“Tenho certeza que se poderia fazer um Natal
todo dia”. Pois eu tenho certeza que não. Mesmo afastando o lado cínico da
interpretação, que seria o de uma diária troca de presentes: o comércio ficaria
muito feliz, mas não haveria bolso para sustentar essa prática. Mesmo ficando só
com o aspecto idealista da afirmação, que é muito ingênua. Acreditar nisso é
acreditar que o ser humano pudesse ser perenemente “bom”, só sentir coisas “boas”
pelos outros seres humanos, viver um espírito de “fraternidade” constante e
retilíneo. Isso é pura fantasia. Mais lucra quem coloca aspas nesses
cor-de-rosas que só atrapalham a admissão de que estamos muito mais perto da
animalidade grosseira do que da sutileza angelical. As pessoas se têm em muito
alta e equivocada conta. Até por instinto de defesa (ou por uma reaplicação dele)
procuram evitar uma observação mais profunda e isenta em suas reações
violentas, mascarando-as com o verniz de uma civilidade extremamente frágil. Em
resumo, a humanidade não tem condições de sustentar uma coisa dessas, um Natal
diário. Aceite-se, só para exercício filosófico, que o espírito natalino tão
decantado nas propagandas não seja apenas condicionamento, não seja apenas
vontade de que fosse mesmo de verdade os desejos de paz e felicidade trocados
sem que se pense no que está sendo dito. Em dois tempos a cabeça, inquieta e
satisfeita, estaria entediada com o repetismo. Não durava uma semana isso que,
no sonho, deveria durar para sempre, a fim de libertar os pobres sofredores dos
grilhões do sofrimento.
A propósito, ontem digitei o texto abaixo, para
um próximo livro de minha mãe que estou preparando:
A maior utopia dos
grandes idealistas é solucionar os problemas da humanidade. Dar ao homem, em
toda a face do planeta, plenas condições de paz e prosperidade. E eu me pergunto:
se tal fosse possível, o que essa paz e essa prosperidade fariam da humanidade?
Como sobreviveria o homem sob a camada estabelecida de inércia? E quais os
resultados desse acomodamento sobre a evolução do homem? Ninguém pensa que o
homem tem exatamente o que precisa para não soçobrar irremediavelmente no
empedramento e na anulação. Tire-se a mola propulsora que o impulsiona para
frente e em pouco tempo teremos um estado de caos. E é tão fundamental no ser o
desequilíbrio e a rebelião, que o próprio homem desfaria em segundos o que o
sonho utópico conseguisse por ventura realizar.
ROGÉRIO CAMARGO
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