- Onde é que
está o sentido de tudo isso?
- Na direção,
talvez.
- E quem
determina a direção de tudo isso?
- O sentido,
provavelmente.
Há muito tempo
Zulinha já havia dado a causa como perdida. Terça-feira passada Cevérsio
apareceu lhe dizendo que a causa pode ser ganha. Zulinha disse obrigada, mas eu
estou muito bem sem esperar nada de ninguém. Cevérsio insistiu que era possível
ganhar, que ela não deveria desistir assim, que o mundo é dos lutadores, que a
glória é dos que não se entregam, que entregar-se é degradante e que não há vitória
sem sacrifício. Esta última afirmação foi feita na calçada, depois de Zulinha
ter fechado o portão, a porta e ligado o rádio.
Pólquira
encontrou a solução dormindo a sono solto na rede à sombra no pomar. Ande,
venha, preciso de você agora, já! A solução primeiro não entendeu nada. Depois entendeu que fôra
tirada do sono sem a menor consideração para com seu prazer e seu relax. Por fim
entendeu que não tinha nada a ver com os problemas de Pólquira. Como não tem
nada a ver, se você é a solução? Uma pergunta que ficou sem resposta, porque a
solução reacomodou-se na rede e com fones de ouvido, dessa vez.
Antes que
chegasse o zananá a suas mãos, Moroba pensava em fazer duas coisas com ele. Só
duas. Mas seriam coisas inesquecíveis. Quando o zananá chegou, Miroba esqueceu
tudo que tinha pensado antes e fez quatro coisas com ele, tratando de
encomendar um zononó assim que a sua imaginação esgotou as possibilidades. Para
o zononó ela tinha dois usos já programados.
- Olha,
sinceramente, eu acho que tá muito ruim!
-
Sinceramente, olha: você achar que tá muito ruim não melhora nada em coisa
alguma.
Uma nuvem
boiando pálida entre nuvens brilhantes, viçosas, exalando vigor. Uma nuvem
constrangida de palidez entre nuvens coradas, enérgicas, trepidantes. Uma nuvem
querendo ir embora e não tendo para onde ir, cercada de nuvens que não a deixam
ir embora.
Martino Vech
chegou com as mãos carregadas de vento e depositou a carga em cima da mesa. Foi
tudo o que consegui, falou, como se pedisse desculpas. Era muito mais do que a família precisava. Tinha
vento ali até a terceira geração. A mãe chorou emocionada, a esposa deu-lhe um
beijo apaixonado, os filhos prometeram ir bem na escola. E Martino Vech repetiu
que poderia ter trazido mais, mas foi só o que tinha conseguido.
Tudo que
Marquinha Tantta não queria era passar vergonha. Achava horrível passar
vergonha. Então só usava vergonhas de tecido sintético, que bastava lavar e
estavam prontas para o uso novamente.
O crescimento
zero olhou para o crescimento mais que zero com muita inveja. O crescimento
mais que zero olhou para o crescimento muito mais que zero e pediu sugestões
para crescer muito mais que zero. O crescimento muito mais que zero não ouviu,
estava prestando atenção aos delírios do crescimento muitíssimo mais que zero.
Pela janela da
alma, também o sol da alma, que não pode entrar se ela estiver fechada.
Quando as
costas de Rulítio emperraram e ele não pôde mais curvar-se, passou a dobrar os
joelhos para apanhar coisas no chão. Quando os joelhos de Rulítio emperraram,
ele encomendou um braço mecânico a uma indústria americana. O aparelho não
chegou ainda. As coisas que Rutílio tem que juntar vêm ficando cada vez mais no
chão.
Casumiro até
gostaria de ter sido o herói da cena, descido o penhasco, salvado a moça antes
que a tragédia se consumasse. Mas Casumiro não tinha preparo algum para descer
o penhasco, trazer a moça de lá e evitar a tragédia. Casumiro só gostaria de
ter sido o herói da cena. E isso não o abandonou mais pelo resto de seus
atormentados dias.
Será que isso tem jeito?
- Isso já não
tem um jeito?
- Mas tá
torto!
- Torto não é
um jeito?
Crivinha
achava pouco 24 horas. Crivinha queria muito mais do que 24 horas. Um dia
precisava durar uma semana. Uma semana precisava durar um ano. E as horas todas
deste ano precisavam ser de atendimento àquele fogo que consumia Crivinha, àquela
vontade desesperada de estar com Agovílio o tempo todo, que era tão curto. Agovílio
olhava, ria e dizia tá bom, meu bem, tá bom.
- Com essa é a
oitava já, que droga!
- Bem, então a
próxima vai ser a nona...
- Não precisa
ser cínico, também!
- Não, não preciso.
Nem você precisa ser contabilista.
Úpila saiu de
casa sem destino. Não era a primeira vez e a família ficava muito nervosa,
porque Úpila sempre estava prometendo um dia não voltar. Até agora não cumprira
a promessa, retornando de cada vez que saía sem destino. Demorando mais ou
demorando menos, sempre voltava. Mas e se essa vez for a vez de cumprir a
promessa? Como fica? Não queriam pensar. Volte, volte, Úpila, não queremos
pensar em como fica se você não voltar.
ROGÉRIO CAMARGO
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