(André Anlub e Rogério Camargo)
Chega da rua com as mãos carregadas de outras mãos
Os pães ficaram na padaria, os cães na esquina.
Ainda tem olhos de perguntar: onde estão os pães? On-de estão os cães? Que mãos são essas?
Esqueceu as histórias que iria contar: quem é Mrs. Dal-loway? Quem é Daenerys? Quem é Cinderela?
Tem olhos que perguntam mas não tem olhos que res-pondam. Então chega da rua carregado e descarrega.
O coração, a cabeça, a alma, a voz de esquizofrênico há tempos não dizem nada.
De frente para si mesmo está de costas para si mesmo.
É meio torto, mas o espelho só tem valia de frente a ou-tro.
Chegou da rua e não foi procurar um espelho. Chegou da rua sem pensar que espelhos existem. Chegou da rua carre-gado e descarregou.
As mãos que carregava carregavam sonhos; e os sonhos largados ao chão foram se espalhando por toda a casa.
As mãos que carregava e carregavam sonhos bateram palmas, pedindo urgência, pedindo muita urgência.
A imagem sem alguma inocência avivou a memória, remetendo ao palco e a outras histórias.
Não iria contá-las. Não para si mesmo. Mas sonhos que caem de mãos trazidas da rua não eram novidade no chão da sua casa.
Suas mesa e cama estava há tempos vazias de fantasias. Todas as suas musas e seus mousses ficavam na nostalgia.
Vivia pelo sonho dos outros. Chegava da rua com as mãos carregadas de mãos carregadas deles. Elas o incitavam a juntá-los. Ele os mirava do alto da apatia.
Nunca teve medo de carregar mãos vazias, de levar uma tapa ou até ser morto.
Seu problema não era falta de coragem. Seu problema era falta de si mesmo.
Deu-se então um abraço tristemente desconsolado e prometeu no dia seguinte ir em busca dos cães e trazer pão quente para casa. Nem que fosse o da véspera.
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