3 de março de 2020

Sylvia Plath

Sylvia Plath
Via: Revista Prosa Verso e Arte

Canção da manhã
O amor faz você funcionar como redondo relógio de ouro.
A parteira bateu em seus pés, e seu grito nu
Tomou lugar entre os elementos.

Nossas vozes ecoam, exaltando sua chegada. Estátua nova
Num museu arejado, sua nudez
Assombra nossa segurança. Ficamos ao redor, brancos como paredes.

Sou sua mãe
Tanto quanto a nuvem que destila um espelho que reflete seu lento
Desaparecimento na mão do vento.

À noite toda seu hálito de mariposa
Flutua entre rosas lisas. Acordo e ouço:
Longe, um mar se move em meu ouvido.

Um grito, e cambaleio para fora da cama, vaca obesa e florida
Em minha camisola vitoriana.
Sua boca se abre, limpa como a de um gato. A janela

Embranquece e engole suas estrelas torpes. E agora você ensaia
Seu punhado de notas;
As vogais claras sobem como balões.
.

Morning song
Love set you going like a fat gold watch.
The midwife slapped your footsoles, and your bald cry
Took its place among the elements.

Our voices echo, magnifying your arrival. New statue.
In a drafty museum, your nakedness
Shadows our safety. We stand round blankly as walls.

I’m no more your mother
Than the cloud that distills a mirror to reflect its own slow
Effacement at the wind’s hand.

All night your moth-breath
Flickers among the flat pink roses. I wake to listen:
A far sea moves in my ear.

One cry, and I stumble from bed, cow-heavy and floral
In my Victorian nightgown.
Your mouth opens clean as a cat’s. The window square

Whitens and swallows its dull stars. And now you try
Your handful of notes;
The clear vowels rise like balloons.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

Os mensageiros
Palavra de lesma em prato de folha?
Não é minha. Não a aceite.

Ácido acético em lata selada?
Não o aceite. Não é genuíno.

Anel de ouro e nele o sol?
Mentiras. Mentiras e uma dor.

Geada numa folha, o imaculado
Caldeirão, estalando e falando

Sozinho no topo de cada um
Dos nove Alpes negros,

Um distúrbio nos espelhos,
O mar estilhaçando seu cinza –

Amor, amor, minha estação.
.

The couriers
The word of a snail on the plate of a leaf?
It is not mine. Do not accept it.

Acetic acid in a sealed tin?
Do not accept it. It is not genuine.

A ring of gold with the sun in it?
Lies. Lies and a grief.

Frost on a leaf, the immaculate
Cauldron, talking and crackling

All to itself on the top of each
Of nine black Alps.

A disturbance in mirrors,
The sea shattering its grey one —-

Love, love, my season.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

Talidomida
Oh, semilua –

Semicérebro, luminosidade –
Negro, mascarado de branco,

Suas escuras
Amputações rastejam e assustam –

Aranhiças, inseguras.
Que luva

Que espécie de couro
Me protegeu

Daquela sombra –
Os botões indeléveis,

Nós nas omoplatas, os
Rostos que

Empurram para ser, arrastando
O podado

Âmnio sangrento das ausências.
Toda noite eu teço

Um espaço para o que me é dado,
Um amor

De dois olhos úmidos e um grito.
Branca secreção

Da indiferença!
Os frutos escuros giram e caem.

O vidro se espatifa,
A imagem

Foge e aborta como gotas de mercúrio.
.

Thalidomide
O half moon—-

Half-brain, luminosity—-
Negro, masked like a white,

Your dark
Amputations crawl and appall—-

Spidery, unsafe.
What glove

What leatheriness
Has protected

Me from that shadow—-
The indelible buds.

Knuckles at shoulder-blades, the
Faces that

Shove into being, dragging
The lopped

Blood-caul of absences.
All night I carpenter

A space for the thing I am given,
A love

Of two wet eyes and a screech.
White spit

Of indifference!
The dark fruits revolve and fall.

The glass cracks across,
The image

Flees and aborts like dropped mercury.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

Mulher estéril
Vazia, ecôo até o mínimo passo,
Museu sem estátuas, grandioso, com pilares, pórticos, rotundas.
Em meu pátio uma fonte salta e mergulha em si mesma,
Casta e cega para o mundo. Lírios de mármore
Exalam sua palidez feito perfume.

Me imagino com um grande público,
Mãe de uma branca Nike e vários Apolos de olhos nus.
Em vez disso, os mortos me ferem com atenções, nada pode acontecer.
A lua pousa a mão em minha testa,
Pálida e silenciosa como uma enfermeira.
.

Barren woman
Empty, I echo to the least footfall,
Museum without statues, grand with pillars, porticoes, rotundas.
In my courtyard a fountain leaps and sinks back into itself,
Nun-hearted and blind to the world. Marble lilies
Exhale their pallor like scent.

I imagine myself with a great public,
Mother of a white Nike and several bald-eyed Apollos.
Instead, the dead injure me with attentions, and nothing can happen.
Blank-faced and mum as a nurse.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

Lady Lazarus
Tentei outra vez.
Um ano em cada dez
Eu dou um jeito —

Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilha feito abajur nazista,
Meu pé direito

Peso de papel,
Meu rosto inexpressivo, fino
Linho judeu.

Dispa o pano
Oh, meu inimigo.
Eu te aterrorizo? —

O nariz, as covas dos olhos, a dentadura toda?
O hálito amargo
Desaparece num dia.

Em muito breve a carne
Que a caverna carcomeu vai estar
Em casa, em mim.

E eu uma mulher sempre sorrindo.
Tenho apenas trinta anos.
E como o gato, nove vidas para morrer.

Esta é a Número Três.
Que besteira
Aniquilar-se a cada década.

Um milhão de filamentos.
A multidão, comendo amendoim,
Se aglomera para ver

Desenfaixarem minhas mãos e pés —
O grande striptease.
Senhoras e senhores,

Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,

No entanto sou a mesma, idêntica mulher.
Tinha dez anos na primeira vez.
Foi acidente.

Na segunda quis
Ir até o fim e nunca mais voltar.
Oscilei, fechada

Como uma concha do mar.
Tiveram que chamar e chamar
E tirar os vermes de mim como pérolas grudentas.

Morrer
É uma arte, como tudo o mais.
Nisso sou excepcional.

Desse jeito faço parecer infernal.
Desse jeito faço parecer real.
Vão dizer que tenho vocação.

E muito fácil fazer isso numa cela.
É muito fácil fazer isso e ficar nela.
É o teatral

Regresso em plena luz do sol
Ao mesmo local, ao mesmo rosto, ao mesmo grito
Aflito e brutal:

“Milagre!”
Que me deixa mal.
Há um preço

Para olhar minhas cicatrizes, há um preço
Para ouvir meu coração —
Ele bate, afinal.

E há um preço, um preço muito alto
Para cada palavra ou cada toque
Ou mancha de sangue

Ou um pedaço de meu cabelo ou de minhas roupas.
E aí, Herr Doktor.
E aí, Herr Inimigo.

Sou sua obra-prima,
Sou seu tesouro,
O bebê de ouro puro

Que se funde num grito.
Me viro e carbonizo.
Não pense que subestimo sua grande preocupação.

Cinza, cinza —
Você fuça e atiça.
Carne, osso, não há mais nada ali —

Barra de sabão,
Anel de casamento,
Obturação de ouro.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Cuidado.
Cuidado.

Saída das cinzas
Me levanto com meu cabelo ruivo
E devoro homens como ar.
.

Lady Lazarus
I have done it again.
One year in every ten
I manage it —

A sort of walking miracle, my skin
Bright as a Nazi lampshade,
My right foot

A paperweight,
My featureless, fine
Jew linen.

Peel off the napkin
O my enemy.
Do I terrify? —

The nose, the eye pits, the full set of teeth?
The sour breath
Will vanish in a day.

Soon, soon the flesh
The grave cave ate will be
At home on me

And I a smiling woman.
I am only thirty.
And like the cat I have nine times to die.

This is Number Three.
What a trash
To annihilate each decade.

What a million filaments.
The Peanut-crunching crowd
Shoves in to see

Them unwrap me hand and foot —
The big strip tease.
Gentleman , ladies

These are my hands
My knees.
I may be skin and bone,

Nevertheless, I am the same, identical woman.
The first time it happened I was ten.
It was an accident.

The second time I meant
To last it out and not come back at all.
I rocked shut

As a seashell.
They had to call and call
And pick the worms off me like sticky pearls.

Dying
Is an art, like everything else.
I do it exceptionally well.

I do it so it feels like hell.
I do it so it feels real.
I guess you could say I’ve a call.

It’s easy enough to do it in a cell.
It’s easy enough to do it and stay put.
It’s the theatrical

Comeback in broad day
To the same place, the same face, the same brute
Amused shout:

“A miracle!”
That knocks me out.
There is a charge

For the eyeing my scars, there is a charge
For the hearing of my heart —
It really goes.

And there is a charge, a very large charge
For a word or a touch
Or a bit of blood

Or a piece of my hair on my clothes.
So, so, Herr Doktor.
So, Herr Enemy.

I am your opus,
I am your valuable,
The pure gold baby

That melts to a shriek.
I turn and burn.
Do not think I underestimate your great concern.

Ash, ash —
You poke and stir.
Flesh, bone, there is nothing there —

A cake of soap,
A wedding ring,
A gold filling.

Herr God, Herr Lucifer
Beware
Beware.

Out of the ash
I rise with my red hair
And I eat men like air.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

Tulipas
Tulipas são excitáveis demais, é inverno aqui.
Vê como tudo está branco, tão silencioso, coberto de neve.
Aprendo a paz, deitada sozinha em silêncio
Enquanto a luz se espalha nessas paredes brancas, nesta cama, nestas mãos.
Não sou ninguém; não tenho nada a ver com as explosões.
Dei meu nome e minhas roupas às enfermeiras
Minha história ao anestesista e meu corpo aos cirurgiões.

Apoiaram minha cabeça entre o travesseiro e a dobra do lençol
Como um olho entre duas pálpebras brancas que ficassem abertas.
Pupila tola, tudo ela tem que engolir.
As enfermeiras não se cansam de passar, não me incomodam,
Passam como gaivotas no interior, em seus chapéus brancos,
Fazendo coisas com as mãos, uma igual à outra,
Por isso é impossível dizer quantas são.

Fazem de meu corpo um seixo, que elas cuidam como a água
Cuida dos seixos por onde corre, alisando-os com carinho.
Trazem-me o torpor em suas agulhas brilhantes, trazem-me o sono.
Perdida de mim, estou cansada da bagagem toda —
Meu estojo de couro noturno, caixa preta de comprimidos,
Meu marido e minha filha sorriem na foto de família;
Seus sorrisos fisgam minha pele, pequenos anzóis sorridentes.

Deixei coisas escaparem, navio de carga com trinta anos
Teimosamente se prendendo a meu nome e endereço.
Eles me lavaram de minhas associações amorosas.
Assustada e nua sobre a cama de rodas com travesseiros de plástico verde,
Assisti meu aparelho de chá, minhas roupas de linho, meus livros
Submergirem e sumirem, e a água cobrir minha cabeça.
Sou freira agora, nunca fui tão pura.

Não queria flores, só me deitar
De mãos pra cima e completamente vazia.
Quanta liberdade, você não faz idéia —
A paz é tão imensa que entorpece,
E não pergunta nada, um crachá, coisinhas de nada.
É do que se aproximam os mortos, enfim; e os imagino
Fechando suas bocas sobre ela, como hóstia de comunhão.

Tulipas são vermelhas demais, me machucam.
Mesmo através do celofane as ouço respirando
De leve, através de suas faixas brancas, como um bebê terrível.
Sua vermelhidão conversa com minha ferida, elas combinam.
São tão sutis: parecem flutuar, embora sinta seus pesos,
Me aborrecendo com suas súbitas cores e línguas,
Uma dúzia de chumbadas vermelhas presas no pescoço.

Antes ninguém me observava, agora sou observada.
As tulipas se viram para mim, e para a janela às minhas costas
Onde, uma vez por dia, a luz lentamente se dilata e lentamente se dilui,
E me vejo, estendida, ridícula, uma silhueta de papel
Entre o olho do sol e os olhos das tulipas,
E não tenho face, eu que tanto quis me apagar.
As tulipas vívidas devoram meu oxigênio.

Antes de chegarem havia sossego no ar,
Indo e vindo, a cada alento, sem alvoroço.
Mas as tulipas o ocuparam por inteiro, como um alarme.
Agora o ar se enrosca e redemoinha ao seu redor como o rio
Ao redor de um motor enferrujado e submerso.
Elas concentram minha atenção, foi divertido
Brincar e descansar sem compromisso.

As paredes também parecem se aquecer.
Tulipas deviam estar atrás das grades, como feras perigosas;
Elas se abrem como a boca de um grande felino africano,
E estou consciente de meu coração: ele se abre e se fecha,
Seu bojo vermelho viceja de total amor por mim.
A água que provo é morna e salgada, como a do mar,
E vem de um país distante como a saúde.
.

Tulips
The tulips are too excitable, it is winter here.
Look how white everything is, how quiet, how snowed-in.
I am learning peacefulness, lying by myself quietly
As the light lies on these white walls, this bed, these hands.
I am nobody; I have nothing to do with explosions.
I have given my name and my day-clothes up to the nurses
And my history to the anesthetist and my body to surgeons.

They have propped my head between the pillow and the sheet-cuff
Like an eye between two white lids that will not shut.
Stupid pupil, it has to take everything in.
The nurses pass and pass, they are no trouble,
They pass the way gulls pass inland in their white caps,
Doing things with their hands, one just the same as another,
So it is impossible to tell how many there are.

My body is a pebble to them, they tend it as water
Tends to the pebbles it must run over, smoothing them gently.
They bring me numbness in their bright needles, they bring me sleep.
Now I have lost myself I am sick of baggage——
My patent leather overnight case like a black pillbox,
My husband and child smiling out of the family photo;
Their smiles catch onto my skin, little smiling hooks.

I have let things slip, a thirty-year-old cargo boat
stubbornly hanging on to my name and address.
They have swabbed me clear of my loving associations.
Scared and bare on the green plastic-pillowed trolley
I watched my teaset, my bureaus of linen, my books
Sink out of sight, and the water went over my head.
I am a nun now, I have never been so pure.

I didn’t want any flowers, I only wanted
To lie with my hands turned up and be utterly empty.
How free it is, you have no idea how free——
The peacefulness is so big it dazes you,
And it asks nothing, a name tag, a few trinkets.
It is what the dead close on, finally; I imagine them
Shutting their mouths on it, like a Communion tablet.

The tulips are too red in the first place, they hurt me.
Even through the gift paper I could hear them breathe
Lightly, through their white swaddlings, like an awful baby.
Their redness talks to my wound, it corresponds.
They are subtle : they seem to float, though they weigh me down,
Upsetting me with their sudden tongues and their color,
A dozen red lead sinkers round my neck.

Nobody watched me before, now I am watched.
The tulips turn to me, and the window behind me
Where once a day the light slowly widens and slowly thins,
And I see myself, flat, ridiculous, a cut-paper shadow
Between the eye of the sun and the eyes of the tulips,
And I have no face, I have wanted to efface myself.
The vivid tulips eat my oxygen.

Before they came the air was calm enough,
Coming and going, breath by breath, without any fuss.
Then the tulips filled it up like a loud noise.
Now the air snags and eddies round them the way a river
Snags and eddies round a sunken rust-red engine.
They concentrate my attention, that was happy
Playing and resting without committing itself.

The walls, also, seem to be warming themselves.
The tulips should be behind bars like dangerous animals;
They are opening like the mouth of some great African cat,
And I am aware of my heart: it opens and closes
Its bowl of red blooms out of sheer love of me.
The water I taste is warm and salt, like the sea,
And comes from a country far away as health.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

Ariel
Estase no escuro.
E um fluir azul sem substância
De rochedos e distâncias.

Leoa de Deus,
Como nos unimos,
Eixo de calcanhares e joelhos! — O sulco

Divide e passa, irmão do
Arco castanho
Do pescoço que não posso pegar,

Olhinegras
Bagas lançam escuros
Ganchos —

Goles de sangue negro e doce,
Sombras.
Algo mais

Me arrasta pelos ares —
Coxas, pêlos;
Escamas de meus calcanhares.

Godiva
Branca, me descasco —
Mãos mortas, asperezas mortas.

E agora
Espumo com o trigo, um brilho de mares.
O choro da criança

Dissolve-se no muro.
E eu
Sou a flecha,

Orvalho que voa
Suicida, e de uma vez avança
Contra o olho

Vermelho, caldeirão da manhã.
.

Ariel
Stasis in darkness.
Then the substanceless blue
Pour of tor and distances.

God’s lioness,
How one we grow,
Pivot of heels and knees! — The furrow

Splits and passes, sister to
The brown arc
Of the neck I cannot catch,

Nigger-eye
Berries cast dark
Hooks —

Black sweet blood mouthfuls,
Shadows.
Something else

Hauls me through air —
Thighs, hair;
Flakes from my heels.

White
Godiva, I unpeel —
Dead hands, dead stringencies.

And now I
Foam to wheat, a glitter of seas.
The child’s cry

Melts in the wall.
And I
Am the arrow,

The dew that flies
Suicidal, at one with the drive
Into the red

Eye, the cauldron of morning.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

A coragem de calar
A coragem da boca fechada, apesar da artilharia!
A linha rósea e quieta, um verme, exposto ao sol.
E há discos negros por trás, discos do ultraje,
E o ultraje de um céu, e os discos de seu cérebro.
Os discos giram, querem ser ouvidos,

Carregados, como estão, de adultérios.
Adultérios, maus-tratos, deserções e hipocrisia,
A agulha viajando em sua ranhura,
Fera prateada entre dois cânions escuros,
Um grande cirurgião, um tatuador agora,

Tatuando mais e mais as mesmas tristes queixas,
As cobras, os bebês, as tetas
Nas sereias e garotas de sonho.
O cirurgião está calado, não fala nada.
Já viu muitas mortes, suas mãos estão repletas.

Assim giram os discos do cérebro, como bocas de canhão.
E há aquela foice antiga, a língua,
Incansável, roxa. Deve ser cortada fora?
Tem nove caudas, é perigosa.
E o barulho que rouba do ar, quando começa.

Não, a língua também foi deixada de lado
Pendurada na biblioteca entre gravuras de Rangoon
E cabeças de raposas, lontras e coelhos mortos.
É um objeto maravilhoso –
Quantas coisas penetrou em outros tempos!

Mas e os olhos, os olhos, os olhos?
Espelhos matam e conversam, são quartos terríveis
Onde a tortura prossegue e só se pode olhar.
O rosto que habitava este espelho é o de um homem morto.
Não se preocupe com os olhos –

Podem ser brancos e tímidos, não são delatores,
Seus raios mortais se dobraram como bandeiras
De um país que não se conhece mais,
Uma independência obstinada
Insolvente entre as montanhas.
.

The courage of shutting-up
The courage of the shut mouth, in spite of artillery!
The line pink and quiet, a worm, basking.
There are black disks behind it, the disks of outrage,
And the outrage of a sky, the lined brain of it.
The disks revolve, they ask to be heard—

Loaded, as they are, with accounts of bastardies.
Bastardies, usages, desertions and doubleness,
The needle journeying in its groove,
Silver beast between two dark canyons,
A great surgeon, now a tattooist,

Tattooing over and over the same blue grievances,
The snakes, the babies, the tits
On mermaids and two-legged dreamgirls.
The surgeon is quiet, he does not speak.
He has seen too much death, his hands are full of it.

So the disks of the brain revolve, like the muzzles of cannon.
Then there is that antique billhook, the tongue,
Indefatigable, purple. Must it be cut out?
It has nine tails, it is dangerous.
And the noise it flays from the air, once it gets going!

No, the tongue, too, has been put by,
Hung up in the library with the engravings of Rangoon
And the fox heads, the otter heads, the heads of dead rabbits.
It is a marvelous object—
The things it has pierced in its time.

But how about the eyes, the eyes, the eyes?
Mirrors can kill and talk, they are terrible rooms
In which a torture goes on one can only watch.
The face that lived in this mirror is the face of a dead man.
Do not worry about the eyes—

They may be white and shy, they are no stool pigeons,
Their death rays folded like flags
Of a country no longer heard of,
An obstinate independency
Insolvent among the mountains.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

Gulliver
Sobre seu corpo as nuvens passam
Altas, altas e geladas
E um tanto finas, como se

Flutuassem num vidro invisível.
Diferentes dos cisnes,
Não têm reflexos;

Diferentes de você,
Sem cordas para te prender.
Tudo bem, tudo azul. Diferentes de você –

Você aí, de costas,
Olhos grudados no céu.
Os homens-aranhas te pegaram,

Lançando e enrolando suas frágeis algemas,
Suas seduções –
Tantas sedas.

Como eles te odeiam.
Eles conversam no vale dos seus dedos, minúsculos vermes.
Fariam você dormir em seus armários,

Este dedo e aquele, uma relíquia.
Cai fora!
Cai fora, sete-léguas, como aquelas distâncias

Que se movem num Crivelli, intocáveis.
Deixe que este olho vire águia,
A sombra de seu lábio, um abismo.
.

Gulliver
Over your body the clouds go
High, high and icily
And a little flat, as if they

Floated on a glass that was invisible.
Unlike swans,
Having no reflections;

Unlike you,
With no strings attached.
All cool, all blue. Unlike you—

You, there on your back,
Eyes to the sky.
The spider-men have caught you,

Winding and twining their petty fetters,
Their bribes—
So many silks.

How they hate you.
They converse in the valley of your fingers, they are inchworms.
They would have you sleep in their cabinets,

This toe and that toe, a relic.
Step off!
Step off seven leagues, like those distances

That revolve in Crivelli, untouchable.
Let this eye be an eagle,
The shadow of his lip, an abyss.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

Medusa
Longe dessa península de boquilhas petrificadas,
Olhos revirados por varetas brancas,
Orelhas absorvendo as incoerências marinhas,
Você abriga sua cabeça débil — bola divina,
Lente de piedades,

Seus parasitas
Abastecem suas células selvagens à sombra de minha quilha,
Empurradas como corações,
Estigmas vermelhos bem no centro,
Cavalgando a contracorrente até o ponto de partida mais próximo,

Arrastando seus cabelos de Jesus.
Escapei, me pergunto?
Minha mente sopra até você,
Umbigo de velhos mariscos, cabo Atlântico,
Se mantendo, parece, em estado de milagrosa conservação.

Em todo caso, você está sempre ali,
Respiração trêmula no fim da minha linha,
Curva de água pulando
Em meu caniço, ofuscante e agradecida,
Tocando e sugando.

Não chamei você.
Não chamei você mesmo.
No entanto, no entanto
Você navegou em minha direção,
Obesa e vermelha, uma placenta

Paralisando amantes impetuosos.
Luz de naja
Espremendo o hálito das rubras campânulas
Da fúcsia. Sem poder respirar,
Morta e sem dinheiro,

Superexposta, como num raio x.
Quem você pensa que é?
Hóstia de comunhão? Maria Carpideira?
Não vou tirar nenhum pedaço desse seu corpo,
Garrafa aonde vivo,

Vaticano terrível.
O sal quente me mata de enjôo.
Imaturos como eunucos, seus desejos
Sibilam para meus pecados.
Fora, fora, coleante tentáculo!

Não há mais nada entre nós.
.

Medusa
Off that landspit of stony mouth-plugs,
Eyes rolled by white sticks,
Ears cupping the sea’s incoherences,
You house your unnerving head—God-ball,
Lens of mercies,

Your stooges
Plying their wild cells in my keel’s shadow,
Pushing by like hearts,
Red stigmata at the very center,
Riding the rip tide to the nearest point of departure,

Dragging their Jesus hair.
Did I escape, I wonder?
My mind winds to you
Old barnacled umbilicus, Atlantic cable,
Keeping itself, it seems, in a state of miraculous repair.

In any case, you are always there,
Tremulous breath at the end of my line,
Curve of water upleaping
To my water rod, dazzling and grateful,
Touching and sucking.

I didn’t call you.
I didn’t call you at all.
Nevertheless, nevertheless
You steamed to me over the sea,
Fat and red, a placenta

Paralyzing the kicking lovers.
Cobra light
Squeezing the breath from the blood bells
Of the fuchsia. I could draw no breath,
Dead and moneyless,

Overexposed, like an X-ray.
Who do you think you are?
A Communion wafer? Blubbery Mary?
I shall take no bite of your body,
Bottle in which I live,

Ghastly Vatican.
I am sick to death of hot salt.
Green as eunuchs, your wishes
Hiss at my sins.
Off, off, eely tentacle!

There is nothing between us.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

A lua e o teixo
Esta é a luz da mente, fria e planetária.
As árvores da mente são negras. A luz, azul.
Gramados descarregam suas mágoas em meus pés como se eu fosse Deus,
Arranhando meus tornozelos, murmurando sua humildade.
Névoas vaporosas e espitituais habitam este lugar
Separado de minha casa por uma fileira de lápides.
Simplesmente não posso ver onde vão dar.

A lua não tem porta. É uma face em seu pleno direito,
Branca como os nós dos dedos, terrivelmente incomodada.
Arrasta o mar atrás de si como um crime sujo; está quieta,
A boca aberta em total desespero. Moro aqui.
Duas vezes aos domingos os sinos assustam o céu –
Oito grandes línguas afirmam a Ressurreição.
E no final, sobriamente, badalam seus nomes.

O teixo aponta para o alto. Tem forma gótica.
Os olhos se elevam e encontram a lua.
A lua é minha mãe. Não é doce como Maria.
Suas vestes azuis libertam pequenos morcegos e corujas.
Se eu ainda acreditasse na ternura –
O rosto da efígie, suavizado por velas,
Derramando, sobre mim, seus olhos meigos.

Tenho caído pelo caminho. Nuvens florescem
Azuis e místicas sobre a face das estrelas.
Na igreja, os santos serão todos azuis,
Flutuando sobre bancos frios com delicados pés,
Suas mãos e faces duras de santidade.
A lua não vê nada disto. É calva e selvagem.
E a mensagem do teixo é escuridão – escuridão e silêncio.
.

The moon and the yew tree
This is the light of the mind, cold and planetary
The trees of the mind are black. The light is blue.
The grasses unload their griefs on my feet as if I were God
Prickling my ankles and murmuring of their humility
Fumy, spiritous mists inhabit this place.
Separated from my house by a row of headstones.
I simply cannot see where there is to get to.

The moon is no door. It is a face in its own right,
White as a knuckle and terribly upset.
It drags the sea after it like a dark crime; it is quiet
With the O-gape of complete despair. I live here.
Twice on Sunday, the bells startle the sky —
Eight great tongues affirming the Resurrection
At the end, they soberly bong out their names.

The yew tree points up, it has a Gothic shape.
The eyes lift after it and find the moon.
The moon is my mother. She is not sweet like Mary.
Her blue garments unloose small bats and owls.
How I would like to believe in tenderness –
The face of the effigy, gentled by candles,
Bending, on me in particular, its mild eyes.

I have fallen a long way. Clouds are flowering
Blue and mystical over the face of the stars
Inside the church, the saints will all be blue,
Floating on their delicate feet over the cold pews,
Their hands and faces stiff with holiness.
The moon sees nothing of this. She is bald and wild.
And the message of the yew tree is blackness – blackness and silence.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

Rival
Se a lua sorrisse, pareceria com você.
Você também deixa a impressão
De algo lindo, mas aniquilante.
Ambos são bons em roubar luz alheia.
A boca da lua se lamenta ao mundo; a sua é insensível,

E seu maior dom é fazer tudo virar pedra.
Desperto num mausoléu; você está aqui,
Tamborilando na mesa de mármore, procurando cigarros,
Malicioso como uma mulher, não tão nervoso assim,
E louco para dizer algo irrespondível.

A lua, também, humilha seus súditos,
Mas de dia ela é ridícula.
Suas insatifações, por outro lado,
Chegam pelo correio com regularidade encantadora,
Brancas e vazias, expansivas como monóxido de carbono.

Nem um dia se passa sem notícias suas,
Passeando pela África, talvez, mas pensando em mim.
.

The rival
If the moon smiled, she would resemble you.
You leave the same impression
Of something beautiful, but annihilating.
Both of you are great light borrowers.
Her O-mouth grieves at the world; yours is unaffected,

And your first gift is making stone out of everything.
I wake to a mausoleum; you are here,
Ticking your fingers on the marble table, looking for cigarettes,
Spiteful as a woman, but not so nervous,
And dying to say something unanswerable.

The moon, too, abuses her subjects,
But in the daytime she is ridiculous.
Your dissatisfactions, on the other hand,
Arrive through the mailslot with loving regularity,
White and blank, expansive as carbon monoxide.

No day is safe from news of you,
Walking about in Africa maybe, but thinking of me.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

40 graus de febre
Pura? O que significa isso?
As línguas do inferno
São torpes, torpes como as três

Línguas do torpe, obeso Cerberus
Que arfa ao portão. Incapaz
De lamber e limpar

O membro em febre, o pecado, o pecado.
Crepita a chama.
O indelével aroma

De vela apagada!
Amor, amor, a fumaça rola
De mim como a echarpe de Isadora, e temo

Que uma das portas se ancore na roda.
Uma fumaça tão amarela e sombria
Faz de si seu elemento. Não vai subir,

Mas girar ao redor do globo
Asfixiando o idoso e o humilde,
O indefeso

Bebê na estufa de seu berço,
Orquídea pálida
Suspensa em seu jardim suspenso no ar,

Diabólico leopardo!
A radiação o embranqueceu
E o matou em uma hora.

Engordurando os corpos dos adúlteros
Como as cinzas de Hiroshima que os devoram.
O pecado. O pecado.

Meu bem, passei a noite
Me virando, indo e vindo, indo e vindo.
Os lençóis opressivos como beijos de um devasso.

Três dias. Três noites.
Limonada, canja
Aguada, água me deixa enjoada.

Sou pura demais para você ou qualquer outro.
Seu corpo
Me magoa como o mundo magoa Deus. Sou uma lanterna –

Minha cabeça uma lua
De papel japonês, minha pele folheada a ouro
Infinitamente delicada e infinitamente cara.

Meu calor não te choca. Nem minha luz.
Sou, sozinha, uma camélia imensa
Ardendo e indo e vindo, gozo a gozo.

Acho que estou subindo,
Acho que posso levantar –
Contas de metal ardente voam, e eu, amor, eu

Sou uma virgem pura
De acetileno
Cuidada por rosas,

Por beijos, por querubins,
Por qualquer dessas coisas róseas.
Não você, nem ele

Nem ele, nem ele
(Meus eus se dissolvem, anáguas de puta velha) –
Ao Paraíso.
.

Fever 103°
Pure? What does it mean?
The tongues of hell
Are dull, dull as the triple

Tongues of dull, fat Cerberus
Who wheezes at the gate. Incapable
Of licking clean

The aguey tendon, the sin, the sin.
The tinder cries.
The indelible smell

Of a snuffed candle!
Love, love, the low smokes roll
From me like Isadora’s scarves, I’m in a fright

One scarf will catch and anchor in the wheel,
Such yellow sullen smokes
Make their own element. They will not rise,

But trundle round the globe
Choking the aged and the meek,
The weak

Hothouse baby in its crib,
The ghastly orchid
Hanging its hanging garden in the air,

Devilish leopard!
Radiation turned it white
And killed it in an hour.

Greasing the bodies of adulterers
Like Hiroshima ash and eating in.
The sin. The sin.

Darling, all night
I have been flickering, off, on, off, on.
The sheets grow heavy as a lecher’s kiss.

Three days. Three nights.
Lemon water, chicken
Water, water make me retch.

I am too pure for you or anyone.
Your body
Hurts me as the world hurts God. I am a lantern——

My head a moon
Of Japanese paper, my gold beaten skin
Infinitely delicate and infinitely expensive.

Does not my heat astound you! And my light!
All by myself I am a huge camellia
Glowing and coming and going, flush on flush.

I think I am going up,
I think I may rise——
The beads of hot metal fly, and I love, I

Am a pure acetylene
Virgin
Attended by roses,

By kisses, by cherubim,
By whatever these pink things mean!
Not you, nor him

Nor him, nor him
(My selves dissolving, old whore petticoats)——
To Paradise.
– Sylvia Plath, no livro “Ariel” (edição fac-simile).. [tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo] Campinas-SP: Verus Editora, 2007.

§

Espelho
Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo no mesmo momento
Do jeito que é, sem manchas de amor ou desprezo.
Não sou cruel, apenas verdadeiro –
O olho de um pequeno deus, com quatro cantos.
O tempo todo medito do outro lado da parede.
Cor de rosa, malhada. Há tanto tempo olho para ele
Que acho que faz parte do meu coração. Mas ele falha.
Escuridão e faces nos separam mais e mais.

Sou um lago, agora. Uma mulher se debruça sobre mim,
Buscando em minhas margens sua imagem verdadeira.
Então olha aquelas mentirosas, as velas ou a lua.
Vejo suas costas, e a reflito fielmente.
Me retribui com lágrimas e acenos.
Sou importante para ela. Ela vai e vem.
A cada manhã seu rosto repõe a escuridão.
Ela afogou uma menina em mim, e em mim uma velha
Enxerge em sua direção, dia a dia, como um peixe terrível.
.

Mirror
I am silver and exact. I have no preconceptions.
Whatever I see I swallow immediately
Just as it is, unmisted by love or dislike.
I am not cruel, just truthful –
The eye of a little god, four-cornered.
Most of the time I meditate on the opposite wall.
It is pink, with speckles. I have looked at it so long
I think it is a part of my heart. But it flickers.
Faces and darkness separate us over and over.

Now I am a lake. A woman bends over me,
Searching my reaches for what she really is.
Then she turns to those liars, the candles or the moon.
I see her back, and reflect it faithfully.
She rewards me with tears and an agitation of hands.
I am important to her. She comes and goes.
Each morning it is her face that replaces the darkness.
In me she has drowned a young girl, and in me an old woman
Rises toward her day after day, like a terrible fish.

23 October 1961
– Sylvia Plath, em “Poemas – Sylvia Plath”. [organização, tradução, ensaios e notas Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça]. São Paulo: Iluminuras, 2007.

§

Papoulas em julho
Pequenas papoulas, pequenas chamas do inferno,
Vocês fazem mal?

Vocês se mexem. Não posso tocá-las.
Meto as mãos entre as chamas. Nada me queima.

E me cansa ficar aqui olhando
Vocês se mexendo assim, enrugadas e rubras, como a pele de uma boca.

Uma boca sangrando.
Pequenas franjas sangrentas!

Há fumos que não posso tocar.
Onde estão seus ópios, suas cápsulas que enjoam?

Se eu pudesse sangrar, ou dormir! –
Se minha boca se unisse a essa ferida!

Ou se seus licores me sedassem, nessa cápsula de vidro.
Entorpecendo e acalmando.

Mas sem cor. Incolor.
.

Poppies in july
Little poppies, little hell flames,
Do you do no harm?

You flicker. I cannot touch you.
I put my hands among the flames. Nothing burns

And it exhausts me to watch you
Flickering like that, wrinkly and clear red, like the skin of a mouth.

A mouth just bloodied.
Little bloody skirts!

There are fumes I cannot touch.
Where are your opiates, your nauseous capsules?

If I could bleed, or sleep! –
If my mouth could marry a hurt like that!

Or your liquors seep to me, in this glass capsule,
Dulling and stilling.

But colorless. Colorless.

20 July 1962
– Sylvia Plath, em “Poemas – Sylvia Plath”. [organização, tradução, ensaios e notas Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça]. São Paulo: Iluminuras, 2007.

(continua)

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Biografia quase completa






Escritor, locador, vendedor de livros, protético dentário pela SPDERJ, consultor e marketing na Editora Becalete e entusiasta pelas Artes com uma tela no acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MAC/BA)

Autor de sete livros solo em papel, um em e-book e coautor em mais de 130 Antologias poéticas

Livros:
• Poeteideser de 2009 (edição do autor)
• O e-book Imaginação Poética 2010 (Beco dos Poetas)
• A trilogia poética Fulano da Silva, Sicrano Barbosa e Beltrano dos Santos de 2014
• Puro Osso – duzentos escritos de paixão (março de 2015)
• Gaveta de Cima – versos seletos, patrocinado pela Editora Darda (Setembro de 2017)
• Absolvido pela Loucura; Absorvido pela Arte
(Janeiro de 2019)

• O livro de duetos: A Luz e o Diamante (Junho 2015)
• O livro em trio: ABC Tríade Poética (Novembro de 2015)

Amigos das Letras:
• Membro vitalício da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba (RJ) cadeira N° 95
• Membro vitalício da Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura da Embaixada da Poesia (RJ)
• Membro vitalício e cofundador da Academia Internacional da União Cultural (RJ) cadeira N° 63
• Membro correspondente da ALB seccionais Bahia, São Paulo (Araraquara), da Academia de Letras de Goiás (ALG) e do Núcleo de Letras e Artes de Lisboa (PT)
• Membro da Academia Internacional De Artes, Letras e Ciências – ALPAS 21 - Patrono: Condorcet Aranha

Trupe Poética:
• Academia Virtual de Escritores Clandestinos
• Elo Escritor da Elos Literários
• Movimento Nacional Elos Literários
• Poste Poesia
• Bar do Escritor
• Pé de Poesia
• Rio Capital da Poesia
• Beco dos Poetas
• Poemas à Flor da Pele
• Tribuna Escrita
• Jornal Delfos/CE
• Colaborador no Portal Cronópios 2015
• Projeto Meu Poemas do Beco dos Poetas

Antologias Virtuais Permanentes:
• Portal CEN (Cá Estamos Nós - Brasil/Portugal)
• Logos do Portal Fénix (Brasil/Portugal)
• Revista eisFluências (Brasil/Portugal)
• Jornal Correio da Palavra (ALPAS 21)

Concursos, Projetos e Afins:
• Menção Honrosa do 2° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Brava Gente Brasileira”.
• Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Amor do Tamanho do Brasil”.
• Menção Honrosa do 5° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Quem acredita cresce”.
• Menção Honrosa no I Prêmio Literário Mar de Letras, com poetas de Moçambique, Portugal e Brasil, ficou entre os 46 primeiros e está no livro “Controversos” - E. Sapere
• classificado no Concurso Novos Poetas com poema selecionado para o livro Poetize 2014 (Concurso Nacional Novos Poetas)
• 3° Lugar no Concurso Literário “Confrades do Verso”.
• indicado e outorgado com o título de "Participação Especial" na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas/Salvador (BA).
• indicado e outorgado com o título de "Talento Poético 2015" com duas obras selecionadas para a Antologia As Melhores Poesias em Língua Portuguesa (SP).
• indicado e outorgado com o título de Talento Poético 2016 e 2017 pela Editora Becalete
• indicado e outorgado com o título de "Destaque Especial 2015” na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas VIII
• Revisor, jurado e coautor dos tomos IX e X do projeto Poesias Encantadas
• Teve poemas selecionados e participou da Coletânea de Poesias "Confissões".
• Dois poemas selecionados e participou da Antologia Pablo Neruda e convidados (Lançada em ago./14 no Chile, na 23a Bienal (SP) e em out/14 no Museu do Oriente em Lisboa) - pela Literarte

André Anlub por Ele mesmo: Eu moro em mim, mas costumo fugir de casa; totalmente anárquico nas minhas lucidezes e pragmático nas loucuras, tento quebrar o gelo e gaseificar o fogo; não me vendo ao Sistema, não aceito ser trem e voo; tenho a parcimônia de quem cultiva passiflora e a doce monotonia de quem transpira melatonina; minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; otimista sem utopia, pessimista sem depressão. Me considero um entusiasta pela vida, um quase “poète maudit” e um quase “bon vivant”.

Influências – atual: Neruda, Manoel de Barros, Sylvia Plath, Dostoiévski, China Miéville, Emily Dickinson, Žižek, Ana Cruz Cesar, Drummond
Hobbies: artes plásticas, gastronomia, fotografia, cavalos, escrita, leitura, música e boxe.
Influências – raiz: Secos e Molhados, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Jorge Amado, Neil Gaiman, gibis, Luiz Melodia entre outros.
Tem paixão pelo Rock, MPB e Samba, Blues e Jazz, café e a escrita. Acredita e carrega algumas verdades corriqueiras como amor, caráter, filosofia, poesia, música e fé.