Sopro
Fica tão óbvio
Mas por que não falar de amor?
Mesmo o ópio que entorpece,
Que se lembra; que se esquece
Faz do momento um próprio vício
De eternidade.
Fica tão certo...
Quanto o martelo que acerta o prego
Na construção da casa.
O extremo fogo que queima a casa
Na maldição do tempo que deixa as cinzas
Ao vento...
O ontem que já foi
Correu ligeiro;
Como já foi o que o ontem alimentou
Hoje resta a fome de hoje;
Fica tão hoje o desejo
De repetir o que passou.
Fica tão perto...
Na criança que desce o escorrega,
Calhando em segundos – sua alegria;
São elas, absurdamente elas.
E homens correm suas vidas
Essas – que não tiveram;
Correm, correm e correm.
Por fim brincam, choram,
Nunca alcançam;
E seguem bem-aventurados
Na utopia.
André Anlub
Dueto CLII
A pétala dormia serena seu sono de orvalho quando foi sacudida por um vento elétrico.
“Vento de maio rainha dos raios de sol” – de repente agora se dava início sua larga e aguardada jornada. Sempre quis se soltar das irmãs.
Leva consigo o perfume e a saudade, mas entrega-se à aventura com o furor dos descobridores de novos mundos.
Pétala que cai no rio é pétala que tem sorte. Pode passear por um extenso caminho, enfrentando correntezas, vendo novas margens, novas árvores, na certeza de tudo ser incerto.
Mas ela não sabe se vai cair no rio. Não sabe mesmo o que é um rio. No momento apenas embriaga-se com a sensação de engolir o mundo enquanto mundo a engole.
Se dopa com seu próprio cheiro, se enfeita com sua própria cor; entre trejeitos de uma princesa ela despenca sem nenhum pudor.
Cai entre as pedras de um calçamento árido. Passos apressados e indiferentes pisoteiam o passeio. São como compassos de uma música sem estrutura. Ela ouve e não entende.
A pedra esquenta seu corpo e o foco perde-se na aparência; a mente mistura as letras: tudo se torna gigante mesmo antes gigante já sendo.
Não demora alguém lhe pisa em cima. Ela não sabe o que é “alguém”. Mas acaba de saber o que é ter o peso de alguém em cima.
Vê-se carregada colada em um sobe e desce frenético; agora é pétala que pedala, entregue ao léu e deus dará... Sem patoá nem patuá.
Já conheceu o mundo nas asas do vento, vai conhecer o mundo numa sola de sapato.
Rogério Camargo e André Anlub
Vi seu rosto no papel
Ela acabou de abrir os olhos
em dúvida se foi sonho ou delírio
em meio a nuvens e cordilheiras
cavalgava em um corcel negro de fogo
num arco-íris de sossego
cercada de lírios
em algum lugar do globo.
Sentia nas entranhas o desejo queimar
como se engolisse uma brasa
que aquecia intensamente a quimera
elevando-a acima do mar.
No ar, lá estava...
No ar.
Seu corpo de carne e osso
como se fosse feita de vento
lava, livre, leve
sem destino ou martírio
sem necessitar de resguardo.
O bloqueio havia acabado
aperte o cinto e decole
para o mundo só seu
no absoluto apogeu
do desconhecido.
Talvez agora possa se encontrar
demitindo a tristeza por justa causa
pouco importa se for sonho ou real
transpondo o sentimento pro transbordo
da escrita, viciante, sobrenatural.
André Anlub®
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