Das Loucuras (epílogos e metempsicoses)
Quem cala consente;
Quem fala call center!
Faça o que eu minto,
Mas não faça o que eu faço.
Tem carma que não é carma,
É licença poética do destino.
Ao som de um jazz,
Ouvem-se as insanidades ronronantes
Que trazem tudo novamente...
E sem compromisso – assim, como antes.
E os heróis estão chegando, e não estão sozinhos.
As ambições poluem o ar, como um incenso maldito,
Atravessa a barriga, da espinha ao umbigo, de mansinho.
É icônico, mas acordará o mundo com o seu grito.
“Alagados, Trenchtown, Favela da Maré”...
Ninguém gosta dessa exposição!
- A do Guggenheim?
- Sim!
- E sobre quem é?
- É, sobretudo, sobre todos...
É sobre Maria e Zé. - Alfinetou Hyde.
- Mas sobre quem mais é?
E Hyde riu!...
- Sei lá! Ninguém quer arrumar briga.
E o Doutor Jekyll se despediu.
E o senhor Hyde disse: me liga!
Fato consumado, passaremos ao próximo estágio:
Sob o domínio da inspiração, iniciou-se assim a ação...
O som da premissa fica a cargo de Chico Freeman.
Entrega-se o ouro ao bandido,
E no mesmo momento o bandido à justiça.
Sonha com aquele Mustang
Com banco de couro, cara de novo
E Cara Delevingne na direção
(talvez fosse a Ana de Armas).
Torturas à parte,
Tortilhas espanholas reparte,
Um sorriso, um amasso,
De Hollywood um maço...
É março em plena estação.
O apetite se eleva ao espaço,
Ficou “amarradaço”...
Mas a loucura permanece doidinha
Com os cascos no chão.
(Petrópolis – 26/11/18)
Parte II
Colocando e esfriando os pingos nos Is...
Já se pode ir ao cerne do problema.
Há a justiça de convir, convidando o injustiçado à mesa.
Olho no olho ou apenas no buraco da fechadura,
E através dessa agrura vê-se a solução do teorema.
Andemos mais um estágio:
Na melodia o Melodia deixa o adágio:
“Estácio acalma os sentidos dos erros que faço.”
Mas esse estágio se passa... nada de erros, nada de calma,
Nada de tudo fazer sentido ou de já ter feito um dia...
Não é assim que quer a melodia – tampouco a alma.
Os heróis se aposentaram... Entrou a veracidade, caiu fora a utopia.
Os pingos dos Is tornaram-se chuvas de letras.
Ao incêndio da floresta restou a fuga de ratos à cidade...
Tudo isso e aquilo que presta, na noite ou no dia,
Prestará ainda mais ao som das trombetas.
Ratos doidos que se danem, há de se ter paciência,
Os cães rosnaram para o Rei, que agora é réu.
Diz um religioso: “São ordens do céu!”.
Mesmo um alguém tendo queimado todas as provas,
Novas provas estão sendo adulteradas – por conveniência.
“É para nossa própria sobrevivência” – diz um pedinte...
Ou para dar mais requinte a esse parágrafo eloquente.
O umbigo do Rei se infla a cada segundo seguinte.
Agora o tempo se camufla e se congela...
À mercê da ação de um deus distante,
De uma galáxia tão a esmo, tão longe,
Que muitos bradam ser a última delas.
(Petrópolis – 27/11/18)
Parte III
O preto e o branco sequestraram a aquarela,
Fizeram dela sua escrava.
Para atravessar o rio colocaram uma pinguela,
Sem cor, sem cheiro, sem textura, sem graça.
Em uma das margens chega-se a um outeiro,
Na outra há uma enorme abismo.
De um lado a visão descolorida do mundo inteiro;
Na outra se alça voos excêntricos,
Por sobre o cinza do pessimismo.
Nervos à flor da pele, pele flácida fluorescente,
Camaleão da vida, lagarto persistente – ele -, meu amigo.
Sempre viveu e ainda vive um mundo utópico...
Pela amizade se dobra, desdobra, é ouvido e abrigo...
Faz e cobra, é cobra que troca de pele...
Mas ultimamente vendeu-se ao proselitismo despótico.
E aqui e ali, Salvada Dalí nos salve...
Pois ou resolve ou... Vai à ressalva:
Há uma leve sensação de injustiça e/ou preguiça
Por parte dos deuses.
A conta virá, e essa conta é alta, fique esperto!
O preço da alma ainda mais estreita
Ficará a cargo dos futuros filhos e netos.
Alguém assaltou a geladeira,
Na madrugada, na calada da noite,
Assim – de bobeira...
E, de dia, na sombra do sobreiro,
Acham um bilhete e uma poesia.
Que dizia:
O planeta e o povo estão (os deixamos)
Culturalmente à revelia.
Assim não pode, assim já chega...
Roubaram o salame italiano,
A mozzarella de búfala, a pimenta calabresa,
A rúcula, o brócolis, o almeirão, o pastrami...
- tudo por debaixo do pano –
Roubaram de propósito o mel e o própolis
Que dava para o resto do ano.
Levaram também o pernil, o pudim, o pavê, o frango
A batata baroa – e de boa (ou de mau) –,
Furtaram todo o nosso rango.
(Rio de Janeiro – 30/11/18)
Parte IV
Ele sempre foi a fraude que o apraz...
Era bem quisto e extremamente requisitado,
Criou sua imagem no espelho do mundo,
Um outro Ele, mas forte, “sonoro” e eficaz.
Tornou-se, mesmo que temporariamente, um profissional,
Nisso e naquilo que se dispusera a fazer.
Não se pode dizer que é ou foi o tal,
Mas com certeza absoluta nunca quis ser.
Era criativo – ainda é;
Era bem divertido – ainda é;
Era perfeccionista – ainda é;
Era possessivamente amoroso e eficaz – não é mais!
Mas a pergunta é:
O que não é mais: possessivo, amoroso ou eficaz?
Não importa!
Olhou para frente e a lágrima desabou,
E cairá sempre, novamente
Em todo dado momento
Que ouvir a Dido cantar hurricanes.
Ele estava pensando nas tragédias,
Naturais e não naturais – as do solo e as do topo...
Assim como a fome que corrói o homem,
E o tenta, tentando me fazê-lo misantropo.
Agora resolveu edulcorar a misericórdia,
Acordando nas manhãs tempestuosas,
Presenciando as tragédias,
Vendo a fome avassalar,
Notando a natureza desabar.
Águas sendo poluídas,
Animais maltratados,
Crianças desnutridas...
Tudo, afinal, que há.
Mas deu a louca:
Irá tirar integralmente a culpa do homem.
Amanhã acordará junto com a manhã,
Beberá seu café quente,
Pegará seu carro na garagem,
Tornar-se-á mais uma mola na engrenagem.
Eis que surge o lance:
Baterá seu ponto no horário,
Na internet rirá da politicagem,
Não perderá a chance,
Tampouco a sacanagem
De pôr à culpa do mundo
E todo o seu itinerário...
No Satã e seus funcionários.
(Rio de Janeiro – 1/12/18)
Parte V
Vidas que passam; vidas que seguem
E às vezes o homem está de pé.
Sombra de pé, mas na vida deitada...
Homem que se move, bebe água gelada,
Muda o vaso de planta para onde quiser...
Homem que ouve, vê, fala, cala, faz e desfaz.
Enche o saco e até sorri – por fora...
Faz tudo ontem, faz tudo agora,
Faz tudo que apraz...
Anda sóbrio e reto;
Anda ébrio e torto,
Tudo que homem vivo é capaz...
Mas está morto.
A lua iluminou suas ideias de navegante,
O fez alçar velas e por o barco no mar.
A maré, por sua vez, dividiu um calmante com o tempo...
Que dormia ao relento, num ronco só.
Ah, já ia esquecer o vento!
Mas ainda está em tempo.
O vento soprava, cá e lá,
Às vezes som de trompete; às vezes som de sax;
Fazia sexo, na maioria das vezes, com o silêncio,
Que era quebrado – com muito gosto – pelo barulho do mar.
O rádio no barco repete as notícias;
O ovo cozido esfriava;
Nada de novo no front,
À frente na sua jornada.
Achou uns escritos antigos:
Ação e suor
Salinidade, emoção.
Inspira e expira
Ah, eu vou...
Irei às chuvas de granizo
Em busca do sol de verão.
Em bocas poéticas
Serei o mais belo verso
Ou talvez nada serei...
Tudo é duvidoso, profético
Todos são amantes e amados.
Talvez nem ache chuva,
Nem ache sol
Talvez só ache no arrebol
O desenho de seus olhos
Vermelhos e molhados.
Tascou fogo, após memorizar letra por letra;
Repaginou os escritos, fez nova releitura,
Imaginou-a nua e crua, virgem – só que não.
Glosou no seu caderninho de anotações – criou treta.
A felicidade entra sem pedir a menor licença,
Domina o aposento, invade o seu corpo,
E, num breve coito,
Se funde com sua alma.
Suas mãos no baú procuram uma garrafa,
Sabe que no bolso não tem nem um conto.
O barco balança, suas mãos alcançam...
E essa narrativa se assemelha a um conto.
Era vodca, era vidro que corta a garganta da alegria...
Sem ao menos precisar quebrar.
A felicidade cai fora, não hesita nem um triz...
E agora o que resta, e nunca faltará,
É a enganação de estar feliz.
(Itaipava 2/12/18)
Parte VI
Caindo novamente no abismo da insanidade:
Já tinha uma idade, mas sempre foi crianção...
Vida mansa, popular, pode pular da altura que for...
Fazia piada da vida, seus sinos sempre estavam em comunhão,
Como irmão tinha o destino, como desatino o rancor.
O xadrez sempre à mesa, à espera de duas mentes saradas;
A tempestade cai de repente e os convidados cancelam o jogo.
O aguaceiro traz o lixo, entupindo bueiros fechando estradas...
Não há nada a fazer, só pegar ingredientes para fazer um bolo.
Santos sãos, são aos montes
E aos montes vão aos montes.
Dementes não mentem o que são,
A sós não são só isso, e desmentem.
No beco escuro há maldade,
Mas ela não enxerga no escuro;
O bico do papagaio é dedo-duro
E duramente morde o meu dedo.
Todos concordam e entram num acordo nojento...
Procuram a árvore perfeita, aquele jaqueira para a forca.
Sem forçar a barra, o nada significa constrangimento...
Nesse momento a loucura: a baleia orca, o jegue e a porca.
Está de volta o exército de um homem só!
O egoísmo fálico toma conta das almas “umbiguísticas”...
Enquanto as mulheres se unem numa visível atitude.
Mostrando que a arte não é para os fingidores, e sim para os artistas.
Há um enigma à solta, temperado com sal, alho, gengibre em pó...
No fim da receita, em letras miúdas, o endereço da fonte da juventude.
Está de volta a plenitude nos olhos,
Lugares nada secretos e todos corretos.
Um pássaro cantou na pracinha do Bairro Peixoto,
Desfazendo os ódios, desatando os imbróglios,
Ajeitando os tortos que se achavam eretos.
Estão distribuindo escadas para colocarem os pingos nos Is.
O coreto, recém-inaugurado, está mudo.
Por onde andam os cantores e suas belas músicas?
Para onde foram as musas e os redentores?
Estão no lugar que querem, dando restart no mundo.
A cada mão no pacote de biscoito ela sorri e se entrega.
Essa felicidade pode até ter seus altos e baixos,
Mas ela, com o passar de suas décadas,
Pode dizer que é feliz; e vive, e viveu, e viverá sem tréguas.
Vive e viveu muito, mas muito mesmo...
Não que ela se importe em repassar tal fato.
Mas pelo ato é de suma importância servir de bom exemplo.
Assim ela pensa – confidenciou aos amigos.
Por dentro o triunfo quer se expor,
Exteriorizar-se nesse lindo momento;
Assim, subindo ao mais alto pódio,
Bem mais altivo que qualquer suposto ódio...
Essas vis aversões néscias, preconceituosas,
Racistas, arcaicas – fúrias vigentes.
(Itaipava – 3/12/18)
Parte VII
Por trás de toda justificativa há uma comodidade;
E por trás de toda comodidade há inúmeras justificativas.
O homem é capaz de atos terríveis quando está com a barriga cheia.
Polarizar e polemizar menos;
Pluralizar e polinizar mais.
Verdugo não me atinge, ver-te me tinge.
Verto, mitigues; ver tudo é antígeno.
Sou uma vertente do super-homem!
Não nasci em Krypton, mas sou um Homem diacho!
Vivendo no meu Norte:
Ouvindo Dave Mathews em som baixo e profundo
Através da pequena janela observo o futuro
No meu bloco boto em ação a caneta na mão
E tirados de meus túmulos traço trechos em aliteração.
Projeto na mente assim, meio que oblíquo,
Como será a ilusão de agora o verdadeiro de amanhã.
Sinto um gosto raro quando fecho os olhos e mordo a maça...
A língua se agita em transe e sorrir em paz me obrigo.
Lá embaixo águas passam; aqui em cima são pássaros;
Construo um muro entre o amor e o calafrio,
Jazo equilibrado em cima de sonhos raros.
E me cobro da preferência de qual lado nesse desafio.
Na ponta dos pincéis, das canetas, dos dedos, dos segredos...
Está o meu mundo; está minha crença, desapegos e brinquedos.
O café, o até, fico olhando, esperando e concluo
Que está quase tudo pronto e no ponto e pontuo.
É loucura, mas pertinente ao que o imprevisto me aguarda;
Na retaguarda a muralha que não deixei de mão – é muito forte.
Abaixo a guarda e entrego-me, peço arrego – tiro a farda.
Sei que serão para sempre:
Minha ida, minha volta, minha sorte e meu norte.
Parte VIII
O louco que nos basta:
A permissão tá na mão – foi concedida,
Na medida certa e esperta do desejo.
Cedo ou tarde o alarde de uma franquia...
Da seiva, da saliva, lavra daquela saída.
As resoluções em dissoluto
No luto do futuro mal resolvido.
Absolvições das ações, sonhos e quimeras...
Sem cancros com cálculos,
E culpas e desculpas e furto.
Colonização e navegação:
Ancoro o acordo que está traçado.
O traçado no boteco, a oferta no mercado – peixe namorado.
Juntos, juntam-se os anéis, decoram-se os papéis...
Teatros, tato e amor;
Teatros são sonhos – mas somo fiéis.
Um penhor de liberdade com chocolates e flor...
Satisfatoriamente recebo meus contos de réis.
Enfim o louco que nos basta,
Bastião dos desejos imorais;
Acordo fechado em uma praça,
Num filho nosso que você traz.
Há uma música que nos rouba uma lágrima
E a melodia em palavras soltas nos soa:
Seja feliz com cuidado em não confundir:
Quero ser alguém na vida
Com
Viver fingindo ser outra pessoa.
A união de uma multidão chorando não faz nascer sorriso.
Está cheio de gente que tem um ego pra dois,
Mas não vale meio.
Textões, tetinhas, testículos
Laquê, like, laico
Século XXI é SeuKu.
Pombas felinas:
Ela eternamente chamará atenção:
Holofote faz parte de todos os tempos.
Tudo lamento, intento, comemoração;
Tudo emancipação, afeição, fomento.
Nas ondas dos mares,
A solidão em sal, doce e tais;
Tudo jaz e renasce
Com o passar dos segundos.
Nos submundos da pera podre;
Nos céus das abóbadas celestes;
As vastas vestes dos reis
E os depilados reis desnudos.
Em todos os horizontes surgem poesias ecléticas;
Esféricas feras que circundam mentes nada ocas.
Falam todas as línguas,
Beijam todas as bocas.
São loucas e caóticas felinas,
São pombas brancas e éticas.
Parte IX
Cria da realidade:
Sonhei com calçadas vazias e as ruas pelos carros lotadas,
Estranhos corpos ocos vagando em terras sem fim.
Havia um ar carregado e viscoso, tóxico de tão ruim...
Que entrava como pimenta pelas narinas pré-fabricadas.
O vazio corria ligeiro pelas artérias e veias
Enquanto aranhas trabalhavam multiplicando suas teias.
Aos ratos, museus, escolas, teatros abandonados...
O mundo ressecado ao aguardo do fogo imaculado.
Sonhei com um horizonte invisível,
O sol apenas à serventia da vaidade.
Do homem, a alma nem sequer “a ver navios”...
A lua vive na insônia da inutilidade.
Podres parede e pele descascando
Clamando por uma demão de tinta,
Rios limpos de sorrisos nunca foram descobertos,
Estão cobertos por mágoas em esgotos ao céu aberto.
Sonhei que havia sonhado que tudo não seria sonho
Só ponho minha mão no fogo pelas chuvas de amores
Encaro meus pavores em sopros como uma toda verdade...
Esbarro no trágico fato de tudo ser cria da realidade.
Esgrimas:
Há pontiaguda palavra que em parte perfura e penetra,
Amor não correspondido, angústia crua de outrora.
Florete de fogo, cremação de uma alma antiga no agora.
Peso e preso são pesadelos; sigilo interno é grito que alerta.
Novamente foco sua boca, dessa vez pintada,
Doutrinando-me na rotina e na retina, fazendo-me nada.
Amplifico o amor, assim – de gosto - me ecoarei na salvação.
Toda ação volta, abafa os medos, nada e tudo são em vão.
Explode, explode-me; corro e corroí-me feito uma coriza.
Ácido, assediado e assíduo assim sou seu então.
Você e eu e lume e breu e o sol e a lua nos abriga
Faz-me antiga cantiga, ciranda com fogueira e paixão.
Fujo, finjo desejo, chego... Luz se mostra colorida...
Choro feito criança; rio ouvindo besteiras,
Descendo pelas pedras com limo, entre margens floridas,
Molhando as roupas quase limpas das lavadeiras.
Tinha planos de ir à pedra do Arpoador,
Meditar e rabiscar alguns versos.
Mudei os planos...
Fiquei com medo de roubarem minhas ideias.
Não tolerar a intolerância é legítima defesa.
Remédios para uma cabeça triste:
Uma maçã com “amanhã” pela manhã,
Um copo raso de “acaso” no ocaso
Uma jarra de fantasia com “ironia” ao fechar do dia.
Parte X
A chuva bem-vinda:
A chuva que cai agora me soa como profética:
Ação assim – assada, assumidamente estratégica;
Feita para exteriorizar minhas lembranças e andanças,
Numa aliança em quimeras de utopias herméticas...
Tudo e todos na combustão do interno,
Que afasta e expurga do externo o inferno.
O tempo em vai-e-vem permanecerá quadrado,
Com o meu casco cascudo que circunda em círculos;
O ciclo do vento bate na face em ritmos,
Gelando também a pele do outro Eu ao lado.
A loucura é minha cura que me morde e me acaricia,
É minha avó, é minha mãe, é minha irmã, é minha filha;
Absolutamente abastada, dissolvente e disponível,
Agora dorme serena com os vinhos na vinícola.
A tempestade banha suavemente o meu mundo;
A água é a verve no vértice, minha saliva viva...
Quando mordo o mundo num amargo absurdo,
A vida torna-se viva, afortunada e faminta.
Tudo se mistura na língua, debaixo da língua...
Sólido elixir do existir que traz calmaria.
O tempo se desconserta num concerto de cordas,
Onde a corda das forcas se desenlaça e afrouxa.
A alma nua na areia; a aura arrumada no arrimo;
É meu sobrinho, é meu irmão, café com pão, é meu primo.
A loucura e a chuva são como um cavalo-marinho;
Misto geminado de paixões; ações: escrever, estar sozinho.
Envergo versos e rimo, brinco com runas, feitiço e patuá;
Sorrio e escorrego no limo de uma cachoeira em Mauá.
A ilha em êxtase:
A vida não é um coito de Fadas!
E agora, estava mais que na hora, o ânimo veio,
No veio sumido e assanhado de quem somos;
No envelhecido clichê de quem deveríamos ser.
No abstrato da tela, em aquarela, aquela ilha...
Confiando no absinto para encarar o abismo;
Na retrospectiva da vida, um céu de bel prazer:
A perplexa perspectiva a nosso ver.
Somos quem somos, fomos e seremos (os tais)...
E já estava na hora do abrigo de um alento amigo.
Publiquem nos anais e jornais, em letras garrafais:
Nossa vultosa vida vivida não é particular...
Então, s'il vous plaît, mostrem o que há de divertido.
Exponham em íntimos olhos de ourives:
Tudo de todos tarda, e sempre soará peculiar...
Então tão assim – e assado – é para se mostrar.
O tempo alçou e alcançou o próprio tempo,
Como a serpente doente comendo seu rabo.
Na frase eu me acabo; no vento você me inventa;
Eu como a cobra com pimentão, pepino e pimenta.
Fecho os olhos e vejo um mar na nossa avenida;
Obro os olhos e vejo que sou um belo peixe...
Largue o preconceito e ao meu lado deite-se;
Deixe-se levar e leve a todos para sua ilha da vida.
À morte, alérgico – à vida, estratégico – à alma, lisérgico.
Absolvição:
Corta o sal, curte o sol e o céu, e tem muito cortisol;
Na prontidão do hoje esboça no papel o seu amanhã;
Esquenta o café e o sofá, alonga o corpo e o pensar, e põe a mão.
Há a alucinação que traz a anunciação de dias bons de dons...
Na hermenêutica de suas linhas, a resposta foi exposta pelo mar.
No sangrar do anseio há vida – ávida –, há luz, luzidia, em tons;
No sangrar, em prol da arte, faz parte um aparte: ir ao céu.
Foca no cerne do corpo, no escopo, a duras penas sua vida.
Subidas difíceis – descidas íngremes, usa o embalo (nunca em vão)...
Nessa assaz ação brusca, busca no ralo e no empíreo a sua inspiração;
Afaga e corta, é besta e bruta, brota expondo o melhor e o pior ao léu.
Corta o tempo e compõe nas entrelinhas o melhor da alma pura;
Presteza que se presta e empresta, que contesta nas frestas – apura.
Homem ao voo, se conhecendo, se aceitando, sendo são;
Não há nada a fazer – entrega; não há sofrimento – absolvição.
Bras de fer:
Chegou a hora: a imprensa televisada, falada e escrita
Avisava que a prensa teleguiada, fadada e escrota estava viva;
Bocas rocas se agitam; corpos belos dançam na luz do dia...
No parque os maratonistas atônitos com a rebeldia dos esquilos.
Dentro da filosofia poética regada com um café bem quente,
Acorda a imagem de todos, e quaisquer conjunturas são diferentes.
Visões de veredas verdes não são as mesmas dos azulejos azuis;
A vida por um triz, por um troço, por um treco jamais fará jus.
Nunca é tarde: a euforia toma a pele como uma protetora casca de ferro...
Doutora do tempo, detentora dos versos, inverte o avesso, faz berço do ego.
E outrora, quando a tempestade era eminente, vivia-se o “mate ou morra”;
Agora são outros tempos, coloca-se a faca nos dentes e a roupa para o enterro.
Parte XI
Caso à parte:
Sou um curso à parte,
Não sou do tipo que faz faculdade (só a da existência)
E não curte interior de cidade.
Se caso ouvirem o contrário
E comprovarem me vendo na cidade,
É porque mais uma vez
Quis mergulhar em alguma pérfida verdade (minha essência).
Sou um ocaso à parte
O crepúsculo já dormindo no espocado escuro,
Mal explicado, bem humorado, mal e bem desmascarado,
Que prega na conquista pessoal absurda
O que se pisa e prega na sola do pé desnudo.
Sou uma casa à parte
Que abriga a mim mesmo de um jeito farto;
Que dá vivacidade ao meu mundo pesado.
Nos abismos por ande transito devagar,
Fazendo da vida meu doce fardo,
Vou-me levando os planetas nas costas
E em breve estaremos todos de volta ao lar.
Sou um cara à parte
Que parte em busca de sonhos e pesadelos,
Sabendo que a vida também é um mar de rosas:
Violetas, Lírios, Iris, Orquídeas...
Que por fim no alto mar de céu azul e tempestades
Os tubarões famintos da ganancia as devoram.
Castelo violeta:
Irmão do céu, de pé em cima de uma alta nuvem;
Seus olhos aguçados, acuados, discretos em suas ferrugens,
Visualizam tudo de errado e quase tudo de certo...
Mais nesses próximos parágrafos:
A tentação é ar puro, é astuta e presente em todo o ambiente;
As pernas fortes das corridas invejadas pela alma fraca pelo tempo.
Um castelo é erguido com o seu aguerrido espírito;
Pulcro, imponente, mas cheio de tormentos e de inventivas mentes.
No porão há um covil escondido cheio de lobos dentro;
Famintos, sedentos, sonâmbulos e carentes de apreço.
Árvores nada raras se agitam e se ajeitam com os vendavais;
Nos varais as roupas se ensopam com a chuva fina que cai.
Barrancos descem pelas montanhas como a manta dos deuses...
Há poder; há alianças; há independência e – a ser pago – preço.
Por dentro do corpo lacunas se abrem implorando explicações convincentes;
Ações voluntárias, inadequações insolúveis – multiplique tudo mil vezes.
No mais, não é aceitável ter um modo de vida que nos têm,
Por muito menos e por muito mais – ao menos –, descarrilhamos mil trens.
Cavalos livres descem a montanha em uma bela manhã de dezembro,
É o caminho livre, cheiroso e extenso, é o livre arbítrio para o castelo violeta.
Censura é assim:
Hoje faz sua vontade e proíbe o que te é supérfluo.
Amanhã faz a vontade de outro e proíbe o que te é essencial.
Conheça-se, permita-se, tolere-se,
Quebre o gelo, gaseifique o fogo,
Tenha a parcimônia de quem cultiva passiflora
E a doce monotonia de quem transpira melatonina.
Conserta-se o estrago:
Em escasso tempo algo mais perto docemente apertou...
Tornou-se o meu Eu, em tudo perto, o que foi assaz longe e mau.
Assim como o bom que para já se multiplica em “bons”,
Tudo acaba junto ao pesadelo do que nunca foi real; e eu sou real.
De minha alma nem sei o que poderia dizer o que condiz;
Acabou acalmando e sancionando o que sempre soube.
Sonhos bons e fatos restaurando estragos que outrora tragaram o tempo...
Me trazem aqui – agora, me fazem rir, me fazem nada fingir...
Ser e sou, estar e estou, adotar o viver que me coube.
Se há pintura para mim; se há postura para mim; podo-me.
O café no fim é o fim... e até que enfim no fim do início estou.
Me sinto e me deixo farto; fiz um pacto ao ver o parto da dor.
Recomeço do tempo de não ter minhas mãos de escultor,
Que não podiam e assim explodiam em não me fazer o que sou.
A monotonia que berrava escondia a luz que nunca veio... falsa luz;
Escuridão e ferida, que não existiam por fora, eram bem-vindas por dentro...
Explodem agora no grito uníssono de amor e arte;
E só tem força nos recorrentes pesadelos – faz parte.
Por dentro não há mais adendos de estalos de enfarte;
Só o sorriso de tudo que valeu o nosso combate.
XII
Nas danças religiosas
Com charutos, tambores
Concentração, louvores
Ou nada disso
Com balés de fé
Pés ligeiros
Na Praça da Sé
Ou onde quiser
Sem compromisso
Em fevereiro
Ou o ano inteiro
Saudade se arrasta
Sincronia de beleza
Casta cumplicidade
Adorando a mãe-natureza
Seja como for e vier
Paro e ensaio o sorriso
Sem competitividade
Sem ser submisso
Visto a vasta felicidade
E sigo e sigo e sigo
Pois meu pescoço e pulsos
São fartos
Para seus beijos, abraços
E dez escapulários
Ou quaisquer outros artefatos.
E sigo e sigo e sigo
Pé a pé
Com você e minha fé.
Lá vem ela, acompanhada, de mãos dadas,
Com a má intenção de sexo...
E sempre serão muito bem-vindas.
Lá vem ela, a irritante, bela e insistente luz que entra pela janela
E me convida para sair e viver.
XIII
Estruturar, tropeçar, cair, sentir a ressaca guerra,
Reestruturar, bagunçar novamente a quebrada,
Ir de encontro à pedra e viver.
Raul de Souza com seu trombone
Que tromba de modo majestoso e marcante,
Tocando, relaxando e deixando o corpo voando sem destino...
Estou agora sereno para narrar o ocorrido:
Caso à parte:
Sou um curso à parte,
Não sou do tipo que faz faculdade (só a da existência)
E não curte interior de cidade.
Se caso ouvirem o contrário
E comprovarem me vendo na cidade,
É porque mais uma vez
Quis mergulhar em alguma pérfida verdade (minha essência).
Sou um ocaso à parte
O crepúsculo já dormindo no espocado escuro,
Mal explicado, bem humorado, mal e bem desmascarado,
Que prega na conquista pessoal absurda
O que se pisa e prega na sola do pé desnudo.
Sou uma casa à parte
Que abriga a mim mesmo de um jeito farto;
Que dá vivacidade ao meu mundo pesado.
Nos abismos por ande transito devagar,
Fazendo da vida meu doce fardo,
Vou-me levando os planetas nas costas
E em breve estaremos todos de volta ao lar.
Sou um cara à parte
Que parte em busca de sonhos e pesadelos,
Sabendo que a vida também é um mar de rosas:
Violetas, Lírios, Iris, Orquídeas...
Que por fim no alto mar de céu azul e tempestades
Os tubarões famintos da ganancia as devoram.
E os Drusos? Seriam deuses?
E assim sigo rumo ao paraíso,
Feito aquele tempo em que tudo parecia certo,
Mas bloqueado pela memória incerta, inventiva,
Que quase comete incesto.
Há um mesmo tempo, repetidamente,
Moldado e gasto, que se renova.
Há a prova de tudo que já foi e virá,
Dentro de uma reviravolta que implode.
Um eco meu ficou nela, chame a próxima testemunha...
A vantagem é clara, sinto-me no Arco do Triunfo:
Um gringo comemorando alguma conquista alheia.
As horas passam – coisa rara –,
Faço-me por gosto vagabundo.
Vago sem lei e sem lua,
Pelo meio de uma rua abandonada.
O canastrão nas loucuras geralmente atua bem nos sentimentos.
Os fantasmas do círculo de fogo:
E assim desmancha-se na nuca o que nunca foi inteiro;
Nada raro no reino, faro costumeiro e matreira abstenção...
Fez um ano já acabado – de cabo a rabo – em pleno final de Janeiro,
Mas com possibilidade de alargar o círculo da postergação.
Algo aderiu ao convite de um ouvinte obsceno – alma nua;
Inexistentes vozes que dizem: adoro nozes – mudo assunto que muda.
Na permuta e na pergunta, na barganha e na “bagaça”
Quebrado eu sou pleno, um uísque, Leminski...
Fogueira no inferno, inflamo antenado e atraente:
Geleira desnuda, chalé no Chile, versos de Neruda.
Invenções reinventadas, mais do mesmo no submerso;
Desembrulho algumas caixas e me acho inteiro dentro.
Pássaros passam, o tempo pulsa, nuvens dispersam – e dai?
Ir e vir, gordos e magros, ruas e seus buracos – ser e insistir.
Assustam-se os fantasmas, venço a batalha, mas eles persistem;
São guerreiros, os derrubo de jeito, mas levantam novamente.
Nada atraente é ser o enfermeiro de sua própria doença,
Em uma névoa eterna, plena e descrente.
XIV (em memória de Van Gogh)
Se você diz que não existe esperança,
A esperança te abandona no caminho;
Se você diz que ainda há esperança,
A utopia asfalta sua estrada.
Nas duas situações há muito sol e pouca água.
Aquela estrada que todos evitam
Levitou como um mago feito de nada...
Uma pluma na obscuridade da situação,
Que se eleva pelas mãos de deuses e fadas...
Se transformando para se tornar a mesma,
Como se fosse água morrendo afogada.
Hoje um parceiro querido foi embora
Na aurora maldita do tempo que o abraçava.
O mesmo tempo lindo já vivido, o trai agora...
Que porventura sempre desfaz tudo em fumaça.
Hoje desfiz os laços e alianças...
Que o amarravam na estrela do invencível,
Fazendo do impossível esperança,
E da eternidade algo indiscutível.
Ontem eu o amei mais do que achava;
Amei sua bondade no olhar e atitudes...
Hoje peço perdão a ele e a mim mesmo,
Por ter acomodado o sentimento numa caixa.
André Anlub
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