Deixou cair a
palavra na frente do silêncio e esperou. O silêncio não recolheu a palavra. E
esperou.
A imagem que
Tronétio guardara do amigo de infância era bem esta: a de um amigo de infância.
Passaram-se quarenta anos desde que
haviam brincado juntos pela última vez, antes que uma família fosse embora e
outra ficasse. Por um tempo trocaram correspondência, mas nenhum dos dois
gostava de escrever. E naquela época não havia telefone que “faz tudo”. Naquela
época havia apenas ir embora (ou ficar) e sentir saudade. Era o que Tronétio
sentia, depois de quarenta anos. Uma saudade avassaladora, que sequer o
reencontro com o amigo aplacaria, porque reencontrá-lo não traria a infância de
volta.
Estava escrito
nas estrelas. Mas para ler o que estava escrito nas estrelas era preciso
levantar a cabeça.
- Eu preciso
ter condições!
- E do que você
precisa para ter condições?
Estende o
perdão como quem dá uma esmola. Fica surpreso quando o recusam.
- Me dá uma
dor no pescoço terrível cada vez que eu fico olhando torto assim por muito
tempo.
- E você precisa
ficar olhando torto assim por muito tempo?
- Quem chegou?
- Ninguém
chegou.
- É por isso
que a casa está tão cheia...
- Eu levei o
teu sonho para apanhar sol, tudo bem?
- Tá. E como é
que ele está?
- Sonhe você
mesmo e confira.
Roteiro para
um passeio ao inferno: ter certezas e apostar nelas.
A pergunta que
dançava diante dos olhos não sabia que música era aquela, que origem tinha
aquele ritmo, quem pensou num arranjo tão envolvente, de onde viera tudo
aquilo. A pergunta que dançava diante dos olhos apenas entregava-se a dançar,
nada mais.
O tempo das
misérias construiu um casebre com seus restos de ilusão, mudou-se para lá com o
que lhe restava de resistência e passou os anos seguintes lendo velhas revistas
que a falsa caridade largava em seu portão, periodicamente.
O jantar saiu às
quatro da manhã, o café saiu às cindo da tarde e o almoço às onze da noite. Mas
como estava todo mundo com fome, ninguém reparou.
No rosto da
saudade uma ruga muito sutil de preocupação com o futuro veio descendo até não
haver mais por onde descer.
ROGÉRIO CAMARGO
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