passé.

– Te souvient-il de notre extase ancienne?
– Pourquoi voulez-vous donc qu’il m’en souvienne?

– Ton coeur bat-il toujours à mon seul nom?
Toujours vois-tu mon âme en rêve? – Non.

Ah ! les beaux jours de bonheur indicible
Où nous joignions nos bouches! – C’est possible.

– Qu’il était bleu, le ciel, et grand, l’espoir!
– L’espoir a fui, vaincu, vers le ciel noir.

Tels ils marchaient dans les avoines folles,
Et la nuit seule entendit leurs paroles.

tradução de Onestaldo de Pennafort:

Colóquio sentimental

No velho parque frio e abandonado
duas sombras passaram, há bocado.

Dos olhos mortos, seus lábios, tristes, pendem
e as palavras que dizem mal se entendem.

No velho parque frio e abandonado,
dois espectros evocam o passado.

– Recordas-te do nosso enlevo, outrora?
– Para que queres que me lembre agora?

– Ainda, se ouves meu nome, o coração
te bate? Ainda me vês em sonho? – Não.

– Ai, o bom tempo de êxtase indizível
em que as bocas unimos! – É possível.

– Como era azul o céu e esperançoso!
– A esperança se foi no céu umbroso.

Tais, pela relva trêmula seguiam
e só a noite ouviu o que diziam.

 tradução de Guilherme de Almeida:

Colóquio sentimental

No velho parque frio e abandonado
Duas formas passaram, lado a lado.

Olhos sem vida já, lábios tremendo,
Apenas se ouve o que elas vão dizendo.

No velho parque frio e abandonado,
Dois vultos evocaram o passado.

– Lembras-te bem do nosso amor de outrora?
– Por que é que hei de lembrar-me disso agora?

– Bate sempre por mim teu coração?
Vês sempre em sonho minha sombra? – Não.

– Ah! aqueles dias de êxtase indizível
Em que as bocas se uniam! – É possível.

– Como era azul o céu, e grande, o sonho!
– Esse sonho sumiu no céu tristonho.

Assim por entre as moitas eles iam,
E só a noite escutou o que diziam.

De La bonne chanson (1870):

                       
Le foyer, la lueur

Le foyer, la lueur étroite de la lampe;
La rêverie avec le doigt contre la tempe
Et les yeux se perdant parmi les yeux aimés;
L’heure du thé fumant et des livres fermés;
La douceur de sentir la fin de la soirée;
La fatigue charmante et l’attente adorée;
De l’ombre nuptiale et de la douce nuit,
Oh ! tout cela, mon rêve attendri le poursuit
Sans relâche, à travers toutes remises vaines,
Impatient mes mois, furieux des semaines!
                       
  tradução de Onestaldo de Pennafort:

O lar, o resplendor

O lar, o resplendor da lâmpada velada;
o divagar com a fronte entre as mãos apoiada
e os olhos se perdendo entre os olhos amados;
a hora do chá sutil e dos livros fechados;
o êxtase de sentir a tarde agonizante;
o lânguido cansaço; a espera inebriante
da sombra nupcial dentro da noite mansa…
Oh! atrás disso tudo o meu sonho se lança,
a contar, apesar de demoras insanas,
impacientemente, os meses e as semanas!

tradução de Guilherme de Almeida:

O lar, a estreita luz

O lar, a estreita luz de uma lâmpada honesta:
O desvaneio com um dedo contra a testa
E os olhos a sumir nos olhos bem-amados;
A hora do chá cheiroso e dos livros fechados;
O prazer de sentir o fim de uma noitada;
A adorável fadiga e a espera idolatrada
De uma sombra nupcial e de uma noite doce,
A tudo isso o meu sonho terno dedicou-se
Sem tréguas, contra vãs dilações cotidianas,
Devorando, impaciente, os meses e as semanas!

                     
                       
Le bruit des cabarets

Le bruit des cabarets, la fange des trottoirs,
Les platanes déchus s’effeuillant dans l’air noir,
L’omnibus, ouragan de ferraille et de boues,
Qui grince, mal assis entre ses quatre roues,
Et roule ses yeux verts et rouges lentement,
Les ouvriers allant au club, tout en fumant
Leur brûle-gueule au nez des agents de police,
Toits qui dégouttent, murs suintants, pavé qui glisse,
Bitume défoncé, ruisseaux comblant l’égout,
Voilà ma route — avec le paradis au bout.

 tradução de Onestaldo de Pennafort:

O ruído dos cafés

O ruído dos cafés; a lama das calçadas;
os plátanos pelo ar desfolhando as ramadas;
o ônibus, furacão de rodas e engrenagens,
enlameado, a ranger num rumor de ferragens
e girando o olho verde e rubro das lanternas;
os operários a caminho das tavernas,
com os cachimbos à boca a afrontarem os guardas;
paredes a ruir; telhados de mansardas;
sarjetas pelo chão resvaladiço e imundo, –
tal meu caminho, – mas com o paraíso ao fundo.
                       
tradução de Guilherme de Almeida:

A voz dos botequins

A voz dos botequins, a lama das sarjetas,
Os plátanos largando no ar as folhas pretas,
O ônibus, furacão de ferragens e lodo,
Que entre as rodas se empina e desengonça todo,
Lentamente, o olhar verde e vermelho rodando,
Operários que vão para o grêmio fumando
Cachimbo sob o olhar de agentes de polícia,
Paredes e beirais transpirando imundícia,
A enxurrada entupindo o esgoto, o asfalto liso,
Eis meu caminho – mas no fim há um paraíso.

De Jadis et naguére (1884):

                       
Art poétique

De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l’Impair
Plus vague et plus soluble dans l’air,
Sans rien en lui qui pèse ou qui pose.

Il faut aussi que tu n’ailles point
Choisir tes mots sans quelque méprise :
Rien de plus cher que la chanson grise
Où l’Indécis au Précis se joint.

C’est des beaux yeux derrière des voiles,
C’est le grand jour tremblant de midi,
C’est, par un ciel d’automne attiédi,
Le bleu fouillis des claires étoiles !

Car nous voulons la Nuance encor,
Pas la Couleur, rien que la nuance !
Oh ! la nuance seule fiance
Le rêve au rêve et la flûte au cor !

Fuis du plus loin la Pointe assassine,
L’Esprit cruel et le Rire impur,
Qui font pleurer les yeux de l’Azur,
Et tout cet ail de basse cuisine !

Prends l’éloquence et tords-lui son cou !
Tu feras bien, en train d’énergie,
De rendre un peu la Rime assagie.
Si l’on n’y veille, elle ira jusqu’où ?

O qui dira les torts de la Rime ?
Quel enfant sourd ou quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou d’un sou
Qui sonne creux et faux sous la lime ?

De la musique encore et toujours !
Que ton vers soit la chose envolée
Qu’on sent qui fuit d’une âme en allée
Vers d’autres cieux à d’autres amours.

Que ton vers soit la bonne aventure
Eparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym…
Et tout le reste est littérature.
                                               
 tradução de Guilherme de Almeida:

Arte poética
 a Charles Morice

Música acima de qualquer cousa,
E prefere o Ímpar, menos vulgar,
Que é bem mais vago e solúvel no ar,
Que nada pesa e que em nada pousa.

É bom também que saibas medir
Teus termos, não sem certo descuido:
Nada melhor do que o poema fluido
Que ao Indeciso o Preciso unir.

É um lindo olhar entre rendas raras,
É a luz que treme ao sol vertical,
É, por um céu de calma outonal,
A mescla azul das estrelas claras!

Nós só queremos o meio-tom,
Nada de Cor, somente a Nuança!
Oh! A Nuança é que faz a aliança
Do sonho ao sonho e do som ao som!

Evita sempre a Ponta daninha,
O cruel Espírito e o Riso alvar,
Que apenas fazem o Azul chorar,
E esse alho, enfim, de baixa cozinha!

Toma a eloquência e esgana-a! Farás
Bem em agir energicamente,
Tornando a Rima um tanto obediente.
Quem sabe lá do que ela é capaz?

Oh! quem diria os males da Rima?
Que criança surda, ou negro imbecil
Terá forjado essa joia vil
Que soa falsa e vã sob a lima?

Música, sempre e cada vez mais!
Seja o teu verso a cousa evolada
Que vem a nós de uma alma exilada
Em outros céus para outros ideais.

Seja o teu verso a boa aventura
Esparsa ao áspero ar da manhã,
Que vai cheirando a giesta e hortelã…
E tudo mais é literatura.
                     
tradução de Augusto de Campos:

Arte poética

A Charles Morice

Antes de tudo, a Música. Preza
Portanto, o Ímpar. Só cabe usar
O que é mais vago e solúvel no ar
Sem nada em si que pousa ou que pesa.

Pesar palavras será preciso,
Mas com certo desdém pela pinça:
Nada melhor do que a canção cinza
Onde o Indeciso se une ao Preciso.

Uns belos olhos atrás do véu,
O lusco-fusco no meio-dia
A turba azul de estrelas que estria
O outono agônico pelo céu!

Pois a Nuance é que leva a palma,
Nada de Cor, somente a nuance!
nuance, só, que nos afiance
o sonho ao sonho e a flauta na alma!

Foge do Chiste, a Farpa mesquinha,
Frase de espírito, Riso alvar,
Que o olho do Azul faz lacrimejar,
Alho plebeu de baixa cozinha!

A eloquência? Torce-lhe o pescoço!
E convém empregar de uma vez
A rima com certa sensatez
Ou vamos todos parar no fosso!

Quem nos dirá dos males da rima!
Que surdo absurdo ou que negro louco
Forjou em jóia este toco oco
Que soa falso e vil sob a lima?

Música ainda, e eternamente!
Que teu verso seja o vôo alto
Que se desprende da alma no salto
Para outros céus e para outra mente.

Que teu verso seja a aventura
Esparsa ao árdego ar da manhã
Que enche de aroma ótimo e a hortelã…
E todo o resto é literatura.   

(poemas de Paul Verlaine, traduções de Guilherme de Almeida, Onestaldo de Pennafort e Augusto de Campos)

Excelente restinho de domingo a todos




Houve um tempo

Um homem saiu para procuras utópicas longe de pessoas estigmatizadas 
Com tatuagens internas do interesse e da cobiça;
Focou os fulanos que não apontam dedos,
Vivem livres de julgamentos (amores, famílias, conhecidos – pérfidos);
Vivem presos a coisas próprias (autoconhecimento).

Houve um tempo que a vida era quente,
Saborosa, bem passada, ou no ponto, ou “al dente”.
A vida abraçava o fulano, ofertando beijos,
E nesses beijos o vendava;
Ao invés do breu ele assistia a um filme,
Sentia o vento, saboreava vinho,
Vida com ritmo, alegria entorpecente.

Fulano se conhecia muito bem... 
Defeitos – qualidades
Força – fraqueza.
Foi um homem como muitos outros,
Apenas não desistiu, não entregou o jogo.
Cresceu, mas continuou criança,
Seguiu na andança além dos delinquentes.

Gostava dos paradoxos da vida, 
Das antíteses do ser, do estar, do viver;
Gladiava-se com algumas sombrias sombras
E festejava com algumas brancas brumas.

Houve um tempo e esse tempo se foi.
Há o hoje com pintura, com moldura, 
Com belo verniz e cores vivas.
Tela pendurada na muralha,
Com solidez...
Pois no presente há de se aceitar os ausentes,
Mas cada coisa por vez...
Há de haver – dentro e fora do ser – mais estrutura,
E há a arte armada até os dentes.

André Anlub

Joe Lovano @ Charlie Parker Jazz Festival 2015

Biografia quase completa






Escritor, locador, vendedor de livros, protético dentário pela SPDERJ, consultor e marketing na Editora Becalete e entusiasta pelas Artes com uma tela no acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MAC/BA)

Autor de sete livros solo em papel, um em e-book e coautor em mais de 130 Antologias poéticas

Livros:
• Poeteideser de 2009 (edição do autor)
• O e-book Imaginação Poética 2010 (Beco dos Poetas)
• A trilogia poética Fulano da Silva, Sicrano Barbosa e Beltrano dos Santos de 2014
• Puro Osso – duzentos escritos de paixão (março de 2015)
• Gaveta de Cima – versos seletos, patrocinado pela Editora Darda (Setembro de 2017)
• Absolvido pela Loucura; Absorvido pela Arte
(Janeiro de 2019)

• O livro de duetos: A Luz e o Diamante (Junho 2015)
• O livro em trio: ABC Tríade Poética (Novembro de 2015)

Amigos das Letras:
• Membro vitalício da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba (RJ) cadeira N° 95
• Membro vitalício da Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura da Embaixada da Poesia (RJ)
• Membro vitalício e cofundador da Academia Internacional da União Cultural (RJ) cadeira N° 63
• Membro correspondente da ALB seccionais Bahia, São Paulo (Araraquara), da Academia de Letras de Goiás (ALG) e do Núcleo de Letras e Artes de Lisboa (PT)
• Membro da Academia Internacional De Artes, Letras e Ciências – ALPAS 21 - Patrono: Condorcet Aranha

Trupe Poética:
• Academia Virtual de Escritores Clandestinos
• Elo Escritor da Elos Literários
• Movimento Nacional Elos Literários
• Poste Poesia
• Bar do Escritor
• Pé de Poesia
• Rio Capital da Poesia
• Beco dos Poetas
• Poemas à Flor da Pele
• Tribuna Escrita
• Jornal Delfos/CE
• Colaborador no Portal Cronópios 2015
• Projeto Meu Poemas do Beco dos Poetas

Antologias Virtuais Permanentes:
• Portal CEN (Cá Estamos Nós - Brasil/Portugal)
• Logos do Portal Fénix (Brasil/Portugal)
• Revista eisFluências (Brasil/Portugal)
• Jornal Correio da Palavra (ALPAS 21)

Concursos, Projetos e Afins:
• Menção Honrosa do 2° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Brava Gente Brasileira”.
• Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Amor do Tamanho do Brasil”.
• Menção Honrosa do 5° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Quem acredita cresce”.
• Menção Honrosa no I Prêmio Literário Mar de Letras, com poetas de Moçambique, Portugal e Brasil, ficou entre os 46 primeiros e está no livro “Controversos” - E. Sapere
• classificado no Concurso Novos Poetas com poema selecionado para o livro Poetize 2014 (Concurso Nacional Novos Poetas)
• 3° Lugar no Concurso Literário “Confrades do Verso”.
• indicado e outorgado com o título de "Participação Especial" na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas/Salvador (BA).
• indicado e outorgado com o título de "Talento Poético 2015" com duas obras selecionadas para a Antologia As Melhores Poesias em Língua Portuguesa (SP).
• indicado e outorgado com o título de Talento Poético 2016 e 2017 pela Editora Becalete
• indicado e outorgado com o título de "Destaque Especial 2015” na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas VIII
• Revisor, jurado e coautor dos tomos IX e X do projeto Poesias Encantadas
• Teve poemas selecionados e participou da Coletânea de Poesias "Confissões".
• Dois poemas selecionados e participou da Antologia Pablo Neruda e convidados (Lançada em ago./14 no Chile, na 23a Bienal (SP) e em out/14 no Museu do Oriente em Lisboa) - pela Literarte

André Anlub por Ele mesmo: Eu moro em mim, mas costumo fugir de casa; totalmente anárquico nas minhas lucidezes e pragmático nas loucuras, tento quebrar o gelo e gaseificar o fogo; não me vendo ao Sistema, não aceito ser trem e voo; tenho a parcimônia de quem cultiva passiflora e a doce monotonia de quem transpira melatonina; minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; otimista sem utopia, pessimista sem depressão. Me considero um entusiasta pela vida, um quase “poète maudit” e um quase “bon vivant”.

Influências – atual: Neruda, Manoel de Barros, Sylvia Plath, Dostoiévski, China Miéville, Emily Dickinson, Žižek, Ana Cruz Cesar, Drummond
Hobbies: artes plásticas, gastronomia, fotografia, cavalos, escrita, leitura, música e boxe.
Influências – raiz: Secos e Molhados, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Jorge Amado, Neil Gaiman, gibis, Luiz Melodia entre outros.
Tem paixão pelo Rock, MPB e Samba, Blues e Jazz, café e a escrita. Acredita e carrega algumas verdades corriqueiras como amor, caráter, filosofia, poesia, música e fé.