15 de agosto de 2018

Poemas misturados


O RIO
(Olavo Bilac)

Da mata no seio umbroso,
No verde seio da serra,
Nasce o rio generoso,
Que é a providência da terra.

Nasce humilde; e, pequenino,
Foge ao sol abrasador;
É um fio dágua, tão fino,
Que desliza sem rumor.

Entre as pedras se insinua,
Ganha corpo, abre caminho,
Já canta, já tumultua,
Num alegre borburinho.

Agora ao sol, que o prateia,
Todo se entrega, a sorrir;
Avança, as rochas ladeia,
Some-se, torna a surgir.

Recebe outras águas, desce
As encostas de uma em uma,
Engrossa as vagas, e cresce,
Galga os penedos, e espuma.

Agora, indômito e ousado,
Transpõe furnas e grotões,
Vence abismos, despenhado
Em saltos e cachoeirões.

E corre, galopa, cheio
De força; de vaga em vaga,
Chega ao vale, alarga o seio,
Cava a terra, o campo alaga . . .

Expande-se, abre-se, ingente,
Por cem léguas, a cantar,
Até que cai finalmente,
No seio vasto do mar . . .

Mas na triunfal majestade
Dessa marcha vitoriosa,
Quanto amor, quanta bondade
Na sua alma generosa!

A cada passo que dava
O nobre rio, feliz
Mais uma árvore criava,
Dando vida a uma raiz.

Quantas dádivas e quantas
Esmolas pelos caminhos!
Matava a sede das plantas
E a sede dos passarinhos . . .

Fonte de força e fartura,
Foi bem, foi saúde e pão:
Dava às cidades frescura,
Fecundidade ao sertão . . .

E um nobre exemplo sadio
Nas suas águas se encerra;
Devemos ser como o rio,
Que é a providência da terra:

Bendito aquele que é forte,
E desconhece o rancor,
E, em vez de servir a morte,
Ama a vida, e serve o Amor!



Livros e flores

Teus olhos são meus livros.
Que LIVRO há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?

Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor, 
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?


Machado de Assis



Os gatos
Charles Baudelaire

Os amantes febris e os sábios solitários
Amam de modo igual, na idade da razão,
Os doces e orgulhosos GATOS da mansão,
Que como eles têm frio e cismam sedentários.

Amigos da volúpia e devotos da ciência,
Buscam eles o horror da treva e dos mistérios;
Tomara-os Érebo por seus corcéis funéreos,
Se a submissão pudera opor-lhes à insolência.

Sonhando eles assumem a nobre atitude
Da esfinge que no além se funde à infinitude,
Como ao sabor de um sonho que jamais termina;

Os rins em mágicas fagulhas se distendem,
E partículas de ouro, como areia fina,
Suas graves pupilas vagamente acendem.

Do livro As flores do mal

tradução: Ivan Junqueira


Como a Noite é Longa!

Como a noite é longa! 
Toda a noite é assim... 
Senta-te, ama, perto 
Do leito onde esperto. 
Vem p’r’ao pé de mim... 

Amei tanta coisa... 
Hoje nada existe. 
Aqui ao pé da cama 
Canta-me, minha ama, 
Uma canção triste. 

Era uma princesa 
Que amou... Já não sei... 
Como estou esquecido! 
Canta-me ao ouvido 
E adormecerei... 

Que é feito de tudo? 
Que fiz eu de mim? 
Deixa-me dormir, 

Dormir a sorrir 
E seja isto o fim. 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"


 De que Serve a Bondade


De que serve a bondade 
Quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos 
Aqueles para quem foram bondosos? 

De que serve a liberdade 
Quando os livres têm que viver entre os não-livres? 

De que serve a razão 
Quando só a sem-razão arranja a comida de que cada um precisa? 



Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos 
Por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor; 
A faça supérflua! 

Em vez de serdes só livres, esforçai-vos 
Por criar uma situação que a todos liberte 
E também o amor da liberdade 
Faça supérfluo! 

Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos 
Por criar uma situação que faça da sem-razão dos indivíduos 
Um mau negócio! 

Bertold Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas' 
Tradução de Paulo Quintela


SE ME APARTO DE TI, DEUS DA BONDADE 

Se me aparto de ti, Deus da bondade,
Que ausência tão cruel! Como é possível
Que me leve a um abismo tão terrível
O pendor infeliz da humanidade!

Conforta-me, Senhor, que esta saudade
Me despedaça o coração sensível;
Se a teus olhos na cruz sou desprezível,
Não olhes para a minha iniquidade!

À suave esperança me entregaste,
E o preço de teu sangue precioso
Me afiança que não me abandonaste.

Se, justo, castigar-me te é forçoso,
lembra-te que te amei, e me criaste
para habitar contigo o Céu lustroso!

Marquesa de Alorna, in 'Antologia Poética'


Ode ao gato
Os animais foram 
imperfeitos, 
compridos de rabo, tristes 
de cabeça. 
Pouco a pouco se foram 
compondo, 
fazendo-se paisagem, 
adquirindo pintas, graça, vôo. 
O gato, 
só o gato 
apareceu completo 
e orgulhoso: 
nasceu completamente terminado, 
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro 
a serpente quisera ter asas, 
o cachorro é um leão desorientado, 
o engenheiro quer ser poeta, 
a mosca estuda para andorinha, 
o poeta trata de imitar a mosca, 
mas o gato 
quer ser só gato 
e todo gato é gato 
do bigode ao rabo, 
do pressentimento à ratazana viva, 
da noite até os seus olhos de ouro.

Não há unidade 
como ele, 
não tem 
a lua nem a flor 
tal contextura: 
é uma coisa só 
como o sol ou o topázio, 
e a elástica linha em seu contorno 
firme e sutil é como 
a linha da proa 
de uma nave. 
Os seus olhos amarelos 
deixaram uma só 
ranhura 
para jogara as moedas da noite

Oh pequeno 
imperador sem orbe, 
conquistador sem pátria 
mínimo tigre de salão, nupcial 
sultão do céu 
das telhas eróticas, 
o vento do amor 
na imterpérie 
reclamas 
quando passas 
e pousas 
quatro pés delicados 
no solo, 
cheirando, 
desconfiando 
de todo o terrestre, 
porque tudo 
é imundo 
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente 
da casa, arrogante 
vestígio da noite, 
preguiçoso, ginástico 
e alheio, 
profundissimo gato, 
polícia secreta 
dos quartos, 
insignia 
de um 
desaparecido veludo, 
certamente não há 
enigma 
na tua maneira, 
talvez não sejas mistério, 
todo o mundo sabe de ti e pertence 
ao habitante menos misterioso, 
talvez todos acreditem, 
todos se acreditem donos, 
proprietários, tios 
de gatos, companheiros, 
colegas, 
díscipulos ou amigos 
do seu gato.

Eu não. 
Eu não subscrevo. 
Eu não conheço o gato. 
Tudo sei, a vida e seu arquipélago, 
o mar e a cidade incalcullável, 
a botânica, 
o gineceu com os seus extrávios, 
o pôr e o mesnos da matemática, 
os funis vulcânicos do mundo, 
a casaca irreal do crocodilo, 
a BONDADE ignorada do bombeiro, 
o atavismo azul do sacerdote, 
mas não posso decifrar um gato. 
Minha razão resvalou na sua indiferença, 
os seus olhos tem números de ouro.

(Navegaciones y Regresos, 1959)
Pablo Neruda


 Liberdade
(Fernando Pessoa)

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca… 


Reza para as quatro almas de Fernando Pessoa

Da belíssima "Ode à noite antiga"

resulta que eu entendo, limpo de esforço

e vaidade, se nos fosse possível:

da oração verdadeira nasce a força.

Ninguém se cansa de BONDADE e avencas.

Os rebanhos guardados guardam o homem.

Todos que estamos vivos morreremos.

Não é para entender que nós pensamos,

é para sermos perdoados.

Pai nosso, criador da noite, do sonho,

do meu poder sobre os bois,

eis-me, eis-me.

- Adelia Prado in Bagagem


A bondade em palavras cria confiança; a bondade em pensamento cria profundidade; a bondade em dádiva cria amor.
Lao Tsé


Bondade

É a bondade que te faz formosa,
Que a alma te diviniza e transfigura;
É a bondade, a rosa da ternura,
Que te perfuma com perfume à rosa.

Teu ser angelical de luz bondosa
Verte em meu ser a mais sutil doçura,
Uma celeste, límpida frescura,
Um encanto, uma paz maravilhosa.

Eu afronto contigo os vampirismos,
Os corruptos e mórbidos abismos
Que em vão busquem tentar-me no Caminho.

Na suave, na doce claridade,
No consolo, de amor dessa BONDADE
Bebo a tu'alma como etéreo vinho.

Cruz e Souza


À DESCOBERTA DO AMOR 

Ensaia um sorriso 
e oferece-o a quem não teve nenhum. 
Agarra um raio de sol 
e desprende-o onde houver noite. 
Descobre uma nascente 
e nela limpa quem vive na lama. 
Toma uma lágrima 
e pousa-a em quem nunca chorou. 
Ganha coragem 
e dá-a a quem não sabe lutar. 
Inventa a vida 
e conta-a a quem nada compreende. 
Enche-te de esperança 
e vive á sua luz. 
Enriquece-te de BONDADE 
e oferece-a a quem não sabe dar. 
Vive com amor 
e fá-lo conhecer ao Mundo.

Mahatma Gandhi


POSSIBILIDADES

Prefiro cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os cavalos nas margens do Warta.
Prefiro Dickens a Dostoievski.
Prefiro-me gostando dos homens
em vez de estar amando a humanidade.
Prefiro ter uma agulha preparada com a linha.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não afirmar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as excepções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar com os médicos sobre outra coisa.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não os escrever.
No amor prefiro os aniversários não redondos
para serem comemorados cada dia.
Prefiro os moralistas,
que não prometem nada.
Prefiro a bondade esperta à bondade ingénua demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos países conquistadores.
Prefiro ter objecções.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de fadas de Grimm às manchetes de jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães com o rabo não cortado.
Prefiro os olhos claros porque tenho os olhos escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que aqui não disse,
a outras tantas não mencionadas aqui.
Prefiro os zeros à solta
a tê-los num fila junto ao algarismo.
Prefiro o tempo do insecto ao tempo das estrelas.
Prefiro isolar.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro levar em consideração até a possibilidade
do ser ter a sua razão.

[Wislawa Szymborska, “Rosa do Mundo” (Trad. Aleksandar Jovanovich e Henry Siewierski)]


Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.
O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.
Digo o que penso, com esperança.
Penso no que faço, com fé.
Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende!

Cora Coralina

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Agradecemos pela leitura.

Biografia quase completa






Escritor, locador, vendedor de livros, protético dentário pela SPDERJ, consultor e marketing na Editora Becalete e entusiasta pelas Artes com uma tela no acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MAC/BA)

Autor de sete livros solo em papel, um em e-book e coautor em mais de 130 Antologias poéticas

Livros:
• Poeteideser de 2009 (edição do autor)
• O e-book Imaginação Poética 2010 (Beco dos Poetas)
• A trilogia poética Fulano da Silva, Sicrano Barbosa e Beltrano dos Santos de 2014
• Puro Osso – duzentos escritos de paixão (março de 2015)
• Gaveta de Cima – versos seletos, patrocinado pela Editora Darda (Setembro de 2017)
• Absolvido pela Loucura; Absorvido pela Arte
(Janeiro de 2019)

• O livro de duetos: A Luz e o Diamante (Junho 2015)
• O livro em trio: ABC Tríade Poética (Novembro de 2015)

Amigos das Letras:
• Membro vitalício da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba (RJ) cadeira N° 95
• Membro vitalício da Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura da Embaixada da Poesia (RJ)
• Membro vitalício e cofundador da Academia Internacional da União Cultural (RJ) cadeira N° 63
• Membro correspondente da ALB seccionais Bahia, São Paulo (Araraquara), da Academia de Letras de Goiás (ALG) e do Núcleo de Letras e Artes de Lisboa (PT)
• Membro da Academia Internacional De Artes, Letras e Ciências – ALPAS 21 - Patrono: Condorcet Aranha

Trupe Poética:
• Academia Virtual de Escritores Clandestinos
• Elo Escritor da Elos Literários
• Movimento Nacional Elos Literários
• Poste Poesia
• Bar do Escritor
• Pé de Poesia
• Rio Capital da Poesia
• Beco dos Poetas
• Poemas à Flor da Pele
• Tribuna Escrita
• Jornal Delfos/CE
• Colaborador no Portal Cronópios 2015
• Projeto Meu Poemas do Beco dos Poetas

Antologias Virtuais Permanentes:
• Portal CEN (Cá Estamos Nós - Brasil/Portugal)
• Logos do Portal Fénix (Brasil/Portugal)
• Revista eisFluências (Brasil/Portugal)
• Jornal Correio da Palavra (ALPAS 21)

Concursos, Projetos e Afins:
• Menção Honrosa do 2° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Brava Gente Brasileira”.
• Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Amor do Tamanho do Brasil”.
• Menção Honrosa do 5° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Quem acredita cresce”.
• Menção Honrosa no I Prêmio Literário Mar de Letras, com poetas de Moçambique, Portugal e Brasil, ficou entre os 46 primeiros e está no livro “Controversos” - E. Sapere
• classificado no Concurso Novos Poetas com poema selecionado para o livro Poetize 2014 (Concurso Nacional Novos Poetas)
• 3° Lugar no Concurso Literário “Confrades do Verso”.
• indicado e outorgado com o título de "Participação Especial" na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas/Salvador (BA).
• indicado e outorgado com o título de "Talento Poético 2015" com duas obras selecionadas para a Antologia As Melhores Poesias em Língua Portuguesa (SP).
• indicado e outorgado com o título de Talento Poético 2016 e 2017 pela Editora Becalete
• indicado e outorgado com o título de "Destaque Especial 2015” na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas VIII
• Revisor, jurado e coautor dos tomos IX e X do projeto Poesias Encantadas
• Teve poemas selecionados e participou da Coletânea de Poesias "Confissões".
• Dois poemas selecionados e participou da Antologia Pablo Neruda e convidados (Lançada em ago./14 no Chile, na 23a Bienal (SP) e em out/14 no Museu do Oriente em Lisboa) - pela Literarte

André Anlub por Ele mesmo: Eu moro em mim, mas costumo fugir de casa; totalmente anárquico nas minhas lucidezes e pragmático nas loucuras, tento quebrar o gelo e gaseificar o fogo; não me vendo ao Sistema, não aceito ser trem e voo; tenho a parcimônia de quem cultiva passiflora e a doce monotonia de quem transpira melatonina; minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; otimista sem utopia, pessimista sem depressão. Me considero um entusiasta pela vida, um quase “poète maudit” e um quase “bon vivant”.

Influências – atual: Neruda, Manoel de Barros, Sylvia Plath, Dostoiévski, China Miéville, Emily Dickinson, Žižek, Ana Cruz Cesar, Drummond
Hobbies: artes plásticas, gastronomia, fotografia, cavalos, escrita, leitura, música e boxe.
Influências – raiz: Secos e Molhados, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Jorge Amado, Neil Gaiman, gibis, Luiz Melodia entre outros.
Tem paixão pelo Rock, MPB e Samba, Blues e Jazz, café e a escrita. Acredita e carrega algumas verdades corriqueiras como amor, caráter, filosofia, poesia, música e fé.