ALGUNS MINICONTOS
Dalmério
chegou atrasado, rosnou uma explicação qualquer e foi para o seu lugar como se
nada tivesse acontecido. Bolívio podia ter deixado assim. Mas Bolívio era
implicante e sabia que Dalmério tinha pavio curto. Quando fez a primeira
ironia, Dalmério fingiu não ter escutado. Quando fez a segunda, viu o pescoço
de Dalmério ficar vermelho e seu rosto ficar roxo. Devia ter parado por aí. Mas
Bolívio era implicante. E Dalmério tinha o pavio curto.
- Me viaja?
- Mas eu não
tenho teu mapa!
- Não importa.
Embarca em mim que eu te levo por mim.
- Temeridade.
E se eu não souber pedir informações na tua língua?
O fim da
estrada queria ser o início da estrada, não o fim. Mas nunca lhe ocorria dizer “comece
tudo outra vez” quando as pessoas chegavam a ele. Talvez não quisesse
interromper a festa delas.
Ezépia não
ouve ninguém. Mas Ezépia faz perguntas. E as pessoas tentam responder. Como Ezépia
não ouve ninguém, as respostas que lhe dão caem no vácuo. E ela não se
esclarece. E torna a perguntar.
A cabeça
pesada de Molinetto vinha obrigando-o a fazer exercícios especiais com
opescoço. Ele, o pescoço, algumas vezes ameaçou pedir demissão, depois exigiu
um aumento dse salário, depois décimo-terceiro em dobro, depois um robusto
adicional de insalubridade. Só não conseguiu férias. No máximo poderia dar um
passeio enquanto Molinetto estivesse dormindo, a cabeça afundada no
travesseiro.
Crépizo tinha
dificuldade para achar o fim das histórias. O início delas era sempre muito
claro, não havia problema para acompanhar o desenvolvimento, mas na hora de ver
onde estava o fim Crépizo ficava tateando no escuro. Se fosse um teórico de
recursos, poderia desenvolver uma tese polêmica: não há fim nas histórias. Crépizo,
porém, era apenas alguém que lia com interesse e atenção, mas não achava o fim
das histórias.
Na manhã mais
triste de sua vida Mevizaldo viu o seu sonho diluir-se como uma nuvem que o
vento desmancha. Em poucos inesquecíveis minutos não havia mais nada do que
poderia ser tudo – de bom, de muito bom, de ótimo. Mevizalfo parou diante do nada que lhe
restou, cantou-lhe em silêncio uma canção de adeus e embarcou no longo trem do
que lhe restava viver.
Quando Ezézzia
trocou de rosto, Aluteu achou muito interessante, embora a tenha reconhecido de
imediato pela tatuagem no pescoço. Nem por um rosto novo Ezézzia se desfaria
daquela tatuagem. Aluteu quis investigar se ela não havia trocado outras partes
também, mas uma expressão bandalha tomou conta do rosto novo dela quando disse:
- Isto é pra
depois!
O pássaro do
canto estranho pousou no galho da noite e fez uma declaração bizarra, que
nenhuma estrela entendeu. Depois o pássaro do canto estranho voltou sua atenção
para as promessas que ele mesmo havia feito e jamais cumprido. Promessas que as
estrelas entendiam, porque cumpriam todas elas, desde a primeira, que jamais
foi um canto estranho.
- Quem vem lá?
- Acho que é a
Confiança.
- Mancando
daquele jeito? Tem certeza?
ROGÉRIO CAMARGO
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