Dueto da tarde (XXXVII)
No alvorecer subiu a montanha mais alta e recitou poesia.
Era um poema velho, parecia ter nascido com ele. Mas naquele momento foi o que veio, foi o que percorreu sua veia e tocou sua verve.
Inflado de emoção, olhou em torno e o contorno das palavras juntou-se à sombra das árvores.
Era de uma beleza rara, estonteante; era de um deleite berrante que contagiava os lugares em que sua memória buscava comparação.
Não havia comparação: aquilo era único e mágico; a poesia batendo suas asas sem estrada, sem direção.
Se lhe pedissem para dizer, diria. Mas era só viver, então vivia.
Era tudo que se escolhia para bem-viver, e então o alvorecer fez-se melodia no alto da montanha: recolhia em réstias de luz o que a imensidão lhe dava,
Sentia-se um rei que quer dividir o trono, como um dono de alguma coisa que o tem.
Então, como uma tempestade que chega sem avisar, sutil, cinza, ranzinza, para desafinar a orquestra,
Um outro texto apareceu no horizonte, entre um arco-íris já morto e um por-de-sol doente.
Deixou todos os olhos dançantes, displicentes; deixou a razão doente, sem chance de voltar atrás na decisão de voltar atrás. Queria ser lido em voz alta, em voz muito alta, em voz de ensurdecer,
Queria aparecer, e conseguiu; queria fazer sorrir; mas foi ele quem riu (primeiro); porque olhou para a pretensão do que veio depois e queria ser o que veio antes, olhou para o que desejava espaço apenas para ter espaço
E disse apenas: Não!
Rogério Camargo e André Anlub
(15/1/15)
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