Custavo
recebeu de presente um livro com as páginas em branco e achou ótimo. Esse vai
ser bom de ler, exultou. Gláudia observou: Isso tá mais pra um caderno, acho
que o tio tá sugerindo que você faça um diário. Custavo repeliu a ideia: Seja
tola não, o tio é mais inteligente do que isso!
- No mais,
tudo bem?
- No mais,
tudo mais pra menos. Mas também, tão bem quanto se esperava não dá mais...
No coração do
vento frio uma vontade que não era calor mas quase recitou um poema estranho,
falando em coisas que ele nunca tinha pensado. Porque o coração do vento frio
só sabia ventar frio e, de repente, aquela vontade.
O céu da
Marquesinha desenhou umas nuvens que o céu da Condessinha imitou, para pior, e
o céu da Baronesinha nunca deixou de lembrar nos saraus seguinte. O céu da
Viscondessinha ria com polidez afetada, mas o céu da filha do jardineiro,
aprendiz de bordadeira em casa de sua avó, nunca olhou para essas coisas.
- Vô, se eu
fosse rico e famoso o senhor ia ficar feliz?
- A pergunta
não é esta, meu bem. A pergunta é: Se você fosse rico e famoso, você ia ficar
feliz?
- Você está
com a lua atravessada na garganta!
- Eu sei.
Tentei engolir inteira. Devia ter dividido em fases. – Ela podia ter feito isso
por você.
- Mas aí seria
ela, não eu.
- Quem fez
este homem aqui?
- Eu não!
- Nem eu!
- Não olha pra
mima!
- Deus me
livre!
- Não sou tão
incompetente!
- Ah, não foi
ninguém, então. Vai ver foi o cachorro da vizinha.
Todos puderam
ouvir o cachorro da vizinha latindo eu não, eu não!
Fetênia queria
sair de si mesma. Sua mãe achava um absurdo. Logo agora que você está pra c
sar, que ideia mais absurda! Mas Fetênia não conseguia pensar em outra coisa.
Sair de si mesma virou quase uma obsessão para ela. Até o dia em que assistiu o
vídeo de uma briga de canários, um furando os olhos do outro e uma boçália
masculina em torno, fazendo apostas e babando. Fetênia lembrou que tinha um
noivo, bom sujeito, e estava para se casar. Nem ligou quando sua mãe repetiu à
exaustão que ainda bem.
- Devagar,
devagar!
- Mas eu estou
quase parando!
- Isso do seu
ponto de vista...
Desde que Rúspilo
foi embora, Réspila passa os dias na janela, esperando a volta dele. Mas ele não
vai voltar, Réspila! Não adianta, ela não ouve. E de vez em quando se agita
toda, arruma o cabelo, passa um batom, troca o vestido...
- Você já vai?
- Mas eu estou
aqui há três dias!
- Pois é. E já
vai?
Zóquima fez
todo o possível para salvar a amizade com Pértila. Como não foi possível, em
pouco tempo Zóquima não lembrava mais que algum dia houve Pértila em sua vida.
O diagramador
da poesia esqueceu que era dia, esqueceu de molhar a grama, esqueceu da dor de
esquecer. Mas a dor de esquecer não esqueceu o diagramador da poesia. E então
os seus diagramas, com a dor presente/ausente, surgiam num verde onde os pés
pousavam e em plena luz do sol.
- Posso te
ler?
- Não. Hoje eu
não vou abrir minhas páginas.
- Vou ficar só
admirando tua capa, então.
- É, mas com
os olhos. Não preciso que me tires o pó.
Quem inventou
o pisnoio também inventou a graviranda. Mas, de toda vez que ia falar na
graviranda, sua invenção preferida, todo mundo só queria ouvir sobre o pisnoio,
seu grande sucesso comercial, responsável por sua imensa fortuna. Voltava então
para a oficina e tentava inventar outra coisa.
O verão já ia
pelo meio quando Stipérnio deu-se conta de que não precisava mais andar de
botas e meias, calça de veludo, camisa de lã, cachecol e luvas. Stipérnio ficou
muito admirado de não suar mais e não ter alergias quando se deu conta disso.
O pescoço estava
crescendo muito. O que há contigo, quis saber a orelha direita. Eu vi uma
girafa e achei a coisa mais linda do mundo, respondeu o pescoço. A orelha
esquerda estremeceu de excitação e disse que tinha amado o elefante, quando viu
um.
- Às dez e
vinte? Tem certeza?
- Sim.
- Mas já são
onze e quarenta!
- Então acho
que preciso deixar de ter certeza...
(Rogério Camargo)
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